Torcida do Brasil no Catar. Foto: Mídia NINJA

Por Rogério Barros

O público presente nos estádios em Copas do Mundo costuma marcar um evento à parte. As torcidas representando cada qual o seu país, cada uma com suas cores e culturas, levam uma atração extra a quem acompanha as partidas pela TV e demais mídias. As disputas de gritos, bandeiras e vibração por muitas vezes são até mais interessantes que os próprios jogos em campo.

Ao longo dos mundiais, ficaram célebres torcedores e torcedoras de países latinos, por sua paixão e empolgação. As torcidas africanas, cada vez mais presentes, também passaram a chamar atenção por sua animação e colorido, tal como o povo árabe. De uma forma geral, fãs das equipes europeias têm fama de serem os mais frios e menos vibrantes, com exceção de italianos e italianas, que se incluem entre o povo latino, mais passional.

Torcidas conhecidas pelo hábito de beber muito também chamam atenção e causam divertimento no evento, é o caso da torcida da Irlanda. Na Copa do Mundo de 2022, essas duas últimas torcidas citadas não estavam presentes, pois suas seleções não se qualificaram para ir ao Catar, mas não faltaram representantes das nações latino-americanas, africanas e arábicas. Como sempre, foi destaque a participação da famosa torcida argentina, com seus gritos ao estilo das torcidas organizadas de clubes e o delírio que parece ser só dela. Outra torcida sul-americana que esteve presente com sua seleção foi a do Equador que, assim como torcedores e torcedoras das equipes, africanas, árabes e mexicana, foram notícia por levar alegria aos estádios e ser retrato de seu povo.

Mas onde aparece a torcida do Brasil nesse ambiente?

Apesar de sermos o país do samba e de também termos o sangue latino, é notório que o público do Brasil nas Copas do Mundo não tem o mesmo fascínio que as ruas carregam durante o mundial.

Sabemos, no entanto, que se trata de um evento de alto custo para quem o consome de forma presencial, que a massa não tem condições de viajar para acompanhar in loco, fazendo com que se elitize o perfil das pessoas presentes. No caso do Brasil, mesmo quando o Mundial foi aqui, em 2014, isso não mudou para o público brasileiro, devido ao valor dos ingressos, e poucos eram os que tinham acesso aos estádios.

Naquela Copa do Mundo vimos um público brasileiro, no geral, elitizado, que inclusive se dizia contrário à realização do evento no país, marcando mudança repentina que começou exato um ano antes, durante a realização da Copa das Confederações, algo que até hoje é trazido de volta à tona, principalmente nos discursos panfletários de direita, a qual era oposição ao governo federal da época. Até aquele junho de 2013, a opinião pública era predominantemente apoiadora da Copa do Mundo no Brasil, mas apesar dessa rejeição, a competição no país tem registrado, até o momento, o segundo maior público da história das Copas do Mundo.

Mas é quando o torneio ocorre nos países estrangeiros, como no Catar, que a torcida brasileira costuma ter o perfil do turista clichê, dando a impressão que sua maioria em pouco, ou em nada, se interessa por futebol fora da época de Copa do Mundo. Como disse a colunista Milly Lacombe, “a torcida brasileira parece ter pego uma ponte aérea da Faria Lima para Doha” ou, talvez, seja de Miami, visto que ostenta escritos e faixas em inglês, e a cidade estadunidense é o destino turístico preferido de turistas brasileiros abonados.

O caso é que a torcida brasileira nos Mundiais não ilustra o perfil do nosso povo e das torcidas populares nos estádios pelo país, não é criativa nas canções, o que é lembrado pelo famoso e enfadonho cântico que repetia os versos “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Este cântico os brasucas entonaram exaustivamente entre as Copas de 1998 e 2014, a ponto de ser preciso impulsionar a criação de uma nova letra, que fosse mais elaborada. Foi quando, em 2018, surgiu o grito que tem como refrão o “Brasil olê, olê, olê”, que já no Catar se tornou tão maçante e repetitivo quanto aquele que o antecedeu, lembrando o quanto nossa torcida é pouco espirituosa.

Na verdade, o que se vê a cada 4 anos nas Copas do Mundo são torcidas do Brasil predominantemente compostas por pessoas brancas, de classe média/alta, em sua maioria do Centro/Sul do país e que muito se assemelham aos movimentos políticos que nos últimos anos vão às ruas pedir golpes e medidas anti-povo que atacam a classe trabalhadora e alisam patrões. Ambos os grupos, de modo geral, têm as mesmas origens. Especialmente entre 2016 e 2019, os rumos políticos do Brasil foram protagonizados por essas classes média e alta travestidas de “o povo” enquanto ocupavam a Avenida Paulista em domingueiras reacionárias e golpistas, se apropriando das cores e camisa da seleção brasileira.

Grupo pede intervenção após a eleição de 2022. Foto: Tercio Teixeira / AFP

Agora, enquanto acontece a Copa do Mundo de 2022 no Catar, ainda vemos pelas ruas do Brasil o mesmo perfil de pessoas, exigindo praticamente as mesmas coisas, a diferença é que agora esses grupos não estão mais em vantagem, como estavam entre 2016 e 2019, pois acabaram de perder uma eleição e agora não aceitam a decisão das urnas e pedem intervenção para que o resultado não seja acatado. Pedem um golpe, outro golpe.

Ainda que possamos ver muitas semelhanças sociais e visuais entre essas correntes golpistas e a torcida do Brasil nas Copas, devemos reconhecer que a última está ali apenas para torcer. Contudo, nenhuma delas representa o povo brasileiro, mas sim classes sociais específicas, classes privilegiadas.

Quanto à diferença entre os grupos golpistas que iam às ruas em 2016 e os que vão agora em 2022? Não se enganem, não há nenhuma diferença.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube