Alguns professores levam as aulas até os alunos mobilizados nos campi da UFMT. Foto: Julianne Caju

Por Julianne Caju e Luana Soutos, jornalistas

Nas duas últimas semanas, centenas de estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) realizaram várias manifestações nos cinco campi da instituição. Eles são contrários às alterações na política de alimentação propostas pela Reitoria, que preveem aumento do valor das refeições do restaurante universitário (RU) e a separação dos estudantes entre quem pode e quem não pode pagar.

De acordo com os universitários, esse cenário é fruto das políticas públicas que têm retirado direitos universais não só dentro das universidades, mas também em todas as esferas econômicas e sociais do Brasil. A divisão dos estudantes criará diferenças em uma mesma categoria, o que pode justificar, mais adiante, a cobrança de mensalidades de parte dos estudantes também nos cursos de graduação.

As alterações propostas pela reitoria da UFMT vão contra direitos já adquiridos que contemplam medidas que viabilizam a permanência de todos os estudantes na Universidade Pública e assim contribuem para a melhoria do desempenho acadêmico, promovem a inclusão social, evitam evasão escolar e garantem a democratização dentro da instituição de ensino que tem no tripé ensino, pesquisa e extensão, sua missão.

“Essa luta é para além do RU. É importante entendermos que o desmonte de direitos universais começa assim: cortando uma coisa aqui, outra ali, mais uma acolá, e assim, quando menos se esperar tudo que é público se tornará privado. Precisamos urgentemente barrar as políticas de privatizações e de retenção de recursos públicos. Hoje é o aumento abusivo das refeições no RU, se assim continuar, amanhã será a cobrança de mensalidades nas universidades públicas”, ressaltou Francisco Otávio, acadêmico de História do campus de Rondonópolis.

Estudantes da UFMT em protesto contra o aumento do preço do RU. Foto: Julianne Caju

É contra esse cenário de cortes de recursos e do congelamento por vinte anos impostos pelo governo federal por meio da EC 95/2016, que os estudantes da UFMT estão fortemente mobilizados. Para eles, a instituição não pode reproduzir a política de exclusões do atual governo. Mesmo que não tenha verba é preciso encontrar outros caminhos que não seja só repassar o ônus dos contingenciamentos para os universitários. “Não somos contra a universidade. Pelo contrário, estamos lutando para garantir que ela continue pública e com qualidade. Estamos vivendo um momento que tem exigido que olhemos para todas as decisões que estão sendo tomadas e que afetam todos os brasileiros. O aumento do preço das refeições do RU é só um reflexo da política do governo que exclui e muito as pessoas pobres”, declarou Jéssica Luiza, acadêmica de Ciências Contábeis do campus de Rondonópolis.

A atual mobilização dos estudantes nesse campus é histórica, segundo Francisco Otávio, pois há dez anos não havia paralisação estudantil. Ali e nos outros campi, acontecem rodas de conversas, sarais, intervenções, panfletagens, oficinas de música e arte, palestras, debates, aulas (tem professor levando a turma para assistir aula junto dos estudantes mobilizados), exibição de vídeos, atividades lúdicas, além dos repasses de informações sobre a pauta do movimento para a comunidade acadêmica e para a sociedade.

No campus de Sinop, os estudantes decretaram greve por tempo indeterminado, em assembleia realizada na última sexta-feira (27), com mais de mil discentes. Assim como em Rondonópolis, trancaram o acesso de automóveis, a entrada é somente para pedestres, carros oficiais, e pessoas que tenham dificuldades de locomoção. “Boa parte dos professores apoia a paralisação dos estudantes. Eles entendem que a luta é de todos e para todos. Não podemos perder direitos conquistados também com muita luta. Vamos continuar mobilizados porque não estamos nessa à passeio”, ressaltou Rafael Camilo, acadêmico do curso de Ciências Naturais e Matemática.

Segundo Adriel Rafael, estudante do curso de Agronomia, a greve permanecerá até que as reivindicações dos estudantes sejam atendidas. Eles apresentaram para a Reitoria um projeto em que a universidade possa requerer a suspensão do ICMS e dessa forma o recurso que seria para pagar o imposto possa subsidiar o custeio do RU. “Nós entendemos que os recursos estão escassos, mas não podemos simplesmente aceitar as decisões do governo federal. Temos que apresentar contrapropostas, temos que garantir os nossos direitos de ensino público, com qualidade e com possibilidades de fazermos pesquisa, ter acesso a biblioteca, poder fazer nossas refeições a um preço que é possível a todos os estudantes, repito a todos os estudantes”, pontuou o universitário.

No campi de Cuiabá, nos últimos dias, foram realizados inúmeros atos, debates, “trancaços e catracaços” (fechamento das guaritas e abertura das roletas do Restaurante Universitário), além do enfrentamento direto ao Reitorado em audiências realizadas no campus para dialogar com a comunidade acadêmica. Em todas elas, a administração da universidade ouviu um sonoro não à sua proposta.

Alunos realizam assembleia em campus da UFMT para falar sobre as paralizações. Foto: Julianne Caju

No campus do Araguaia as atividades também estão suspensas, e os estudantes querem formalizar a suspensão do calendário acadêmico. “A gente decidiu manter o campus ocupado até o dia sete, quando haverá uma reunião do Consuni [Conselho Universitário] e a gente vai pedir a suspensão do calendário acadêmico” disse Pedro Rezende, do curso de Comunicação Social/Jornalismo.

Em Cuiabá a dinâmica também é de avaliação e planejamento. “Por ora, estamos em estado de alerta, principalmente em como será formada a comissão divulgada pela reitoria”, afirmou disse Ana Carolina Marques, acadêmica do curso de Educação Física.

A pauta de reivindicação dos acadêmicos do campus de Várzea Grande também é “para além do RU”. A falta de espaço adequado é outra bandeira de luta desses estudantes que estudam em prédio dentro do campus de Cuiabá. “Os programas de ensino, pesquisa e extensão ficam muito limitados ao que Cuiabá tem para oferecer, e a gente tem uma demanda própria”, destacou L. M., acadêmico do curso de Engenharia.

As mobilizações podem ganhar ainda mais fôlego nos próximos dias. Segundo a estudante de Filosofia no campus de Cuiabá, Elli Maria, alguns cursos já se organizam para ocupar os blocos. “A Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (FAET), do Instituto de Ciências Exatas e da Terra, está se organizando para ocupar, e o campus de Várzea Grande está parado e ocupado. A gente está discutindo no sentido de fazer atos na avenida. Inclusive, vamos chamar os sindicatos dos técnicos e dos professores para lutarem conosco”, afirmou a acadêmica.

Reitoria – De acordo com a Reitoria da UFMT, nos últimos anos, o Governo Federal reduziu verbas para custeio e investimentos das universidades públicas. Em 2018, 60% do custeio e 40% de despesa de capital estão contingenciados. Diante desse quadro, de não repasse de verbas, é que a Reitoria elaborou uma nova política de alimentação do RU. Ela prevê um subsídio integral (100%) para alunos de graduação que tenha renda de até 1,5 salário mínimo e 50% para estudantes de graduação e pós-graduação que tenham renda acima da categoria anterior. Maio seria o mês de implantação dessa nova política. Mas foi suspenso na última sexta-feira (27) pelo vice-reitor da instituição, Evandro Soares, “em atendimento à reivindicação dos estudantes”. Uma Comissão formada por representantes da reitoria, e representantes dos estudantes, de técnicos administrativos e por docentes dos cinco campi irá elaborar uma nova proposta da política de alimentação.