Spielberg ganha o Oscar em 1999 / Getty Images

Por Nate Buzelli*

Eu tinha 3 anos de idade quando minha mãe me colocou do lado dela para assistir à Premiação da Academia (tradução livre para Academy Awards), conhecido como os Oscars, em março de 1999. Naquele ano, Steven Spielberg levaria como melhor diretor enquanto “Shakespeare Apaixonado” seria consagrado melhor filme. Naquele mesmo ano, Fernanda Montenegro concorria com as favoritas Gwyneth Paltrow e Cate Blanchett, Ian Mckellen se tornava o PRIMEIRO ator abertamente LGBTQIA+ a ser indicado ao prêmio; Robert Begnini e seu “A Vida é Bela” se tornava apenas o segundo filme na história a ser indicado a melhor filme estrangeiro e melhor filme.

Assistir à premiação se tornou uma rotina na minha casa. Minha mãe e eu, ano após ano, nos sentávamos na sala para vermos juntos até o momento em que ela começou a trabalhar em turnos noturnos no hospital, aí eu passei a ver sozinho. Assim, em 2008, tudo mudou: o que era antes curiosidade, um hobby, se tornou paixão e até obsessão quando Jack Nicholson introduziu os 79 vencedores do Oscar de melhor filme antes do 80º ser revelado naquela noite. Um mundo se abriu, eu de repente precisava ver mais filmes, precisava saber mais sobre os vencedores – atores, atrizes, fotógrafos, diretores, roteiristas. Em um ano, eu encontrei a realidade da qual eu queria fazer parte, decidi que seria cineasta e daí em diante, o cinema se tornou o centro da minha galáxia.

Cinema, e arte em geral, quando promovida, quando celebrada, pode sim influenciar a vida das pessoas das formas mais diversas. Sempre defendi o Oscar e muitas premiações, festivais, por isso e também pela plataforma que pode se tornar nas mãos dos artistas certos. Mas essa premiação que se iniciou lá nos anos ‘20 mudou muito com o tempo, e sua história é marcada por inúmeras peculiaridades.

Quando a cerimônia nasceu em 1929, tinha o intuito de celebrar os filmes de 1927 até 1928. Então naquele ano, eles premiaram “Asas” como melhor filme e “Aurora” como melhor produção artística (ambos os filmes, inclusive, são excelentes e podem ser encontrados em plataformas de streaming).

O que muitos não sabem é que ela precisou correr para se tornar uma cerimônia anual referente ao ano cinematográfico anterior. Então, a segunda cerimônia ocorreu em abril de 1930, celebrando os filmes lançados entre agosto de 1928 e 31 de julho de 1929.

A terceira cerimônia ocorreu no mesmo ano, só que em novembro, dessa vez celebrando os filmes lançados entre agosto de 1929 e 31 de julho de 1930.

A partir da quarta cerimônia, as coisas começaram a se estabilizar, mas esta ainda era realizada no segundo semestre (novembro). Apenas em 1934, cerimônia que premiou o faroeste “Cavalgada” como melhor filme lançado entre agosto de 1932 e dezembro de 1933, que esta voltou a acontecer no primeiro semestre.

Em 92 anos, apenas 1933 não contou com uma cerimônia do Oscar.

Ah, os atores…as atrizes…o glamour e a fraude.

Algumas das maiores peculiaridades e curiosidades da história da premiação envolvem os atores, as estrelas que nos anos iniciais fizeram da cerimônia uma grande competição. Esta era transmitida pelo rádio e atraía enorme audiência porque todos queriam saber qual estrela seria exaltada e qual seria esnobada.

Bette Davis em “Escravos do Desejo”

Em 1934, uma jovem atriz chamada Bette Davis conquistou a crítica e a audiência numa intensa performance em “Escravos do Desejo”, de John Cromwell. Porém, para a surpresa de muitos e muitas, Davis não foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Na época, apenas 3 atrizes eram indicadas por um pequeno comitê (como o BAFTA faz atualmente), e naquele ano Claudette Colbert, Norma Shearer e Grace Moore foram as escolhidas. Só que a reclamação e manifestação por parte de membros da jovem academia e do público levaram o presidente da Academia de Artes e Ciência Cinematográfica (AMPAS) a dizer que todos os membros poderiam votar em quem quisessem, sejam nas atrizes indicadas ou não – processo chamado de write in.

