Por Laio Rocha

O ano de 1979 foi marcante para o país, que há 15 anos mergulhado em uma ditadura civil-militar e vivendo uma das maiores recessões econômicas da história, foi obrigado a rever uma lei que vigorava há quase 40 anos: a proibição do futebol feminino no Brasil. Essa vitória, entretanto, não impediu a continuidade do boicote, agora revestido pelo preconceito e sexismo.

Leila Rodrigues, 34 anos, nasceu apenas 6 anos depois, e muito nova se encantou com o esporte. Dividida entre o vôlei e o futebol, teve a figura do pai como catapulta para se lançar nesse caminho incerto e espinhoso. O primeiro sucesso foi com as mãos, passou em uma peneira em um clube de vôlei, mas o coração apontava para outra direção. Com apenas 11 anos, decidiu tornar-se jogadora de futebol.

Foto: Walter Junior

A realidade, no entanto, bate à porta com uma dura frequência e, aos 13, perdeu o seu principal companheiro: seu pai foi assassinado. A mãe foi obrigada a assumir toda a responsabilidade do lar e Leila a desistir de seu sonho para sobreviver neste novo cenário. Trabalhando e estudando, aos poucos o que era seu maior desejo virou luxo de uma folga ou outra e, com o passar do tempo, uma raridade em sua vida.

“Eu sentei uma vez na calçada e conversando com a minha esposa, eu falei: ‘meu, tenho uma ideia muito louca’. Comecei a falar dessas frustrações que eu tive e queria que as minas pudessem ter uma nova visão. Foi quando surgiu “Azideia das Minas”, conta Leila, que é dançarina e educadora social.

Criado há um ano, o evento Azideia das Minas é realizado pelo Projeto Nós, coletivo formado por 5 integrantes, moradores do bairro de Campo Limpo, extremo sul de São Paulo, e do município de Taboão da Serra/SP, com o objetivo de dar visibilidade para o futebol feminino e a comunidade LGBT na quebrada.

Foto: Walter Junior

Além do esporte, o grupo também fomenta a cultura no sarau Nós Por Nós, que acontece nos intervalos das partidas, com lançamentos de livros, músicas, rap, poesias e contações de histórias, que rolam livremente no microfone aberto, ocupado em sua maioria por jovens artistas da região.

“É um evento que, além de muito criativo, deveria ter em muitos outros lugares, porque além de ensinar a cultura e incentivar a leitura, está ajudando o futebol feminino, mostra que a mulher pode estar onde ela quiser, fazer o que quiser, a hora que ela quiser e do jeito que quiser, e que não existe uma coisa que a mulher não possa fazer”, afirma a jogadora Natália Rodrigues.

Por que futebol de rua?

A ideia de levar o futebol de volta para a rua veio na busca de resgatar suas origens e conectá-lo com a comunidade, além de ser uma espécie de revanche para as meninas, que, quando crianças, eram obrigadas a jogar somente com os meninos.

As regras são bem simples, cada time têm 3 jogadoras, 2 na linha e 1 para substituição, que acontece livremente. Cada partida tem 10 minutos, com 2 tempos de 5, sem pausa. Todas as equipes se enfrentam no sistema de pontos corridos. “Sem pausa até para respirar”, brinca a organizadora.

Foto: Walter Junior

“Isso mostra onde tudo começa, ninguém começa no estádio participando da Copa do Mundo. Isso nos incentiva a não desistir, porque da rua você pode ir para a quadra, da quadra para o campo e quem sabe um dia disputar uma copa”, explica Natália.

Há mais de 10 anos jogando bola, a ex-atleta Aline Silva, 26 anos, enxerga nessa oportunidade um retorno à sua raíz periférica e vê no projeto potencial para impactar as pessoas e dar uma nova visão para a modalidade.

“Tem que haver uma divisão, o futebol feminino é uma coisa e o masculino é uma outra, não comparar, por exemplo: “ela joga como o Cristiano Ronaldo”, não existe isso. Ela joga como uma mulher, tem que ser reconhecida pelo nome dela. Esse é o bacana desse futebol de rua, trazer as mulheres e mostrar que elas têm força e podem ser o que quiserem”, afirma Aline.

Das ruas para os estádios: o que muda?

A Seleção Brasileira de futebol feminino foi eliminada nas oitavas de final para a anfitriã França, neste domingo, 23, mas de forma alguma saiu derrotada. Foram muitas as vitórias dessa geração que já se sagrou por ser a mais importante no país e, com Marta, 6 vezes melhor do mundo e maior artilheira de todas as copas, Cristiane e Formiga, fizeram história neste torneio.

Foto: Walter Junior

Recorde de audiência e de público nos estádios, foi a primeira vez que a equipe feminina teve um uniforme próprio, pensado para o corpo da mulher ao invés de mera cópia do fardamento dos homens. A visibilidade alcançada não tem precedentes com transmissão e cobertura na tv aberta de todos os jogos da seleção.

A realidade brasileira, no entanto, é muito distante desses números. Sem investimento e apoio, o futebol feminino por aqui não tem estrutura e agoniza no amadorismo. Para se ter ideia, dos 20 clubes que jogam o campeonato brasileiro, apenas 2, Santos e América Mineiro, tem todas as jogadoras contratadas em regime CLT, com teto salarial de 5 mil e 3 mil reais respectivamente.

“É algo que precisa ser trabalhado para as pessoas entenderem que o futebol feminino tem uma grande importância, principalmente em um bairro de periferia. As pessoas veem muito alguém dando certo, e as meninas também se veem dando certo, e o futebol pode ser uma porta para elas”, avalia Leila Rodrigues.