Após nova mobilização popular, governador João Doria é pressionado a retroceder decisão que inviabilizaria o trabalho de recebimento e tratamento de animais silvestres pela Associação Mata Ciliar que funciona há 35 em Jundiaí e está ameaçada com a expansão do aeroporto da cidade

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Por Mauro Utida

Mais uma vez a pressão popular da sociedade civil conseguiu evitar (temporariamente) que a Associação Mata Ciliar tenha o seu reconhecido trabalho de proteção aos animais silvestres inviabilizado em uma área que ocupa há cerca de 30 anos em Jundiaí, dentro de um importante corredor ecológico, próximo a Serra do Japi. No local é realizado o trabalho científico do Centro Brasileiro para Conservação dos Felinos Neotropicais, além do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS).

A pressão que a entidade sofre para sair desta área nos últimos anos está sendo enorme, visto que ao lado está instalado o aeroporto da cidade que pretende realizar investimentos comerciais e aumentar os voos comerciais. O projeto é da concessionária Rede Voa-SP, que tem como presidente, o Coronel Marcel Gomes Moure. Executivos da concessionária chegaram a se reunir com o prefeito Luiz Fernando Machado (PSDB) para apresentar a proposta de investimento comercial no aeroporto, inclusive com discussões para alteração do Plano Diretor, naquela área.  

Para acessar e assinar a petição para a permanência da Associação Mata Ciliar na área em Jundiaí CLIQUE AQUI

Desta vez, o Governo João Doria, através de sua Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, indeferiu as autorizações de instalação (AI) e de uso e manejo (AM) da fauna silvestre, o que na prática significa o fechamento da Associação Mata Ciliar, pois inviabilizaria o trabalho de recebimento e atendimento de animais silvestres. A decisão também prejudicaria convênios formalizados com 83 municípios do Estado, além do recebimento de emendas parlamentares, agravando ainda mais a situação financeira da entidade.

Neste domingo (23), o Coletivo Japy organiza uma manifestação em Defesa da Mata Ciliar. A concentração está agendada para às 17h em frente a praça do JundiaíShopping, na avenida 9 de Julho.

De acordo com a Associação Mata Ciliar, apenas em 2021, foram recebidos mais de 7 mil animais silvestres pela equipe da entidade. Estes animais são vítimas da diminuição de seus habitats naturais, que resultam em atropelamentos, incidentes em redes de energia elétrica, além do tráfico de animais e maus-tratos. Atualmente, o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) conta com cerca de 2 mil animais em reabilitação, incluindo felinos, aves e primatas.

Após indeferir a autorização, o Governo do Estado foi alvo de críticas pelas redes sociais, com o apoio de personalidades reconhecidas como o padre Julio Lancellotti e da defensora de animais, Luisa Mell. Imediatamente o governador João Doria e o Governo do Estado emitiram um comunicado oficial informando que a decisão foi um “erro administrativo” e que seria emitida uma  decisão provisória para a continuidade dos trabalhos da ONG. 

O governador, porém, até o momento não cumpriu com a promessa feita há mais de um ano pelo vice-governador, Rodrigo Garcia, em regularizar a área em Jundiaí, que possui 297.500 m². A promessa de conceder o termo de permissão de uso ocorreu após o terreno da Associação Mata Ciliar ser incluído na lista de áreas a serem leiloadas pelo Governo do Estado. Após forte pressão popular, a área foi retirada da lista, “ao menos temporariamente”. Em nota, Doria declarou que a permanência da ONG no local será decidida em reunião nos próximos dias “para encontrar um local que possa atender plenamente às atividades da Mata Ciliar e do aeroporto”, escreveu. A área é usada desde 1995, através de convênio firmado com o Centro Paula Souza e com a Escola Técnica e Agrícola Benedito Storani, que pertencem ao Governo do Estado.

Uma petição pública criada pela sociedade civil de Jundiaí tem como estratégica exigir que o Executivo e Legislativo do município aprovem com urgência uma Emenda ao Plano Diretor de Jundiaí para alterar toda a área ocupada pela Associação Mata Ciliar de Zona Industrial para ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental) e dar uma solução definitiva para a pressão que aquela área vem sofrendo. A mesma estratégia já foi usada quando a sociedade se mobilizou para proteger o terreno da unidade de Jundiaí do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), quando foi ameaçado de ir à leilão pelo Estado.

Para assinar a petição para alterar a área para ZEPAM CLIQUE AQUI

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A Mata Ciliar, fica!

Esta pressão para a Associação Mata Ciliar deixar o terreno onde está instalada há 27 anos, dos 35 anos de luta pelos animais, mostra claramente que os interesses econômicos se sobrepõem à proteção da vida animal ou a qualquer outra questão ambiental em Jundiaí.

A Mata Ciliar também trava uma briga judicial com o aeroporto administrado pela Voa-SP, que já chegou a entrar com uma ação de despejo contra a ela, dando 48 horas para retirar mais de 130 animais de uma área de 30.000 m², local onde se encontram o recintos dos felinos e lobos-guarás. Essa ação ainda está aguardando julgamento no Tribunal de Justiça.

Apoiadores da Mata Ciliar veem a luta pela permanência como símbolo pela proteção da Serra do Japi e pela qualidade de vida dos moradores de Jundiaí. As tratativas com o Governo do Estado, Prefeitura de Jundiaí e Voa-SP, destacam que o trabalho da entidade irá continuar e que tentam uma negociação para remanejar os animais do local, com o argumento que a reabilitação de animais naquele local atrai urubus e causam riscos para as aeronaves. Porém, o valor maior que está em jogo neste conflito é a questão ambiental, a sobrevivência ecológica da Serra do Japi e a qualidade de vida dos moradores da cidade.

Ampliar o aeroporto e a frota de voos domésticos para uma área próxima a Serra do Japi, além de aumentar a área comercial do entorno é colocar em risco todo um ecossistema ameaçado pela especulação imobiliária que avança ambiciosamente para o zoneamento de proteção em uma das últimas áreas de Mata Atlântica do Estado de São Paulo. Jundiaí não quer a ampliação do aeroporto, a cidade quer ver sua floresta viva, assim como seus habitantes silvestres.

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