A política de confronto de Witzel já vitimou mais que a Intervenção Militar segundo o ISP. Contudo, os índices de criminalidade de acordo com MPRJ não diminuem com essa letalidade. Qual é a eficiência da ideologia de confronto?

Fernando Frazão / Agencia Brasil

Por Dauto Nogueira / Cobertura Colaborativa Mídia NINJA

O Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgou nessa última quarta-feira (27) os dados que confirmam que 2019 foi o ano mais sangrento em crimes cometidos pelas mãos do Estado do Rio de Janeiro. A política de segurança pública do governador Witzel (PSC) vem sendo denunciada, inclusive, em cortes internacionais de direitos humanos na ONU (Organização das Nações Unidas) após a morte de Ágatha Félix, 8 anos, baleada pela Polícia Militar em uma operação no Complexo do Alemão.

Ainda sem contabilizar os números de novembro e dezembro, a contagem de mortos por policiais no estado do RJ já supera a de 1.534, número referente aos doze meses do ano passado. Até então, 2018 era o ano em que mais a polícia havia matado desde 1998, quando se iniciou a série histórica. Ao total, já são 1.546 mortos pelo braço armado do Estado do Rio de Janeiro em 2019.

“Se fosse enfileirar as 1.546 vítimas da polícia haveria mais de 2 quilômetros de cadáveres” assim recentemente escreveu Eliane Brum em sua coluna no EL PAÍS. O que destaco agora é que essa matança é recorrente e vem numa crescente, o que é alarmante para sociedade carioca. Ano passado, com a Intervenção Militar de Temer, os números de mortos subiram tanto que superaram todos os anos anteriores. Estima-se quase mil mortos pela intervenção militar de 2018, número grande o suficiente para não achar que seria superado tão facilmente.

Com Witzel, os números de deveriam ser menores, dadas às proporções do Exército e da Polícia Militar, mas não os foram. O número de mortes é maior e com os discursos de Witzel, de “mirar na cabecinha”, com as tragédias já veladas, com as seis crianças assassinadas, eis surge a pergunta, aonde iremos parar?

É assim que querem construir uma sociedade pacífica, amontoando corpos?

“O uso da força não se sustenta”, diz ex-Secretário de Segurança do Governo Dilma e Temer.

Nossa equipe entrevistou Paulo Roberto Oliveira, ex-secretário de segurança nacional e coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal. Ele falou sobre o uso excessivo da força como meio da contenção da criminalidade na coletiva proporcionada pela curadoria do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha). Na ocasião, o mesmo foi bastante enfático: “Vivemos agora um momento em que o discurso agrada. O uso da força está muito em voga. Mas quando você olha o campo técnico, doutrinário, pelos estudos, não se sustenta”.

“O que sustenta realmente a diminuição da criminalidade são outros tripés. Atuação da inteligência, ou seja, a prevenção da possibilidade de delito. Atuação no campo financeiro, econômico das organizações criminosas, ou seja, lembrem-se o crime é um negócio”, reforça A partir do momento que você consegue atuar você diminui sua atuação. E a capacitação dos policiais. Esse é o discurso mais importante.”

Foto: Mídia NINJA

Com a mesma perspectiva discursiva apresentada pelo ex-secretário de segurança Paulo Roberto, o deputado federal David Miranda (PSOL) também comentou em sua apresentação ao lado de seu marido, Glenn Greenwald do Intercept Brasil, durante inauguração da Nave Coletiva, nova sede da Mídia Ninja em São Paulo. Sobre a política de segurança de Witzel que definiu como “uma política de atacar, de genocídio das favelas. Acabamos de receber o laudo da Ágatha que foi morta por ação policial”, disse David. O deputado carioca também expôs como ele mesmo tenta combater essa política de confronto, “essa política da bala” como o mesmo se refere.

“O que fiz foi conversar com toda a bancada lá do Rio de Janeiro, e em vez deles investirem na Polícia Militar, eu consegui pela primeira vez 16 milhões para a Polícia Civil e eu escolhi os projetos que vão para o instituto forense, pra equipamento para pegar fraudes, que pode ajudar a pegar os milicianos, fora exames de balística que ajudarão na resolução de crimes (…) Temos que investir mais em inteligência para combater a Necropolitica que o Witzel faz”, continuou o deputado.

Colaborando com as falas acima, temos o Centro de Pesquisas do Ministério Público do Rio de Janeiro (CENPE/MPRJ) que afirma em seus estudos que o número de mortes em ação policial não tem relação direta com a redução da criminalidade do Estado. A pesquisa comparou em áreas onde houve maior redução do número de assassinatos, se houve maior número de mortes vias mãos do Estado. Concluiu-se que não há correlação dos fatos, assim como também não há correlação com os crimes patrimoniais – roubo, latrocínio. Ou seja, o número de mortes causadas pelo Estado não garante a queda da criminalidade. “Dizer apenas no discurso que usar mais a força vai resolver a questão de segurança pública, isso não se sustenta no campo das pesquisas”, aponta o Coronel da Reserva Paulo Roberto.

David Miranda informou também neste dia que Witzel, diferentemente da bancada de deputados federais do RJ, acabava de cortar 81% da verba destinada à inteligência, enfraquecendo ainda mais as instituições como a Polícia Forense e a Civil. Crimes contra humanidade não solucionados são um perigo iminente à memória e à democracia. Se não fosse a perícia da Polícia Civil, não teríamos a certeza de quem matou Ágatha Félix. Se não fosse o papel da Polícia Civil o caso Marielle seria ainda mais nebuloso. É preciso investir em inteligência, mas esse não é o hábito do poder brasileiro, muito menos do poder carioca.

“No Rio de Janeiro, para a intervenção militar no ano passado foi destinada um milhão. Para polícia civil 81 mil reais. Isso mesmo, só 81 mil reais, ou seja, faltava papel, faltava material”, relatou o deputado do PSOL para justificar a destinação de sua verba parlamentar para a Polícia Civil. Sua ação corrobora com o que o ex-secretário de segurança pública Paulo Roberto também enxerga sobre segurança pública, que é com inteligência que se combate a criminalidade.

“Esse ano, quase 500 milicianos foram presos sem nenhuma bala, sem sangue de jovens, sem sangue de crianças derramado lá no Rio de Janeiro pela ação da inteligência da Polícia Civil”, informa David, demonstrando que é viável uma política pública de segurança que não privilegia helicóptero sendo usado como plataforma de tiro sobre a periferia carioca, evitando assim vítimas como as seis crianças cariocas que infelizmente compõem o número de 1.546 vítimas. Estas crianças foram brutalmente assassinadas neste ano pela ideologia punitivista e combativa do governo de Witzel.

Não se pode ostentar esse número como se nele não houvesse excessos e nomes já conhecidos. Evaldo Rosa dos Santos, músico morto alvejado por mais de 80 tiros em seu carro; Ágatha Félix, Jenifer Cilene Gomes, Kauan Peixoto, Kauan Rosário, Kauê Ribeiro e Ketellen Umbelino, são exemplos que mesmo a nossa sociedade tem limites de tolerância com a violência. Esses nomes e tantos outros se incorporam nos dois quilômetros de cadáveres. A política genocida de Witzel não se sustenta.