Em conversa com a Mídia NINJA, Guilherme Boulos do MTST fala sobre a necessidade urgente de fortalecer a oposição e vislumbra um caldo de renovação política para 2020, incluindo um mandato coletivo só de mulheres sem-teto nas disputas de SP.

Foto: Mídia NINJA

Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, propõe novo levante de mobilizações na oposição para o próximo ciclo. “Estou muito focado em reconstruir uma oposição social no Brasil à altura do tamanho do ataque”, disse quando visitou a NAVE, em São Paulo, a convite da Mídia NINJA. Ele conversou conosco na mesma oportunidade em que debateu com dezenas de jovens de todo o Brasil, animados com a possibilidade de renovar ainda mais a política.

Para Boulos, as eleições de 2020 abrirão uma janela para emergir um novo caldo de rebeldia, de juventude e de renovação política que também se manifestou nas eleições de 2018, mas foram tragadas pelo debate tóxico do governo eleito. “Em 2020 isso estoura”, diz Boulos. Em nosso bate-papo, ele reflete sobre o momento pre-2020, reforça a necessidade fundamental da unidade de esquerda e adianta alguns planos do MTST, incluindo o mandato coletivo de mulheres sem-teto que começa a se articular em São Paulo.

O bate-papo foi gravado na Nave Coletiva, o novo espaço da Midia NINJA em São Paulo que terá sua inauguração em 24 de novembro. Sobre o espaço, Guilherme completou: “É uma coisa inacreditável que no momento em que a gente sofreu tantas derrotas – dizia isso agora há pouco no nosso debate – no momento em que tenta se criar uma imagem de uma esquerda na lona, na defensiva, destroçada, a gente consegue um espaço como esse. Digo “a gente” porque é parte do pertencimento. A Mídia Ninja está aqui. Tomou a iniciativa, conquistou, coordena, gere o espaço, mas também teve a generosidade de abrir esse espaço.”

Confira abaixo na íntegra a entrevista:

Mídia NINJA: Estamos aqui com Guilherme Boulos, corintiano, visitando nossa nave e eu já vou direto ao assunto: E aí Guilherme, vai ser prefeito ou não vai?

GUILHERME BOULOS: (risos)

Mídia NINJA: Está todo mundo querendo saber exatamente. Já vieram várias pessoas aqui perguntar isso e eu falei: tem que perguntar isso para o Guilherme!

GUILHERME BOULOS: (risos) Sempre na lata! Meu irmão, te dizia isso agora há pouco. Nesse momento eu estou muito focado, foi o que eu fiz esse ano, numa preocupação de reconstruir uma oposição social no Brasil. Nós não conseguimos emplacar uma oposição ao Bolsonaro como deveria ser, à altura do tamanho do ataque. A gente tem um governo de destruição, um governo de selvageria e uma oposição bem-comportada, uma oposição meio dócil. Uma oposição que, no máximo, fica fazendo ali as suas projeções eleitorais.

Eu, quando peguei esse ano para girar o Brasil, fui para 23 Estados, foi com o objetivo de, além de estar sintonizado com o que as pessoas estão pensando, ir para o Brasil profundo, ajudar a mobilizar, mas, sobretudo, tentar estimular esse caldo, acender essa fagulha, da gente construir uma oposição de rua. Esse ano nós não conseguimos fazer isso como deveria. Os estudantes e a luta pela educação foram o ponto fora da curva, que mobilizou milhões de pessoas. Foi muito importante. Também foi meio que um choque de autoestima, de que é possível retomar às ruas, de que o bolsonarismo não acabou com a vida inteligente, com a vida mobilizada no Brasil. Mas eu acho que nós precisamos fazer mais.

Ano que vem tem que ser o momento de retomar às ruas. Acho que a eleição de 2020 é parte desse processo. É um momento para derrotar o projeto do Bolsonaro. Ano que vem, nós temos como desafio enfrentar esse projeto nas ruas e nas urnas. Eu vou ser parte disso. Nesse momento, meu foco está no primeiro flanco. Tenho conversado também com vários movimentos sociais e pelo Brasil, também conversei com muitas lideranças de comunidade, de periferia, de juventude, lideranças partidárias e políticas, pela necessidade da gente dar uma fortalecida nesse movimento de rua e no enfrentamento ao governo.

