Independente dos títulos, Copa do Mundo escancara ligação dos brasileiros com o esporte

Torcedores comemoram vitória do Brasil sobre a Coreia do Sul pela Copa do Mundo 2022. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por Stefane Amaro

“Pra mim hoje, por incrível que pareça, por mais que eu passe muita raiva, o futebol é uma terapia.” A fala é de Bruna Alves (24), torcedora do Atlético Goianiense e do São Paulo. Ela, que teve sua relação com o esporte iniciada ainda na infância, por influência de familiares, diz que ir ao estádio é uma válvula de escape. “Depois que eu entrei pra faculdade de jornalismo, o que já era um hábito né? Acompanhar futebol, antes de eu entrar pra faculdade, parece que hoje em dia eu vivo de futebol”, conta.

Bruna define o que, para José Neto (22), flamenguista, é difícil de colocar em palavras. “Eu acho que é algo muito parecido com a religião, que é a questão do pertencimento e da identificação”, explica. Ele conta que sua relação com o futebol começou também quando criança: “Eu acho que muito em função do meu pai mesmo, o clássico ‘menino tem que jogar bola’. Na escola, bota pra jogar bola e então desde pequeno eu tive esse fascínio por futebol”.

Já na vida de Heitor Arraes (22), que se define como um “são-paulino sofredor”, o esporte pauta sua rotina e emoções. “Futebol pra mim representa se eu vou chegar na segunda-feira feliz ou não.”, explica. Com uma família dividida entre vascaínos e são-paulinos, Heitor conta que, conforme foi crescendo, a influência do pai, são-paulino, pesou mais. “A primeira memória que eu tenho assim de futebol é a final da Libertadores de 2005 com ele, então ali já estava bem definido o que eu ia ser.”, lembra ele.

Heitor, ainda criança, com a camisa do São Paulo. Foto: Heitor Arraes/Acervo pessoal

O atleticano Gabriel Alves (21) conta que também sempre assistiu muito futebol, desde pequeno. “Futebol pra mim é tudo, é inclusive o que eu quero trabalhar um dia. O futebol teve comigo em muitos momentos difíceis, o futebol sempre foi meu desapego. Passar horas na frente da televisão assistindo seja a uma final de Champions League ou um Brasileirão Série C.”, relata. Para ele, “não existe esporte no mundo capaz de fazer o que o futebol faz, transmitir a emoção que o futebol transmite, o fanatismo que o futebol possui”.

Maria Teresa (19), corintiana, diz não saber dizer quando sua relação com o futebol começou. “Desde pequena eu já estava com a roupinha do Corinthians, eu via os jogos do Corinthians. Influência total dos meus pais que são corintianos, então os jogos sempre passavam em casa e eu aprendi a amar e ser corintiana”, conta. Ela diz que, além de entretenimento, o futebol “é também essa sensação de união, a sensação de estar em casa, sensação de conforto”.

Memória

Dentre os inúmeros momentos marcantes torcendo para os dois times, Bruna destaca a primeira disputa entre Atlético Goianense e São Paulo que assistiu, em 2011. “Eu era muito muito fã do Dagoberto [atleta do São Paulo à época] e eu lembro perfeitamente assim quando o time do São Paulo entrou em campo, eu desabei em choro. Acho que foi a primeira vez que eu chorei por causa de futebol, quando eu vi um jogador que eu gostava muito”, conta.

Já José Neto relembra a conquista rubro-negra da Libertadores de 2019, com gols aos 43 e 46 do segundo tempo. “Quando ele [Gabigol] fez o primeiro, eu fiquei maluco assim, eu ‘meu Deus não é possível o Flamengo tem chance, sabe?’. Eu estava muito feliz que a gente ia conseguir jogar a prorrogação. Quando ele [Gabigol] fez [o segundo gol], a gente foi campeão ali, foi disparado o momento mais emocionante da minha vida com relação ao futebol. Aquilo ali me tocou de uma forma magnífica”, relata ele.

