Por Débora Anunciação

A receita de uma “boa” seita inclui algumas pitadas de mentes fragilizadas e o toque de um líder cativante. Esses ingredientes já deram origem a cultos famosos no passado, como o Templo do Povo*, Rajneeshpuram* e a Família Manson*, todos já exaustivamente descascados, mastigados e regurgitados em diversas produções audiovisuais. Agora, a receita foi reinventada e deu origem a Clube Zero, trama indigesta que estreia esta semana nas salas de cinema.

O longa, dirigido pela cineasta austríaca Jessica Hausner, é ambientado em uma turma de “nutrição consciente”. O conceito, proposto pela nova professora Miss Novak (Mia Wasikowska) e vendido como inovador pela direção do colégio, transforma gradativamente a relação dos alunos com a comida, o corpo e o mundo ao redor.

Novak se baseia no conceito de autofagia (processo de degradação e reciclagem de componentes da célula, que pode ocorrer em situações de fome) para defender a ideia de que a comida é prejudicial e não necessária para a sobrevivência humana.

Quem sofre de distúrbios alimentares pode ter gatilhos ao assistir o filme, que também conta com atuações de Sidse Babett Knudsen, Amir El-Masry, Camilla Rutherford, Amanda Lawrence, Sam Hoare, Elsa Zylberstein, Keeley Forsyth, Mathieu Demy, Emily Stride, Szandra Asztalos, Florence Baker, Samuel D. Anderson.

Distribuído pela Pandora Filmes, o longa será lançado em 25 de abril em São Paulo, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Ribeirão Preto, São Luís e Salvador. A estreia está prevista para o dia 2 de maio em Porto Alegre e no Rio de Janeiro.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Dissabores

A narrativa retrata como pessoas em ambientes fragilizados podem ser mais suscetíveis a serem vulnerabilizadas, mas também demonstra como até quem tem fortes laços familiares pode se tornar uma vítima.

A fome que os jovens sentem, em primeiro momento psíquica, e, posteriormente, física, é alimentada por promessas vazias de evolução espiritual e proteção ambiental. “Estou aqui para te salvar”, diz a professora novata para uma aluna com compulsão alimentar enquanto a oferece um chá que auxilia no jejum.

Os dissabores não param por aí. A sincronia de um canto harmonizado e entoado diversas vezes ao longo do filme contribui para o desconforto do espectador, à medida que os estudantes sobem de “nível” na turma e, aos poucos, param de comer.

O destaque é para a fotografia, aliada ao figurino e desenho de produção. A estética, milimetricamente calculada e banhada por tons monocromáticos, reflete o controle exercido por Novak nos alunos.

Clube Zero também abre espaço para o debate sobre a transferência da responsabilidade de pais para a escola. Foi por sugestão dos próprios pais que a contratação de Novak foi feita e, tarde demais, reconsiderada.

É difícil manter os olhos na tela em uma cena na qual esses mesmos pais são confrontados pela filha que discursa sobre seu novo propósito de vida enquanto come, vomita, come – nessa ordem.

intragável, o final aberto do enredo deixa um gosto amargo na boca. Mas a trama toda, por si só, já é bem difícil de engolir.

*Templo do Povo foi um grupo religioso fundado pelo americano Jim Jones, responsável pelo suicídio/assassinato em massa da sua comunidade “Jonestown”, em 1978, na Guiana. O segundo episódio de “Como se Tornar um Líder de Seita” (2023), da Netflix, explora o caso.

*Rajneeshpuram foi uma comunidade religiosa fundada pelo guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (Osho), acusado de atentados bioterroristas. A história é abordada em “Wild Wild Country” (2018), da Netflix.

*Família Manson foi o grupo formado pelos seguidores de Charles Manson na Califórnia dos anos 1960, responsável por uma série de assassinatos em Los Angeles, entre eles o da atriz Sharon Tate. Diversas produções já abordaram o caso, entre elas, o seriado “MindHunter” (2018), da Netflix, e o filme de Tarantino, “Era uma Vez em… Hollywood” (2019).

Leia mais:

https://midia.ninja/news/plano-75-um-retrato-das-angustias-de-uma-populacao-silenciada