Por um lado o Bolsonaro, em dez meses, desidrata completamente. Por outro lado tem aumentado significativamente o número de pessoas que se declaram progressistas, ou que estão dispostas a enfrentar o que o bolsonarismo representa. Você acha que para o ano que vem, nas eleições legislativas, existe uma janela aberta para que novas pessoas ocupem a política e assumam essa responsabilidade também de fazer a diferença?

Eu tenho certeza disso. Aliás, esse caldo de renovação política e geracional já se apresentou nas últimas eleições. É que em 2018 o clima foi tão tóxico, que ele acabou sendo apagado por essa onda “Bolsonaro-extrema-direita”. Mas, porra, nós tivemos mandatos coletivos eleitos pela primeira vez no Brasil, na eleição de 2018. Nós tivemos mais mulheres negras no Congresso Nacional. Nós tivemos, assim, um caldo que vem debaixo, de renovação política começando a se manifestar nas eleições proporcionais. Acho que em 2020 isso estoura e torço muito para que isso estoure. E nós vamos ajudar a fortalecer. MTST, por exemplo, aqui em São Paulo, já decidiu que vai lançar um mandato coletivo de mulheres sem-teto.

Olha, que incrível!

Mulheres sem-teto da periferia ocupando a Câmara Municipal de São Paulo. Elas estão se organizando de várias regiões. E a pegada é justamente dessas vozes terem mais expressão. O MTST faz parte lá do mandato das Juntas, o mandato coletivo em Pernambuco que hoje dirige a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa com a Jô, que é uma sem-teto ambulante, mulher, negra. Eu acho que esse caldo precisa se fortalecer ainda mais. Tem uma janela em 2020. Se de um lado tem uma extrema-direita forte no Brasil, de outro lado tem um caldo de rebeldia, tem um caldo de renovação, tem um caldo de juventude que está procurando as formas de se expressar. Isso vai acontecer. Inevitavelmente.

E ao mesmo tempo que a gente tem uma emergência dessa juventude querendo ocupar a política, espaços dentro da política, inclusive. Para que essa emergência aconteça, como você acha que uma unidade desse campo pode se estruturar? Existe possibilidade na atual conjuntura de uma unidade acontecer dentro desse campo em algumas capitais brasileiras e, a partir dessas capitais avançar para a possibilidade de em 2022 a gente não ser pego no contrapé de novo?

Nunca foi tão necessário. Nunca foi tão necessário que a esquerda seja capaz de colocar as suas diferenças e até, infelizmente por vezes os seus ressentimentos, em segundo plano em relação àquilo que nos une. A pergunta que tem que fazer é a seguinte: as diferenças que nós temos entre nós, são maiores ou são menores que as diferenças que nós temos com o Bolsonaro? Porque a eleição de 2020 vai ser plebiscitária. Vai ser uma eleição muito nacionalizada. Vai ser a população dizendo o que acha também desses dois anos do Bolsonaro. Não vai ser só o debate do município, do direito à cidade, embora esse debate também seja fundamental, e nós temos que saber travá-lo e colocá-lo também no centro da agenda.

Agora, eu sou defensor e tenho buscado trabalhar para que a gente consiga fazer frentes unitárias onde for possível. Onde for possível a esquerda ter candidaturas unitárias que expressem o nosso campo, nós temos que buscar fazer. Eu estou vendo, por exemplo, Florianópolis. Eu estive lá, recentemente. Eu acho que lá nós vamos conseguir fazer a frente mais larga de esquerda do Brasil. Está entrando todo mundo com o nome do professor Elson, que é do PSOL e teve 20% na eleição anterior e que tem crescido muito na cidade e tem se construído essa hipótese. Está se construindo. Teve um ato grande. Juntou vários partidos. Tem uma discussão de programa sendo feita. Bom, debates de frente todo mundo tem acompanhado. Tem acontecido também em Porto Alegre, tem acontecido no Rio de Janeiro.

Aqui em São Paulo tem tido mais dificuldade. Aqui em São Paulo, pelo fato de ser a eleição mais nacionalizada, de ser a maior cidade do Brasil, os partidos têm maior dificuldade de abrir mão dos seus nomes e perder a vitrine nacional. Esse é um problema que nós temos. Mas seria desejável a gente buscar uma frente aqui também em São Paulo. E acho que nas cidades médias, temos que fazer esse esforço. O resultado é o processo que vai dizer, mas esse esforço nós temos que estar comprometido com ele. Porque isso diz também para o grau de unidade que a gente vai ter na oposição nas ruas, para o grau de unidade que nós vamos ter no próximo período político.

