Maria Regina Mendes Nogueira, cooperada e produtora de cafés orgânicos na Serra do Custodinho e faz parte do MOBI (Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade).

Um coletivo de mulheres da região sul de Minas Gerais tem vendido café orgânico com a marca das suas lutas para geração de  autonomia e renda ao movimento. O Café Feminino começou com uma experiência em Poço Fundo (MG) e está inspirando outras organizações na região. Essa é mais uma experiência identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Cerca de 40 mulheres têm sua própria marca certificada e desenvolvida pelo grupo. Parte do recurso comercializado volta ao próprio coletivo para realizar atividades, cursos de formação, visitas de campo, dentre outras ações. Tudo começou na década de 1980, com algumas mulheres acompanhando seus maridos na construção de uma associação. No processo, elas perceberam a necessidade de gerar renda para si próprias e criaram, em 2006, o grupo Mulheres Organizadas Buscando Igualdade (Mobi), que foi filiado à Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam).

De acordo com Maria Regina Mendes Nogueira, coordenadora do Sistemas Participativos de Garantia (SPG) pela Coopfam, essa cadeia é muito importante, porque o dinheiro é voltado para o grupo também em forma de enriquecimento e saber na perspectiva de melhorar cada vez mais a produção. Segundo ela, o Mobi está à frente do projeto e desenvolveu de forma coletiva um método próprio com parâmetros parecidos aos dos SPG para identificar se uma produção é feminina.

“Elas criaram esse grupo para desenvolver a produção mais focada no café e construíram o selo de Café Feminino. Mais mulheres passaram a participar, mas como muitas não eram tão participantes, precisamos de uma garantia e realizamos diversas atividades de formação para dar voz à mulher na lavoura. Assim, criamos a certificação do Café Feminino. São agendadas visitas anuais, e, com isso, tem muita troca de experiência e conhecimento porque todas visitam as lavouras de todas”, explicou Regina.

A ideia surgiu quando um dos compradores de café nos Estados Unidos (EUA) trouxe a sua esposa e ela relatou que comprava produtos feitos só por mulheres em outro país. A partir daí, ela se comprometeu a comprar o café e passou a ajudar na legalização do empreendimento. O Instituto Federal do Sul de Minas Gerais/Campus Inconfidentes também prestou assessoria e apoio ao projeto e ajudou na organização do grupo e de toda a documentação. Na primeira venda aos EUA, realizada no ano de 2012, foram 300 sacas orgânicas, cada uma com 60kg, com a participação de 13 mulheres.

O café orgânico tem um preço mais valioso que o convencional, chegando a quase 50% de diferença a mais. Atualmente, o preço da saca orgânica gira em torno de R$ 1.958,00, e o café feminino agrega ainda mais valor, com uma diferença de R$ 20,00 na comercialização, que é repassada diretamente à agricultora. No ano de 2021, a produção foi baixa e só foram exportadas para a Alemanha cerca de 30 sacas e o restante foi torrado e vendido no Brasil. Também foi realizada uma competição no ano passado, que premiou as cinco melhores produtoras do Café Feminino.

Potencial para a região

A partir dessa experiência local, a Orgânicos Sul de Minas, uma central de associações, cooperativas e grupos de agricultores e agricultoras orgânicos, está tentando implementar esse trabalho de forma regional. A organização tem 16 núcleos em 50 municípios, com 217 agricultoras/es, cerca de 30% mulheres. De acordo com Letícia Osório, uma das representantes da entidade, a região Sul de Minas é grande produtora de café, com capacidade de produzir em torno de 10 milhões de sacas, cerca de 60% da produção do estado. Na Orgânicos Sul de Minas, muitas/os agricultoras/es  produzem café orgânico, que é um dos principais cultivos avaliados pelo Sistema Participativo de Garantia (SPG) Sul de Minas. Para reconhecer o trabalho das mulheres agricultoras, um dos objetivos é incluir parâmetros de identificação da produção feminina no SPG Sul de Minas

O Sul de Minas vem se destacando na produção de café especial orgânico, uma vez que a região tem características de clima e relevo que propiciam a produção de uma bebida de alta qualidade. Muitas/os agricultoras/es têm no café orgânico uma garantia de renda anual que acaba ajudando a viabilizar a diversidade de produção encontrada nas unidades produtivas da região. O café especial, aquele que recebe altas notas em concursos de bebidas e que depende de um conjunto de atributos para receber esse título, torna-se um diferencial que aumenta a renda da família e o valor do grão. Historicamente, a mulher tem importante participação nessa produção, seja durante o plantio, o manejo das plantas de café, na colheita ou nos demais cuidados.

Para Letícia Osório, a Orgânicos Sul de Minas passou por diversas etapas de reconhecimento e valorização do trabalho desenvolvido pelas mulheres agricultoras que participam do SPG Sul de Minas, de modo a identificar e diagnosticar esse trabalho por meio de documentos como o Plano de Manejo Orgânico. Também buscaram formas de viabilizar a participação das mulheres nos espaços de decisão e coordenação do SPG.

“Temos pensado em desenvolver um selo de identificação de produção feminina dentro do próprio processo do SPG, para ter essa informação nos diversos produtos que são cultivados pelas mulheres nessa região: café, mel, hortaliças, frutas, alimentos processados etc. Queremos adaptar nossos mecanismos de avaliação para gerar dados de quais unidades produtivas elas estão, quais são e qual o volume de alimentos produzidos por elas, possibilitando assim o desenvolvimento de ações voltadas para a valorização desse trabalho. A inclusão desse selo de identificação de produção feminina nos rótulos dos alimentos pode gerar um reconhecimento do trabalho dessas mulheres também por parte da população consumidora”, afirmou Letícia.

Não é possível estimar a escala da produção na região nem a renda gerada para as agricultoras, pois é muito difícil para as organizações locais levantar e apurar esses dados. No Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, também não é possível encontrar amostras quantitativas. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em sua primeira previsão para a cultura do café no início do ano, a safra de café do Brasil em 2022 deve alcançar 55,7 milhões de sacas de 60 kg. Número próximo à estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que prevê cerca de 3,4 milhões de toneladas, ou 56,1 milhões de sacas de 60kg. Nos dois estudos não há nenhuma diferenciação do plantio convencional para o orgânico.