A conquista do Campeonato Italiano fez a cidade de Nápoles renascer e revela a resistência de uma região estigmatizada, mas que novamente ressurge para o topo

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O dia 4 de maio de 2023 foi histórico para a cidade de Nápoles: a Societá Sportiva Calcio Napoli conquistou o Campeonato Italiano após 33 anos. Mas essa conquista vale muito mais que um troféu: é pertencimento, manifestação de uma identidade própria, resistência do sul italiano e, claro, uma homenagem a Maradona.

A região de Nápoles é historicamente alvo de racismo, xenofobia e classicismo vindo da região norte do país. E o futebol, como parte da sociedade, também reproduz estes comportamentos, com faixas e gritos em estádios ofendendo os napolitanos. Recentemente, a torcida da Juventus os chamou de inimigos (por serem da região sul do país) e este mês, na Champions League, a torcida do Milan colocou uma faixa com um endereço de uma loja de Nápoles chamada “água e sabão”.

Outra faixa contra os napolitanos é a cruel referência ao vulcão Vesúvio, que destruiu a região no ano de 79. Em um jogo, a torcida do Bologna usou a faixa: “será um prazer quando o Vesúvio fizer novamente o seu dever”. Além disso, há casos constantes de racismo contra jogadores do Napoli, como também já ocorreu com a Lazio, Roma, Atalanta e outros clubes já citados. Há também diversos cânticos contra os napolitanos vindos dos outros clubes italianos.

Todos estes exemplos são recentes, mas a xenofobia sobre os habitantes do sul italiano são históricas, e acontecem com o Napoli desde sua fundação, em 1926. O norte italiano trata e estigmatiza a região sul como “subdesenvolvida” e “uma vergonha” para o país, associando-os à máfia e à pobreza.

Um momento determinante para o aumento das desavenças e preconceitos do norte em relação ao sul italiano foi a unificação do país, na segunda metade do século XIX. O então Reino das Duas Sicílias (onde fica Nápoles) foi invadido e depois anexado a outras regiões que formaram o território italiano como conhecemos hoje. A região da Sicília passou por grandes dificuldades, empobrecimento e houve um grande êxodo ao norte do país.

Os napolitanos têm sua própria identidade, cultura e, nos anos 1980, tiveram um grande orgulho e pertencimento próprios. O responsável por esse processo tem um nome em grande destaque: Diego Armando Maradona. O argentino chegou em Napoli em 1984, em baixa, após uma conturbada saída do Barcelona. Diego, no entanto, era um astro, que foi celebrado por uma multidão quando chegou ao clube – e seria ainda mais endeusado nos próximos anos.

Maradona mudou o patamar do Napoli no campeonato italiano, e foi neste clube que ele chegou ao seu auge. Em 1986, Maradona fez uma Copa do Mundo espetacular (para muitos a maior já feita por alguém), e conquistou o bicampeonato mundial para a Argentina. O Napoli tinha o melhor jogador do mundo, a autoestima elevada e agora faltava o título: em 1986/87 o clube conquistou o Campeonato Italiano pela primeira vez. Nesta mesma temporada, o clube venceu a Copa da Itália.

Maradona, junto com Careca e outros bons jogadores dessa geração, levaram o Napoli, historicamente inferiorizado pelos clubes do norte, ao topo da Itália. Em 1989 veio mais um grande título: a Copa da UEFA (atual Europa League, porém mais forte). E, em 1990, o Napoli voltou a conquistar o Campeonato Italiano e a SuperCopa da Itália.

Maradona não é tratado como um Deus, por napolitanos e argentinos, à toa. Suas conquistas vão além dos títulos: elas trazem orgulho cultural, identidade própria, respostas políticas e identificação com o torcedor. O Napoli chegou ao topo da Itália com Diego, já a Argentina venceu a Inglaterra nas quartas da Copa de 1986 logo após a perda da Ilha das Maldivas para os ingleses, e conquistou a Copa durante a reconstrução do orgulho do país pós-ditadura.

Estes acontecimentos levaram Maradona a fazer um pedido raro aos napolitanos. Em 1990, a Copa do Mundo foi sediada na Itália e a semifinal entre os anfitriões e a Argentina seria justamente em Nápoles. Maradona disse: “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio país e, hoje, têm de fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou napolitano os 365 dias do ano.”

O pedido de Maradona revoltou muitos italianos do norte, e dividiu os napolitanos. Endeusavam Maradona, mas também fizeram uma faixa pedindo desculpas ao argentino e dizendo que “a Itália é nossa pátria”. Maradona ficou no clube até 1991 e mudou para sempre a identidade, orgulho e história do Napoli.

Entrando agora em um discurso místico: em 2020 Maradona faleceu, e em 2022 a Argentina voltou a ganhar a Copa que não ganhava desde 1986 com Diego. Agora, em 2023, Napoli volta a conquistar o campeonato italiano, que não vencia desde 1990, onde também tinha Diego. A conquista do Napoli em 2023 faz a cidade renascer e é uma resistência de uma região que sempre foi estigmatizada, mas novamente ressurge para o topo.