Foto: Mídia NINJA

E me fala uma coisa, você acha que o bolsonarismo chega como em 2022? Você acha que o Bolsonaro tem fôlego para pensar em mais um mandato ou você acha que a preocupação hoje é maior com o Witzel, Dória e Luciano Huck?

Olha, se o Bolsonaro seguir o padrão que foi o seu primeiro ano de governo, com zero alternativa econômica para o povo, desemprego galopante, um governo disposto a radicalizar os seus apoiadores, os seus convertidos e não a disputar a maioria na sociedade… sem nenhuma preocupação de ter uma relação com as outras instituições do país e, portanto, se enfraquecendo a cada dia… A dúvida não é apenas se o Bolsonaro tem fôlego para buscar um segundo mandato. A dúvida é se o Bolsonaro chega ao final do seu mandato. Isso tem que ser começado a colocar.

Veja, não só… Eu acho, aliás, que tem um debate que precisa ser feito e que a sociedade brasileira, a esquerda inclusive tem silenciado, que é o Tribunal Superior Eleitoral. Gente, como é que pode você ter denúncias consistentes, alguma delas comprovadas, como foi a da Patrícia Campos Melo na matéria que fez ainda no segundo turno, de que houve disparo em massa de Whastapp, para passar fake news? Você tem um monte de bolsonarista arrependido, dizendo isso. O Alexandre Frota está dizendo e que pode provar. Joice Hasselmann está mandando recadinho dizendo que sabia o que aconteceu no verão passado.

Tem coisa aí, né…

Pô, claro que tem coisa! Tem coisa, e uma coisa chamada crime eleitoral. Tem Caixa 2. Está cada vez mais claro. Comprovação. Esse negócio aí, a planilha que a Polícia Federal apreendeu lá no negócio do laranjal de Minas Gerais que pega a campanha do próprio Bolsonaro. Tem a CPMI da Fake News no Senado Federal que precisa ser instalada e precisa começar a trabalhar. E o TSE precisa levantar a bunda da cadeira, tirar a denúncia que foi feita da gaveta e investigar, sabe? O Ministério Público Eleitoral precisa fazer isso. Cabe às instituições brasileiras analisar se teve crime eleitoral. E, me desculpe, se teve crime eleitoral, a Constituição é clara: crime eleitoral é cassação da chapa, novas eleições em 90 dias. Esse debate precisa ser feito.

Então, o cenário ainda está muito nebuloso. Eu acho que pensar ainda em 2022, agora, é temerário. Primeiro, porque é difícil dizer se o Bolsonaro chega até lá. Segundo, porque tem essa disputa. Você citou alguns nomes quase fratricida em busca do centro perdido que estão lá: Luciano Huck, João Dória e consortes. E também porque se a gente antecipa o debate de 2022, que é o que algumas figuras da esquerda lamentavelmente têm feito, você perde a condição de fazer a luta de 2019, a luta de 2020, sabe? Os caras estão destruindo o Brasil. O que vai sobrar em 2022? Quem vai querer o espólio em 2022? (Ri) O cara vende os bancos públicos, destroça a Petrobras, acaba com a capacidade do Estado brasileiro de intervir e regular a economia, joga o país na lona, acaba com a soberania nacional, nos torna um quintal dos Estados Unidos, o que é que vai sobrar em 2022? Esse debate não pode ser antecipado agora como uma disputa eleitoral que faz com que interesses menores, mesquinhos, eleitoreiros, prevaleçam sobre a necessária unidade para defesa dos direitos.

Massa, mais duas coisas. Primeiro, o MTST nessa história, para onde está indo? O que vocês estão construindo no Brasil? Quais são os próximos passos? Você acabou de falar que vão lançar uma candidatura coletiva em São Paulo, isso é incrível. Isso vai acontecer já em outros Estados agora? Conta aí um pouco dos próximos passos do movimento.

