“Fico impactada quando ouço de uma paciente que o companheiro disse que ela está feia e que ninguém mais irá querer ela como mulher”, relata médica mastologista

Para além dos impactos causados pela doença, mulheres com câncer ainda enfrentam um outro problema: o abandono. Foto: Ariadna Creus i Àngel García

Por Stefane Amaro 

O câncer é um problema de saúde pública que afeta milhares de brasileiros. Até 2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), estima-se que sejam registrados 704 mil casos de câncer por ano no país. Entre os mais incidentes está o câncer de mama, o que mais atinge as mulheres.

Pacientes com a doença relatam inúmeros desafios, entre eles o fim de relacionamentos – namoros e até mesmo casamentos –, no momento em que mais precisam de apoio e suporte. Sobre o tema, Annamaria Massahud, médica mastologista e secretária adjunta da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), diz que “não existe um referencial em números sobre o abandono. Mas, segundo os dados mundiais, as mulheres com câncer de mama têm 20% mais chance de se separar do que aquelas que não têm o diagnóstico dessa doença”. 

A médica ainda cita que um estudo realizado pelas universidades de Stanford, Utah e pelo Centro de Pesquisa Seatle Cancer Care Alliance, todos dos Estados Unidos, indicou que a mulher tem seis vezes mais chances de ser abandonada pelo marido após a descoberta de uma doença grave.

Para Ana Amélia Viana, médica oncologista e parte do Comitê de Diversidade da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), esses dados mostram que “nós mulheres é que somos culturalmente associadas com a questão do cuidado. A gente cresceu e a gente foi criada para cuidar, mesmo que nós nos deixemos de lado durante o processo. Então, a gente cuida mesmo quando está doente e a gente cuida mesmo nos colocando em segundo plano”. 

Ambas as médicas contam que o problema do abandono é uma realidade frequente no cotidiano.

“Eu já presenciei casos em que, após o sinal de que havia uma possibilidade de câncer, no retorno, a paciente já falava que o marido tinha saído de casa. Em outros casos, o marido acompanhava a paciente durante todo o tratamento, toda a consulta. E no final, quando terminou a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, o casamento acabou”, conta Annamaria. 

Elas explicam que, apesar de possuírem grande incidência e serem altamente tratáveis – quando feito o diagnóstico e tratamento em fase inicial –, doenças como câncer de mama e no colo do útero são estigmatizantes. “A mama tem um lugar muito marcante culturalmente, associada à feminilidade. É como se fosse uma das coisas que identifica uma mulher como mulher. Então, na cabeça das pessoas e dos homens, existe esse tabu de ‘ah, perdeu uma mama é menos mulher’, mas a gente tem que conversar mais sobre isso. A sociedade tem que conversar sobre isso, entender que não, que isso é um tabu mesmo”, diz Ana Amélia. 

Para Jacqueline Amaral, psico-oncologista, presidente da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia Goiás (SBPO-GO), casos assim têm raízes mais profundas. “Vale esclarecer que não é o tratamento oncológico que coloca em xeque a relação conjugal. O que coloca em xeque a relação conjugal é a história desse relacionamento. No caso de uma separação durante o tratamento, são separações que já ocorreram em outros âmbitos do relacionamento”. 

Ana Amélia concorda: “Às vezes, algumas pacientes tendem a achar que é culpa delas. Mas, eu tento sempre dissuadi-las desse pensamento, porque de forma nenhuma a culpa é delas. E aí, imagina no momento onde a paciente está mais fragilizada, ainda ter que lidar com essa sombra de que o relacionamento terminou porque ela teve câncer. Não, não terminou porque ela teve câncer, terminou por muitos motivos, inclusive por conta do parceiro também. Porque eles não conseguiram achar um caminho para continuar juntos, mas nunca por causa dela.”

Annamaria diz acreditar que conhecer histórias de abandono reflete ainda na vida de outras mulheres. Ela conta que “não é raro o marido acompanhar a esposa até a sala de espera e não entrar no consultório. Porque a paciente não quer que ele saiba qual o seu diagnóstico, porque elas nem sempre querem contar que estão com a doença ou que farão algum tratamento. Nesse caso o medo do abandono, da repercussão negativa do diagnóstico na família, é muito evidente.”

Autoestima

As mudanças físicas que a doença pode trazer são muitas. Cintia Barbosa, de 43 anos, foi diagnosticada no ano passado e está em tratamento contra o câncer de mama. Ela conta que durante o processo, tudo muda.

Cintia antes do tratamento e atualmente. Foto: Reprodução/Acervo pessoal

“O meu ciclo social mudou totalmente. Eu hoje falo que mais de 70, 80% das pessoas que eu considerava amigas, não tenho mais amizade. Foram pessoas que no momento em que precisei de apoio e suporte, simplesmente sumiram. E aí, por esse motivo, para eu não me decepcionar mais e abalar meu emocional, eu preferi ir me afastando também. Hoje eu praticamente não tenho vida social. Não me sinto segura emocionalmente”, relata ela. 

Jacqueline ressalta que, durante um tratamento oncológico, a mulher passa por vários desafios com relação a sua auto imagem que pode afetar a sua feminilidade. “Mas isso não é uma sentença”, lembra. 

Cintia, que faz acompanhamento com psicólogos, conta que tem tentado retomar sua vida social, mas enfrenta desafios. “É muito difícil você sair, ir pra algum lugar e as pessoas ficarem te olhando. As pessoas não tem nenhuma empatia ou ‘desconfiômetro’. Elas falam coisas sem sentido, que magoam a gente. E essa questão do abalo emocional influencia diretamente no tratamento”, relata. 

Hoje, Cintia compartilha experiências e informações no perfil  @prosademeninas, no Instagram. Para ela, é uma forma de contribuir para a desestigmatização da doença.  “É sempre bom falar sobre o assunto e quebrar preconceitos a respeito”, conta.