Isso não interferiu na vencedora, que foi Colbert por “Aconteceu Naquela Noite”, filme que viria a ser o primeiro de 3 a ganharem as 5 categorias principais: filme, direção, ator, atriz e roteiro. Porém, Bette Davis recebeu muitos votos e acabou chegando em terceiro lugar, na frente de Grace Moore, enquanto Myrna Loy apareceu em quinto por “The Thin Man”, apesar não ter sido indicada também.

Lógico que essa loucura toda fez com que a Academia mudasse as regras, estabelecendo que os indicados seriam definidos pelo setor respectivo a indicação (regra que se mantém até hoje). Isso significa que atores indicam atores, diretores indicam diretores e por aí vai.

Essa não é, porém, a coisa mais insana que já aconteceu em termos de categorias de atuação. Façamos um salto de 10 anos, “O Bom Pastor” de Leo McCarey é o favorito ao Oscar, tendo recebido 10 indicações, só que duas dessas 10 indicações foram para o mesmo ator: Barry Fitzgerald. Ele foi indicado como ator principal, competindo com Bing Crosby – seu colega de cena, e a ator coadjuvante, pelo mesmo filme.

Bing Crosby e Barry Fitzgerald em “O Bom Pastor”

Felizmente, Fitzgerald perdeu para Crosby como principal, porque ele já havia ganhado como coadjuvante na mesma noite. Depois dessa loucura, a Academia novamente modificou as regras, garantindo que se um ator ou atriz recebesse indicações tanto para principal quanto para coadjuvante, ele só competiria pela categoria em que recebesse mais votos.

Esse evento também nos permite ilustrar uma das discussões mais frequentes durante todas as temporadas de premiações: a fraude de categoria. Quando um ator principal é considerado coadjuvante pelo estúdio ou empresa responsável pela campanha, pois assim terá mais chances de vencer – ou não vai atrapalhar outro interprete do mesmo filme na outra categoria. Por exemplo, Al Pacino concorreu como coadjuvante por seu trabalho em “O Poderoso Chefão” há 50 anos – ele perdeu, mas seu colega e co-protagonista Marlon Brando foi escolhido como melhor ator daquele ano.

Isso tem se tornado norma recentemente: Brad Pitt ganhou em 2020 como coadjuvante por “Era Uma Vez em Hollywood”, Mahershala Ali ganhou em 2019 como coadjuvante por “Green Book”, Alicia Vinkander – a interprete com maior tempo de tela em “A Garota Dinamarquesa”, ganhou como coadjuvante também em 2015.

Isso levou ao absurdo dos absurdos no ano passado, quando Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield, ambos CO-PROTAGONISTAS de “Judas e o Messias Negro”, foram indicados como coadjuvante. Pode parecer algo bobo, mas quando isso acontece, muitos atores com menos tempo de tela, com menos nome para as campanhas, perdem muito espaço.

A reação, apesar de não vir com mudanças de regras, foi clara neste ano (2022). Os 5 atores indicados ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e as 5 atrizes indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante são realmente coadjuvantes. E o mais legal não é isso, desses 10 interpretes, 8 receberam a primeira indicação (apenas Judi Dench e JK Simmons haviam sido indicados antes).

DIGA NÃO À FRAUDE DE CATEGORIA!

Ainda com os atores, olhar para o passado pode ajudar a prever o futuro.

Uma das minhas curiosidades favoritas, que parece absurda ao primeiro instante, é o histórico da Academia quanto a premiação de estrelas (atores/atrizes): as estrelas masculinas costumam ganhar mais tarde em suas carreiras (às vezes a espera é tão grande, que eles não conseguem concorrer mais).

Exemplos:

  • Humphrey Bogart, indicado pela primeira vez em 1941, ganhou em 1952;
  • John Wayne, indicado pela primeira vez em 1950, ganhou em 1970;
  • Paul Newman, indicado pela primeira vez em 1959, ganhou em 1987;
  • Dustin Hoffman, indicado pela primeira vez em 1968, ganhou em 1980;
  • Robert Duvall, indicado pela primeira vez em 1973, ganhou em 1984;
  • Jeff Bridges, indicado pela primeira vez em 1971, ganhou em 2010;
  • Al Pacino, indicado pela primeira vez em 1973, ganhou em 1993;
  • Morgan Freeman, indicado pela primeira vez em 1987, ganhou em 2005;
  • Leonardo DiCaprio, indicado pela primeira vez em 1994, ganhou em 2016;
  • Joaquim Phoenix, indicado pela primeira vez em 2001, ganhou em 2020;
  • Brad Pitt, indicado pela primeira vez em 1995, ganhou em 2020.

