São vinte e cinco obras, quase metade dos filmes indicados, que não são estadunidenses. Porém, esse número pode ser bastante enganoso

Foto: Reprodução/The Hollywood Reporter

Por Alexandre Cristiano Baldacin Junior

O Oscar de 2024 tem 53 filmes diferentes indicados nas mais diversas categorias, indo das mais técnicas, como Melhor Som e Melhor Edição, passando por aquelas categorias pouco prestigiadas pelo grande público, como Melhor Curta-Metragem de Ficção e Melhor Curta-Metragem Documental, e chegando até às categorias mais prestigiadas, como Melhor Ator, Melhor Atriz e, obviamente, Melhor Filme. Pensando nesta como a mais importante premiação cinematográfica do ano (pelo menos no que diz respeito à atenção midiática e do grande público), é de se esperar que o Oscar represente minimamente um contexto mais global/internacional, certo? E em certa medida, o faz! São vinte e cinco obras, quase metade dos filmes indicados, que não são estadunidenses. Porém, esse número pode ser bastante enganoso.

Dos dez filmes que concorrem à principal categoria da noite, a de Melhor Filme, apenas três não são legítimos filmes hollywoodianos: “Pobres criaturas”, “Zona de interesse” e “Anatomia de uma queda”, sendo os dois primeiros co-produzidos pelos Estados Unidos; ou seja, apenas o terceiro filme é uma obra completamente estrangeira. “Pobres criaturas” é dirigida por um artista grego, entretanto, é uma produção entre Irlanda, Reino Unido e Estados Unidos. Já “Zona de interesse” é um trabalho em conjunto de Reino Unido, Estados Unidos e Polônia. Veja como pouco divergem do eixo Hollywood-Londres esse dito “estrangeiro” dentro da disputa mais importante da noite. Apenas a película francesa “Anatomia de uma queda” vem representar todo o restante do mundo, mesmo que ainda no eixo norte do globo.

E este é um retrospecto bastante comum na premiação. Se fizermos um recorte por décadas, é possível perceber como essa sempre foi uma constante no Oscar: nos anos de 1980, apenas cinco filmes que fugiam do eixo Hollywood-Londres foram indicados à Melhor Filmes, sendo eles “Tess” (1979, Reino Unido e França), “Gandhi” (1982, Estados Unidos, Reino Unido e Índia), “O Beijo da Mulher Aranha” (1985, Estados Unidos e Brasil) e “O Último Imperador” (1987, China, Itália, França, Reino Unido e Hong Kong).

A década seguinte traz poucas mudanças, subindo de cinco para oito filmes na categoria principal da noite, sendo eles: “Meu pé esquerdo” (1989, Irlanda e Reino Unido), “Traídos pelo desejo” (1992, Japão, Irlanda e Reino Unido), “O Piano” (1993, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido), “Em nome do pai” (1993, Irlanda e Reino Unido), “O carteiro e o poeta” (1994, França, Bélgica e Itália), “Babe, o porquinho atrapalhado” (1995, Austrália e Estados Unidos), “Shine – Brilhante” (1996, Austrália) e “A vida é bela” (1997, Itália).

A partir deste último filme, inclusive, o Oscar começa a fazer um movimento interessante, em que sempre que um filme não-anglófono era indicado ao Melhor Filme, a gente já sabia que ele levaria o “prêmio de consolação”, que é a categoria de Melhor Filme Estrangeiro. “A vida é bela” (1997, Itália), “O tigre e o dragão” (2000, China) e “Amor” (2012, França) são exemplos disso.

Porém, toda essa lógica vai ser quebrada em 2019, quando, pela primeira vez na história do Oscar, um filme não-anglófono vai levar o prêmio máximo da noite: Parasita, o filme da Coréia do Sul. Vale ressaltar que, também de forma inédita, ele levou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Mas esses ventos de boas novas foi interrompido por um Oscar majoritariamente estadunidense em 2021, com nenhum representante estrangeiro na lista de Melhor Filme. Em 2022, voltamos a ter um representante, o japonês “Drive my car”.

Já no ano passado, tivemos bons representantes estrangeiros, sendo apenas um não-anglófono: “Triângulo da tristeza” (Suécia, Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido), “Tár” (Alemanha e Estados Unidos), “Os Banshees de Inisherin” (Irlanda, Reino Unido e Estados Unidos) e, o único que não é falado em inglês, “Nada de novo no front” (Alemanha e Estados Unidos).

Outra categoria com bastante renome que conta com um filme estrangeiro é a de Melhor Animação, contando com a já bastante conhecida presença do Studio Ghibli com o longa “O menino e a garça”. Entretanto, por mais que esta seja a sétima indicação do estúdio nessa categoria, Hayao Miyazaki, co-fundador do Studio Ghibli, e seu grupo levaram para casa a estatueta de ouro apenas uma vez, com a obra “A viagem de Chihiro” (2001). Inclusive, até hoje é o único representante não-anglófono a vencer a categoria.

As outras vinte obras indicadas na nonagésima sexta edição da premiação são basicamente obras em categorias de pouco prestígio diante do grande público, sendo elas, inclusive, majoritárias em contextos como Melhor Curta-Metragem de Ficção, Melhor Curta-Metragem Animado e Melhor Documentário. Uma explicação para essa discrepância tão grande, em que quatro obras estão presentes nas principais categorias, e outras vinte e uma compõe o resto das categorias é por conta da forma com que a Academia de Cinema de Hollywood seleciona os filmes para cada indicação: seja em qualquer categoria, o filme precisa ser lançado entre 1º de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior; porém, para as principais categorias, o filme ainda precisa ter exibição comercial em Los Angeles no decorrer de uma semana, com pelo menos três exibições diárias. E esse processo todo custa dinheiro.

E isso explica o porque que grandes obras não-anglófonas ficam de fora da premiação mais midiática do cinema. E este cenário só reforça uma visão bastante ocidentalizada e nortista da sétima arte.

O intuito central desse texto não é fazer com que paremos de assistir ao Oscar ou que boicotemos a premiação. Mas sim que olhemos com mais criticidade para ela, que acompanhemos mais premiações como os festivais de Veneza, Cannes, Berlim, Toronto, São Paulo, entre outros. E, no final das contas, compreendamos que o Oscar é uma boa premiação, mas que retrata apenas o recorte hollywoodiano do cinema, e o mundo é muito, mas muito maior que os Estados Unidos.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024