José Neto na torcida pelo Flamengo. Foto: José Neto/Acervo pessoal

Maria Teresa conta que sua memória mais emocionante foi assistir ao time feminino do Corinthians. “Primeiro que a nossa torcida Gaviões da Fiel é sensacional. Qualquer lugar que o Corinthians está, ela está lá torcendo. Mas poder ver o esporte feminino, o futebol feminino de perto foi lindo demais pra mim, porque eu sempre quis ver elas. Foi nesse jogo que uma menininha começou a cantar junto com a Gaviões. Ela pegava e começava a cantar o grito e nossa foi a coisa mais linda do mundo”, lembra.

Gabriel destaca o título de campeão brasileiro de 2021, depois de 50 anos. “Eu achei que depois da Libertadores de 2013, nada mais no futebol ia mexer tanto comigo. Mas, da forma que foi, 50 anos depois e especificamente aquele jogo contra o Bahia, o jogo do título, o Atlético sair perdendo de 2 a 0 pro Bahia e conseguir virar o jogo em minutos, nossa eu nunca chorei tanto por causa de futebol a minha vida inteira.”, conta. Na ocasião, o Galo foi campeão com duas rodadas de antecedência.

Mas, nem todo choro foi de emoção na história de Gabriel como torcedor. Parte da geração que nunca viu o Brasil ser campeão do mundo, ele lembra da Copa do Mundo de 2010, sediada na África do Sul, quando a Seleção Brasileira foi eliminada pela Holanda: “Eu chorei demais”, relata. A disputa aconteceu nas quartas de final da edição, com um placar de 2 a 1, no Estádio Nelson Mandela Bay. Gabriel conta que foi uma entrevista do então goleiro da Seleção, Júlio César, que o emocionou.

Já Heitor, que lembra das conquistas da Copa Sul-Americana em 2012 e do Campeonato Paulista de 2021 por parte da equipe tricolor, destaca também a vitória da Seleção Brasileira sobre o Peru, em 2019, que garantiu à equipe o título da Copa América. “Ali eu já cheguei pra acompanhar, torci pra caramba. Mas eu espero poder substituir pela da copa desse ano.”, diz. Na expectativa pela sexta estrela, Heitor divide as superstições: “Você tem que ver o jogo com a mesma camisa que você viu o primeiro”.

Seleção

União e orgulho são dois sentimentos que se destacam ao falar da Seleção Brasileira. Para Gabriel, “não existe um patamar mais alto no mundo, você reúne clubes e seleções, quanto o peso dessa camisa brasileira. É muito pesado. Cinco Copas do Mundo, imensos, inúmeros, uma lista de craques enorme”. O evento, após um período de eleições extremamente polarizadas, tem sido visto também como um momento de reaproximação entre diferentes.

“É um sentimento de união bizarro. Porque você pensa que aonde você olha na rua, tem gente com a camisa da Seleção. Você está num lugar lotado de gente todo mundo querendo a mesma coisa, torcendo pelo mesmo time. Independentemente da pessoa gostar de futebol ou não, independentemente da pessoa ser sua amiga ou não, independentemente de vocês discordarem de tudo, vocês ali naquele momento estão torcendo pela mesma coisa”, explica Heitor.

Família de Heitor torcendo pelo Brasil na Copa do Mundo de 2002. Foto: Acervo pessoal/Heitor Arraes

Popularidade

Jogado em vários países do mundo, o futebol é o esporte mais popular do Brasil. Bruna acredita que por se tratar do esporte mais acessível, “tanto que é o esporte que a gente mais vê assim, não só em locais assim onde tem pessoas de renda melhor, mas em periferias. A gente vê por exemplo as crianças jogando futebol”. A opinião é compartilhada por Maria Teresa, que lembra: “é algo muito cotidiano nas nossas vidas. O futebol não está só ali na TV com o Brasileirão, com a Copa, é também na rua, sabe?”.

Bruna torcendo pelo Atlético Goianiense. Foto: Acervo pessoal/Bruna Alves

Mas nem sempre foi assim. Introduzido no Brasil no final do século XIX, como explica o Mundo Educação, o futebol era inicialmente restrito à sociedade aristocrática do país. Sua popularização ocorreu à medida que as cidades cresciam, com a organização dos clubes de futebol. Questionado do porquê futebol e não outro esporte, José Neto diz que “eu acho que o futebol pela cultura, pelo amor que ele gera mesmo e eu acho que tem muito a ver também com a midiatização em cima”.