Vamos lá. Nesse ano, o MTST trabalhou para se manter forte, vivo e para assegurar alternativas de política habitacional diante da destruição do Minha Casa, Minha Vida pelo governo Bolsonaro. Foi isso que nós fizemos, em 2019. Então, voltamos para as bases. Fazer assembleias nos bairros, fazer assembleias nos núcleos, bate-papo nas ocupações, coesionamos nosso povo. Explicamos para nossa turma o que é que está em jogo, o que é que está acontecendo. Fizemos um processo formativo muito grande. Nos mantivemos nas ruas, na luta por moradia e conseguimos estabelecer canais e novos programas habitacionais, como Lote Urbanizado, Desapropriação de Terrenos e tudo mais, junto com prefeituras e governos estaduais, diante da destruição do programa nacional de moradia.

Isso permitiu o movimento agora a dar novos passos, que é o que vamos fazer em 2020. Tem a candidatura coletiva de mulheres em São Paulo, tem várias outras candidaturas que estão sendo pensadas pelo país. Mas para além disso, tem trabalhos extraordinários que a gente está começando a fazer, como o projeto de agricultura urbana, hortas orgânicas nas ocupações, nos territórios, nas cidades, para entrar nesse circuito agroecológico de consumo coletivo, diante de uma crise econômica brutal, diante da fome voltando no Brasil. Então, estamos com um projeto ousado de agricultura urbana do MTST e estamos com a faca nos dentes para retomar um processo de mobilização intensiva. A base do MTST está ansiosa e disposta a voltar às ruas com ainda mais força, com ainda mais disposição.

Novas ocupações vão acontecer. Aconteceram esse ano, ao contrário da ideia de que acabaram as ocupações. Meu Deus do céu… quem diz isso não vive o Brasil real (ri). Aconteceram dezenas de ocupações esse ano. Algumas realizadas por movimentos sociais, algumas do MTST e outras feitas pelo próprio povo porque não consegue pagar aluguel no final do mês diante do desemprego. Não é? Agora, vamos intensificar esse processo de luta por moradia, vamos abrir novas frentes como a da agricultura urbana. Vamos também entrar numa disputa política como essa do mandato coletivo de mulheres da periferia, de mulheres sem-teto e outras que o MTST vai fazer pelo Brasil e vamos ajudar, colocar à disposição do conjunto do movimento social brasileiro, da frente Povo Sem Medo, de todas as frentes, dos espaços nossos de articulação, a luta e a mobilização do MTST para ajudar a impulsionar um novo circuito de luta de rua, de retomada das ruas contra o governo Bolsonaro. Vamos estar muito forte nisso em 2020.

Foto: Mídia NINJA

Para finalizar, Boulos… Para você, o que significa um espaço como esse, uma Nave como essa? Qual que foi a impressão que você teve quando chegou? Fala um pouco sobre essa Nav#

Puta que pariu, né? Primeira vez que eu vim aqui, quando você me convidou, vocês tinham acabado de pegar o espaço e tal… conquistar o espaço. É uma coisa inacreditável que no momento em que a gente sofreu tantas derrotas – dizia isso agora há pouco no nosso debate – no momento em que tenta se criar uma imagem de uma esquerda na lona, na defensiva, destroçada, a gente consegue um espaço como esse. Digo “a gente” porque é parte do pertencimento. A Mídia Ninja está aqui. Tomou a iniciativa, conquistou, coordena, gere o espaço, mas também teve a generosidade de abrir esse espaço.

Eu já vi que vai ter o Armazém do Campo do MST aqui, já está se estabelecendo. Quando eu tive com a Sônia, na aldeia, ela disse que já escolheu a sala aqui para fazer a Mídia Índia e o processo do movimento indígena. Nós já escolhemos a nossa também, vamos gravar o Café com Boulos aqui. Vai ser o nosso espaço. Falei antes sobre esse projeto da agricultura urbana, para a gente fazer aqui em cima.

Acho que o movimento social brasileiro, a militância, o ativismo brasileiro tem que se apropriar disso aqui. Isso tem tudo para ser um baita ponto de efervescência cultural. Estamos aqui também, com Bruno Ramos do funk… Ligar tudo isso. A disputa na comunicação, a guerrilha digital que a gente precisa fazer, a disputa na cultura, os sem-teto, os sem-terra, os indígenas, os vários campos de esquerda… Eu acho que esse espaço tem tudo para ser um polo dinâmico da esquerda em São Paulo, da esquerda no Brasil. Um encontro de várias lutas, um encontro de várias causas, né? Vamos para cima.