Lógico, existem exceções (Denzel Washington, Tom Hanks, Jimmy Stewart), mas é um tanto curioso não? Outros como Cary Grant, Gene Kelly, Montgomery Clift, Robert Redford, Fred Astaire, Tom Cruise, Ralph Fiennes e mais recentemente Bradley Cooper (que poderia já ter 2 Oscars) jamais venceram.

Já com as estrelas femininas, a história é o contrário: elas normalmente ganham em suas primeiras indicações, com raras exceções. Emma Stone ganhou em sua primeira indicação a melhor atriz, Jennifer Lawrence em sua segunda; lá atrás, Jennifer Jones ganhou também em sua primeira indicação pelo filme que a fez uma estrela, “A Canção de Bernadette”. Vivien Leigh, Ingrid Bergman, Bette Davis, Norma Shearer, Sofia Loren, Audrey Hepburn (literalmente pelo primeiro filme), Katharine Hepburn, Claudette Colbert, Joan Fontaine, Olivia de Havilland, Grace Kelly, Ginger Rogers, Julie Andrews, Jane Fonda, Holly Hunter, Jane Wyman, Eva Marie Saint, Cate Blanchett, Gwyneth Paltrow, Halle Berry, Nicole Kidman, Renée Zellweger, Frances McDormand, Brie Larson, Meryl Streep, Natalie Portman, Reese Witherspoon, Charlize Theron, Julia Roberts, Hilary Swank, Helent Hunt, Emma Thompson, Jodie Foster, Cher, Marlee Matlin, Sally Field e Sissy Spacek são gritantes disso.

Audrey Hepburn após Oscar de Melhor Atriz em 1954

Poucas atrizes conseguiram ganhar o primeiro Oscar mais tarde na carreira, Greer Garson, Julianne Moore, Kate Winslet e Shirley McClaine são raros exemplos. A triste realidade é que atrizes como Deborah Kerr, Glenn Close, Amy Adams – indicadas pelo menos 6 vezes – não ganharam e quanto mais passa o tempo, menos chances as que estão vivas têm de ganhar pela primeira vez – considerando a indústria machista, a dificuldade de se conseguir grandes papéis para mulheres mais velhas (não chamadas Meryl Streep).

O que isso tudo pode dizer sobre ambas as categorias em 2022?

Will Smith foi indicado pela primeira vez em 2002, por “Ali”. O histórico indica que ele vai levar neste ano, enquanto Benedict Cumberbatch (segunda indicação) e Andrew Garfield (segunda indicação) vão ter que esperar mais um pouco.

Já para melhor atriz, a situação é diferente: temos a jovem estrela (Kristen Stewart) indo contra estrelas consagradas com um Oscar já (Nicole Kidman ganhou em 2003, Penelope Cruz em 2009 e Olivia Colman em 2019) e uma atriz que já está há mais de uma década esperando (Jessica Chastain, indicada pela primeira vez em 2012).

O histórico indica que Kidman, Colman ou Cruz vão ganhar o segundo Oscar; Stewart porém teria mais chances que Chastain – a vencedora do SAG Awards e do Critic’s Choice Awards. E aí, em quem você vai apostar?

Por sinal, Stewart é apenas a segunda pessoa abertamente LGBTQIA+ a ser indicada numa categoria principal de atuação e a primeira mulher.

Os precursores e o que esperar daqui pra frente

Antigamente, a gente assistia ao Globo de Ouro e determinava que o filme vencedor viria a ser o favorito ao Oscar.

De 1994, quando O Sag Awards (prêmio do sindicato dos atores) começou, até 2018, o vencedor do Oscar de Melhor filme esteve também indicado ao prêmio de melhor elenco em tal premiação.

O PGA Awards (prêmio sindicato dos produtores) previa facilmente o vencedor do Oscar durante muito tempo. Se fizesse duplinha com o DGA Awards (prêmio sindicato dos diretores), era infalível.

2022 e nenhuma dessas premiações pode determinar absolutamente nada e isso mudou porque, felizmente, em 2016 a Academia começou um processo intenso para aumentar a diversidade entre seus votantes. Após 2015 e o chamado “Oscar So White” (Oscar tão branco), eles mudaram as regras, diminuíram o tempo de elegibilidade e incluíram milhares de membros.

