Por Marina Borges / Copa FemiNINJA

Historicamente, o meio esportivo é um dos maiores reprodutores de machismo, seguindo o padrão patriarcal da sociedade moldada desde os primórdios. Quando pensamos em futebol, essa estrutura é ainda mais evidenciada e, no Brasil, a situação não é diferente. Você sabia que as mulheres já foram proibidas de jogar o esporte mais popular do mundo? Pasme: o futebol feminino foi considerado crime por mais de 40 anos no país.

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Este é um trecho do decreto-lei instaurado na Era Vargas, o artigo foi criado em 1941 e ficou vigente até 1983. Por ser considerado um “esporte masculino” e “incompatível com a anatomia feminina” , durante 42 anos a modalidade foi proibida no Brasil.

Baseando-se nesse contexto, fica quase impossível imaginar que, além da modalidade feminina ser permitida, seria possível a participação de uma menina em um time masculino de futebol. Pois é, essa é a história da pequena Natália Pereira.

O início
Filha de jornalistas, Natália Pereira começou cedo a mostrar afinidade com a bola. Inspirada por seu irmão mais velho, desde muito cedo já apresentava sinais de que havia nascido com o dom para jogar futebol. “O pai da Nati disse que com três anos ela já ‘chutava diferente’, eu falava ‘a menina não sabe nem andar direito, como é que chuta diferente?’ e ele sempre comentava que ela tinha precisão. Eu achava exagero, coisa de pai babão, mas foi indo e a Nati realmente foi conquistando os espaços dentro do esporte”, revela Karyna Pereira, mãe da jogadora.

Por insistência dos pais e determinação própria, Natália, com apenas nove anos de idade, atingiu um feito inédito em âmbito nacional: tornou-se a primeira menina aprovada em uma peneira de futebol masculino no Brasil. Após ser impedida de realizar seu primeiro teste por outro clube, foi o Avaí quem abriu as portas para a menina mostrar seu talento. Ao ser questionada sobre a chance dada pelo clube catarinense, Nati conta que a oportunidade surgiu devido à persistência de seus pais. “Eles ficaram bastante tempo pedindo, tentando, até que o presidente me deixou fazer uma avaliação e foi assim que fiz o teste. Quando entrei lá e vi como é jogar, fiquei muito nervosa, mas depois que marquei um gol e comecei a dar passes certos, eu fiquei mais feliz e, quando soube que passei na peneira, foi uma felicidade maior ainda”, exalta a pequena atleta.

Apesar desse êxito, Karyna conta que anteriormente enfrentaram um momento um tanto quanto desmotivador. “A maior dificuldade pra gente aconteceu quando a Nati foi fazer o seu primeiro ‘peneirão’, com sete anos, toda feliz, e acabou sendo barrada. Falaram que o time era masculino e por isso a impediram de fazer o teste. Depois disso, a gente começou realmente a brigar por um espaço para essas meninas”, declara a mãe.

Nati também comenta sobre ter sido barrada em sua primeira peneira: “não ser aceita no primeiro time que eu fui para jogar foi muito triste, porque, sabe, eu cheguei lá com muita expectativa de me deixarem tentar, mas não aconteceu. Eu fiquei bem chateada”, lamenta.

Do nó se fez o laço
Se engana quem pensa que a pequena Natália só coleciona bolas de futebol. A menina que guarda no banheiro de sua casa as mais de 40 bolas que já ganhou tem uma coleção ainda maior de laços, são mais de 100 modelos diferentes do acessório. Eles são tão importantes para a jogadora que fazem oficialmente parte de seu uniforme.
Desafrouxando o nó, Nati começou a compor efetivamente o elenco do Avaí este ano, disputando campeonatos pela categoria sub-10 do clube catarinense. “É muito legal jogar na base, têm jogadores até do nordeste lá. Os meninos do time me receberam muito bem e sempre me deixaram jogar igualmente: dar carrinho, entrada forte, jogo de corpo, tudo de igual pra igual”, comenta Natália a respeito de sua experiência na base avaiana. Além de treinar na equipe alviceleste, atua pelo time de futsal do Centro Olímpico, em São Paulo. Ela e a mãe viajam para a capital paulista uma vez por mês para três treinos no clube. Uma curiosidade revelada por Karyna é que, com apenas nove anos, sua filha, por ser muito espoleta – adjetivo usado pela própria mãe – já ficou entre talas e gessos nove vezes.

Incentivo e apoio familiar nunca faltaram para jogadora mirim, os pais juntamente com o irmão mais velho impulsionam e dão força para os sonhos da pequena. “A Nati quer muito ser jogadora, então, cabe a mim e a minha família incentivá-la a buscar esse espaço e procurar lutar não só por ela, como é um esporte coletivo, vamos brigar por outras meninas também”, exalta Karyna.

Como nem tudo são flores, existe um lado negativo nessa história. Ao ter sua conquista exposta nas redes sociais, Natália e sua família ficaram sujeitas a comentários desagradáveis e até desrespeitosos. Sobre a repercussão que se deu, principalmente nas plataformas digitais, a mãe de Nati comenta que não esperava esse ‘boom’ todo e que prefere exaltar o lado positivo. “Há muita maldade, mas também tem muita gente mandando energia boa, a gente opta por ler só o que é bom. A Nati tem acesso a isso, ela lê e está ciente de tudo que precisa enfrentar para ser uma atleta profissional de futebol feminino. Felizmente, o que chega pra nós é muito mais positivo que negativo”, revela. Os pais da garota fazem a triagem de sua rede social e a acompanham em todas as entrevistas que dá. “Estamos sempre do lado dela, dando apoio para que continue focada em seu caminho, que é jogar futebol”, finaliza a jornalista.

Nascida em 7 de junho de 2009, a pequena craque tem motivo para comemorar em dobro o aniversário este ano, afinal, no dia que completa dez anos, acontece o primeiro jogo da Copa do Mundo de Futebol Feminino. Sediada na França, a competição será transmitida ao vivo pela primeira vez em rede nacional – o que caracteriza um marco na história das coberturas esportivas do Brasil. A transmissão de todos os jogos da seleção canarinha impulsionará grande visibilidade para as mulheres praticantes da modalidade, representando um avanço importante.

Confira na íntegra o vídeo em que Nati nos conta um pouco de sua história e fala sobre a empolgação para ver as brasileiras em campo: