Fora do emirado há 11 anos, Nassar Mohamed se tornou símbolo LGBTQ+ para catarianos. Foto: Arquivo pessoal

Por Vinícius Borges Pestana

A moda é um instrumento de comunicação, de experimentação e de expressão para todos, mas muito especificamente para pessoas LGBT, garante caráter exploratório. Moda reflete os tempos. É uma ferramenta de comunicação, que vai muito além de tendências, peças e passarelas. Moda é política, é movimento social e é posicionamento e por isso, a sua ligação com o movimento LGBT é tão intrínseca, sobretudo o que diz respeito enquanto coletividade e pertencimento.

Segundo Alison Lurie, por milhares de anos os seres humanos têm se comunicado através da linguagem das roupas. Muito antes de alguém se aproximar e conversar com você na rua, o indivíduo faz uma leitura do seu eu não-verbal. Você comunica seu sexo, idade e classe social através do que está vestindo.

A comunicação não-verbal, através dos elementos da moda, ocorre a partir de uma concepção cognitiva, tal qual surgiu na Fonoaudiologia e sua interface com a moda. A Fonoaudiologia é a ciência que tem como objeto de estudo a comunicação humana, portanto, se a moda utiliza a comunicação não-verbal para se expressar, esta, passa a ser objeto de estudo da Fonoaudiologia.

De maneira muito específica, a moda sempre esteve para a comunidade LGBT tal qual a possibilidade de entendimento, pertencimento e como parâmetro representativo. Não há como ter referências sem antes saber que há outros corpos que se diferem daquilo que é tido socialmente como padrão e comum. É aí que a representatividade surge como peça chave, de maneira a intercambiar tais indivíduos com outras situações que destoam do seu convívio.

Foto: Reprodução / Vogue

O diálogo das roupas com essa população, de maneira muito assertiva, concede a visibilidade que não há em nenhuma outra indústria. Quando coletivo e individual destoam, as roupas tornam-se uma extensão de nossa personalidade, indispensável na hora de moldar e articular nossa identidade – e também restringi-la – especialmente para aqueles cujas identidades são constantemente marginalizadas ou ameaçadas, bem como está sendo tratado a comunidade LGBTQIAP+ do Catar.

O cenário para pessoas LGBTQIAP+ no Catar não é otimista em termos gerais. Conforme o último relatório de Homofobia do Estado da ILGA (International Lesbian and Gay Association), o artigo 1.º do Código Penal do país (2004) diz que os tribunais podem aplicar a Lei Sharia – sistema jurídico do Islã – para impor pena de morte para pessoas LGBTQIAP+. E neste contexto, a FIFA (Federação Internacional de Associações de Futebol), de maneira breve e superficial, recomendou que todos os símbolos que remetessem a tal comunidade, por ora, fossem evitados.

A roupa, sendo a forma mais visível e de primeiro contato, desempenha um papel importante na construção social da identidade, pois constitui uma indicação de como as pessoas irão te entender, antes mesmo de te conhecerem. E neste ínterim, faz-se oportuno nos questionarmos não só a importância da moda para a comunidade LGBTQIAP+ do Catar, enquanto caráter identitário, mas também como forma de segurança.

É muito importante evidenciar momentos que, outrora, propuseram o início da luta pelo movimento LGBTQIAP+. Durante a segunda metade do século passado, a criação de marcas de alta costura, lideradas por homens gays, vivendo, na medida do possível, suas sexualidades. Em 1969, travestis, drag queens lésbicas e gays enfrentaram a força policial em um episódio que serviu de base para o Movimento LGBT em todo o mundo. A década de 70, marcada pelo disco voguing de Madonna, refletiu sobre a liberdade sexual em conjunto com as Balls que rolavam, sobretudo, nos guetos. E mais recentemente, a ascensão da cultura drag. Bem como a moda genderless, que também surgiu das necessidades e questões sobre gênero e sociedade. Todos os exemplos anteriores serviram como propulsores para corroborar de maneira identitária, para essa comunidade que viu, a partir da moda, a oportunidade de serem vistos, mas também de serem celebrados.

Foto: Divulgação / Paris is Burning

Valerie Steele, historiadora de moda e diretora do museu do Fashion Institute of Technology, é um dos poucos nomes que tornam o debate acerca do tema possível. Steele é autora do livro A Queer History Of Fashion: From the Closet to The Catwalk. O livro foi lançado em 2013,e traz recortes de contribuições LGBT+ ao longo das décadas. Principalmente depois da segunda metade do século XX, onde esse legado irá desempenhar um papel central na criação da moda moderna.

Valerie pontua que a opressão e até mesmo a criminalização em torno de sexualidades e identidades de gênero fizeram com que esta população frequentemente criasse códigos de vestimenta. Eles serviram como ferramentas de comunicação, de identificação e até mesmo de proteção. A autora também lembra que a moda é um setor criativo, o que acabou por envolver muitos LGBTs. Valerie ainda diz, de maneira muita afetiva, que esta relação próxima entre a comunidade e os setores criativos fala não só de um desejo de expressão, mas também de uma possibilidade de criar um mundo alternativo de beleza, bem como a utilização da criatividade, para tirar essas pessoas de zonas e/ou situações de perigo.

Tendo em vista que a moda dialoga, e proporciona experiências, muito específicas para pessoas LGBTQIAP+, torna-se um campo de estudo e de possibilidades de vivência. Proibir símbolos LGBTs no Catar é também banir essa individualidade. É um projeto que fomenta o apagamento dessas identidades. Cabe ainda dizer que se o corpo, em conjunto com as vestes, carregam e produzem significados, almeja-se se ainda que tais corpos estejam livres e vivos, para que estes possam aspirar liberdade e ainda mais, para que possam ser quem são.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube