Foto: Mídia NINJA

Nas últimas semanas, falamos sobre como a desinformação sobre o tema do aborto perpetua um tabu que impede que avancemos no nível da discussão. Apresentamos alguns dados que demonstram como a criminalização não impede que a prática aconteça: 1 em cada 5 mulheres entre 18 e 39 anos já realizou pelo menos um aborto. Todas nós conhecemos 5 mulheres de 40 anos ou mais – precisamos imaginar que ao menos uma delas já teve de passar pela experiência do aborto clandestino. Falamos sobre mulheres; as histórias de medo, adoecimento e criminalização são suas. Mas um episódio de gravidez não pretendida envolve sempre também um homem. Onde estão eles quando o tema é aborto??

A Anis – Instituto de Bioética desenvolveu um projeto chamado “Eu Vou Contar”, em que, ao longo de um ano, apresentou 52 histórias de mulheres que interromperam a gestação. Fomos procurar onde estavam os homens nessas histórias e selecionamos seis relatos que nos marcaram:

“Eles me deixaram no escuro”

“Eu engravidei. Entrei em pânico, meu namorado também. Um amigo me indicou um médico. Era muito dinheiro para uma adolescente desempregada. O meu namorado deu um jeito de arrumar e fomos na consulta com o dinheiro na mão, caso tivesse que pagar adiantado. Quando chegamos, ele me deixou na porta do prédio e falou que era melhor eu ir sozinha. Eu era muito boba e estava com tanto medo, que peguei o elevador sem ele.”

 

“A vida é muito estranha”

“O estranho dessa história toda é o que acontece com meu irmão ao mesmo tempo. Ele engravidou uma garota que ele nem sabia quem era, a garota teve o filho e deixou para a gente criar. Meu irmão sumiu de casa e abandonou meu sobrinho recém-nascido. Eu tive que ser a mãe dele.”

 

“É uma história das mulheres”

“A minha tia que nos ajudou era irmã do meu pai, e esses dias eu perguntei a ela se meu pai soube. Nunca soube. Quando eu digo que ela nos ajudou é porque anos depois, eu fui nesta mesma clínica com minha mãe. Médica, ela também ficou grávida sem querer e foi lá fazer um aborto. Eu fui sua acompanhante. Foi tudo só das mulheres da família mesmo.”

“Nada me deixou marcas”

“Um dia eu tava chegando do trabalho e ele me esperava com uma arma. Ele tentou me matar, ele chegou a atirar, ele me acertou no pulmão, eu fui internada, eu passei por cirurgia e eu só pensava no meu filho, sozinho, fora dali. No hospital, os médicos, os enfermeiros que me atendiam na emergência, logo quando eu cheguei com o tiro, ele não tinha se alojado em mim, mas tinha me atravessado, ele me perguntavam: “Você tava com outro né? Ele fez isso porque encontrou você com outro”. Não, eu preciso dizer a eles e a vocês o que eu não respondi naquela época, não, eu não estava com outro, eu só queria era escapar daquele homem. E pra piorar toda a minha situação, eu descobri que eu estava grávida, eu sempre sonhei em ter outro filho, eu preciso ser honesta, eu sonhava em ter uma filha, mas não naquela hora, não com aquele homem, não depois de ter sofrido violência, levado um tiro.”

 

“Agradeço a esse médico”

“Ele me contou que era muito católico e que sempre foi alguém contra o aborto. Até um dia que uma paciente dele engravidou sem querer e foi lhe pedir ajuda. Ele negou. No dia seguinte, ela se jogou de um prédio público. Ele se sentiu muito mal, até mesmo um pouco culpado. Ele sabia que tinha como ajudá-la, nem que fosse com os medicamentos como fez comigo. Ele tinha a informação que poderia ter salvado esta mulher.”

 

“A história não é minha”

“A história não é minha e preciso me apresentar antes que você ouça minha voz: eu sou um homem. O que preciso contar aconteceu com minha esposa há vinte anos, ela é a mulher que amo. Eu não sou apenas testemunho da dor, eu faço parte desse passado, pois esta história nunca a abandonou. É um sofrimento inútil, perverso, provocado e imposto pela moral hipócrita. “

 

“Não foi um trauma para mim”

“Meu namorado da época vendeu o celular para comprar os 4 comprimidos. Eu tive orientação que eu deveria tomar 2 e inserir 2 na vagina. Deveria dar um tempo entre o primeiro e o segundo. Nós fizemos isso juntos. Eu fui para a casa dele, até porque minha mãe não poderia saber. Ele me apoiou muito. Me apoiaria se eu tivesse querido manter a gestação, mas me respeitou e cuidou de mim na decisão.”