Hoje, o Oscar conta com mais de 10 mil votantes.

Isso não significa que todos são boas pessoas, isso não significa que todos assistem a todos os filmes elegíveis. Mas significa que aquele núcleo previsível, que era influenciado pelo Globo de Ouro e que continha inúmeros votantes do SAG, PGA e DGA Awards, não iria mais determinar os vencedores.

Assim, em 2017, quando tudo apontava “La La Land”, “Moonlight” ganhou. Em 2020, quando tudo apontava “1917”, “Parasita” ganhou, desafiando vencedores do DGA, PGA, BAFTA, Globo de Ouro e WGA.

Moonlight ganhando o Oscar de Melhor Filme após confusão do envelope em 2017

Desde então, filmes que jamais teriam a chance de competir por um Oscar há 15 anos atrás, estão ganhando. “A Forma d’Água”, “Nomadland”, “Pantera Negra”, “A Favorita”, “Mank”, “Trama Fantasma” e esse ano temos “Ataque dos Cães”, “Licorice Pizza” e “Drive My Car”, todos com chances de ganharem prêmios importantes.

Os filmes internacionais, que começaram a receber destaque da Academia através de prêmios honorários nos anos 50 – antes da categoria de filme estrangeiro ser criada – estão tendo cada vez mais destaque em categorias como diretor e roteiro. Sim, não algo tão novo, pois isso aconteceu com frequência nos anos 60, com a ascenção do cinema autoral europeu, e voltou a acontecer pontualmente no final dos anos 90. Mas dessa vez, os filmes internacionais não estão apenas felizes pela indicação, eles têm chances reais de vencer.

E é absurdo pensar que os diretores e artistas internacionais não se importam. A equipe de “A Pior Pessoa do Mundo” fez campanha forte nos EUA para conseguir as duas indicações que conseguiram. Thomas Vinterberg, um dos maiores diretores de sua geração, se emocionou ano passado quando seu filme “Druk” ganhou o prêmio de filme internacional, revelando que sempre sonhou com esse momento. Quando Almodóvar ganhou em 2002 por “Fale com Ela”, ele correu e comemorou abraçando seus colaboradores no palco.

Os artistas se importam, é importante para eles serem reconhecidos pelos colegas da indústria. Se a Palma de Ouro é difícil ganhar, quando se compete com outros 19 filmes, o que dizer de um prêmio em que milhares votam e se compete com mais de 300 filmes?

O Oscar é nos EUA o que o Grande Prêmio Brasileiro é no Brasil, acredite se quiser. Equivalente ao que é o Goya na Espanha, o Caeasar na França. É um prêmio nacional, mas como a indústria de lá é a maior e mais relevante do mundo, estão cada vez atraindo talentos de fora, e esses talentos passam a votar no Oscar.

Dito tudo isso, o que pode-se dizer sobre o que vai acontecer nesse domingo?

Existem favoritos; “Ataque dos Cães” é o que tem mais chances e “CODA” – o mais genérico entre os 10 indicados – ganhou recentemente um boost do SAG e do PGA. Se este ou “Amor Sublime Amor” ganhar, se tornaria apenas o segundo remake da história (o primeiro sendo “Os Infiltrados” em 2007). “CODA” também seria o primeiro a ganhar o Oscar de melhor filme sem indicação a direção ou montagem.

Ataque dos Cães levando Melhor Film no BAFTA 2022

Se “Amor Sublime Amor” ganhar, se tornará apenas o oitavo musical a ganhar o prêmio (em 92 anos). Ao contrário do que se pensa, o musical não é um gênero muito querido pela AMPAS.

Se “Ataque dos Cães” ou “CODA” ganhar, marcará a primeira vitória de um filme distribuído por plataforma de streaming (Netflix ou Apple TV). Também a marcará a primeira vez em que filmes dirigidos por mulheres ganham melhor filme em anos consecutivos.

Honestamente, eu acho que podemos esperar surpresas (em termos históricos ou em relação aos precursores). Para o bem ou para o mal, o Oscar é uma democracia e amanhã descobriremos a próxima etapa de sua história.

*Nate Buzelli é um cineasta e produtor audiovisual paulistano. Diretor criativo da Endofilmes, Nate também escreve sobre cinema e cultura há mais de 12 anos, tendo textos publicados em múltiplas plataformas online.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA