Extração da Mineradora SRN Holding vai atingir parte das 119 Comunidades Quilombolas, no Piauí

De chapéu, Cláudio Teófilo – Vice presente da Associação Territorial do Quilombo Lagoa (Foto: Luan Matheus)

Por  Tânia Martins (O Corre Diário)

Quando o agricultor familiar Manoel Araújo, o Nezim, morador do Quilombo Lagoas, no Sudeste do Piauí, foi presenteado com um tênis da Vest (grife francesa chamada de Veja no Brasil), ele ficou duplamente feliz. Além do calçado ecológico e sustentável, ele foi um dos seis agricultores que mais produziu algodão orgânico adquirido pela marca em 2022. Naquele ano, dez toneladas de pluma de algodão foram produzidas e comercializadas pela Associação de Produtores/as Agroecológicos do Semiárido Piauiense (APASPI), que seu Nezim e outros agricultores do Quilombo Lagoas fazem parte.

Apesar da conquista, o sorriso do Seu Nezim logo se apaga quando começamos a falar  sobre os riscos que ele e milhares de agricultores do Quilombo correm com a chegada da mineração no território. A Mineradora SRN Holding pretende extrair, ao ano, 300 mil toneladas de alumínio de ferro do chão do Quilombo. 

O impacto da mineração vai atingir parte das 119 Comunidades Quilombolas que ali vivem desde seus ancestrais escravizados, em completa harmonia com a natureza. O território tem 62.375 hectares, distribuídos entre os municípios de São Raimundo Nonato, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde, Fartura do Piauí, Bonfim do Piauí e Várzea Branca.

A vida dessas comunidades no Quilombos foi sempre tranquila. Embrenhados no meio da caatinga, as cercas não separam os terrenos, que são de uso comum da comunidade e das outras vidas que ali vivem. Até que, em 2015, surgiram as primeiras tentativas de instalação da mineradora no território. Em 2019, descobriram que autorização prévia para a Mineradora SRN Holding explorar Minério de Ferro. 

Foi como se o céu tivesse desabado sobre suas cabeças.

“Já se sabia que havia gente grande invadindo nossas terras, desmatando, tirando madeira desde 2015, mas, só descobrimos que já era a mineradora quando anunciaram a mineração”, conta Cláudio Teófilo (70 anos) que já foi presidente da Associação Territorial do Quilombo Lagoas, um dos líderes dos Quilombolas. 

Reunião da Associação com organizações parceiras na defesa do território (Foto: Luan Matheus)

A notícia foi confirmada em Audiência Pública, convocada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piaui – SEMAR em 2019. Na ocasião, a empresa apresentou os Estudos seguido do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), automaticamente rejeitada por todas as comunidades do território que consideraram que o trabalho afronta seus direitos.

Indignados e revoltados, sobretudo porque se viram completamente fora dos planos da empresa, que excluiu até mesmo o certificado de reconhecimento do Quilombo, pela Fundação Nacional Zumbi dos Palmares, em 2009.  Esconderam também que o processo de demarcação pelo INCRA está em andamento, o mapa está publicado e a finalização da titulação em curso, por meio do trabalho do Instituto de Terras do Piauí-Interpi.

A resposta do Quilombo veio através de uma Ação Civil Pública, encaminhada pela Procuradoria da República, em São Raimundo Nonato, em conjunto com a Defensoria Geral da União e Defensoria Pública do Piaui. Nela, as instituições cobram informações importantes que deveriam constar nos estudos, como direito a consulta prévia nas populações atingidas pelo empreendimento, entre outros.

Em 2021, a Vara Federal, subseção judiciária de São Raimundo Nonato, atendeu o Ministério Público Federal – MPF e anulou a licença prévia expedida pela SEMAR. Uma nova Audiência Pública anunciada para dezembro de 2022 foi cancela a pedido do MPF, que continua observando falhas nos estudos da empresa. 

Comunidade Lagoa do Moisés (Foto: Luan Matheus)

Segunda a Procuradora responsável pela Ação, Luise Torres de Araújo, são várias ausências de informações relevantes sobre o Quilombo. Para ela, as mais importantes dizem respeito às avaliações dos impactos da mineração sobre as comunidades e a consulta prévia que não aconteceu. A procuradora cobra ainda a inserção de políticas públicas diferenciadas para Quilombolas na educação e saúde, além da titulação do território pelo Incra.

Quem é a Mineradora SRN Holding e o que pretende

Um amaranhado de incoerências levanta suspeitas sobre o surgimento da Mineradora SRN Holding, criada para explorar minério de ferro em território piauiense. Ela foi criada em 2018, em São Paulo, já incorporando outras empresas que foram criadas em cadeia para se unirem a SNR. 

São elas: Fartura e São Lourenço Geologia & Mineração, GCTZ Geologia & Mineração, Itaueira Geologia & Mineração, SRN Geologia & Mineração, São Raimundo Nonato Geologia & Mineração e Exponencial Geologia & Mineração. O capital social que empresa mãe, SRN, apresentou foi de 15.105.206 (quinze milhões cento e cinco mil, duzentos e seis reais). 

Indícios sobre existência de conchavos políticos para instalação da mineradora no território dos Quilombola não faltam e se consolidam quando se checa que o terceiro maior acionista da empresa é o ex-secretário de Mineração do Governo do Piauí, Luiz Coelho da Luz Filho, que aportou um investimento inicial de 1.694.782 (um milhão seiscentos e noventa quatro mil, setecentos e oitenta e dois reais). Ele tem participação em pelo menos três das seis empresas que formam a Holding. 

O passado do ex-secretário como Prefeito de Paulistana, município a 470 Km de Teresina, não é orgulho para nenhum gestor. No currículo agrega processos judiciais do Ministério Público Federal por desviar de recursos do Fundeb e ainda processos por Estelionato Majorado, falsidade ideológica, empregos irregulares com verbas públicas, entre outros.

Riquezas do Quilombo

Apesar da SNR não reconhecer os Quilombolas, eles estão lá produzindo e dando orgulho aos municípios que compreende o Território Serra da Capivara. Em 2012, capitaneado pela Cáritas Brasileira no Piauí e pelo Projeto Dom Helder Câmara, implantaram o Projeto Algodão, de incentivo ao cultivo da planta, bem como a organização dos agricultores, com a criação da Associação dos Produtores Agroecológicos. Em 2016, o grupo conquistou o importante certificado de produtos orgânicos para o algodão, pelo Ministério da Agricultura, sendo o primeiro Quilombo do Nordeste a obter o documento de difícil aquisição.

Com selo em mãos, os negócios começaram a prosperar com o algodão e, além da pluma, começam a produzir óleo e a comercializar as sementes. Também vão iniciar a extração do óleo de girassol. “Assinamos recentemente um contrato para venda do gergelim cultivado no território”, diz Gean Borges, um dos agrofloresteiros do Quilombo, que vem construindo pontes e disseminando conhecimentos nas comunidades sobre sistemas agroflorestais. 

Seu Nezim, quilombola e agricultor agroecolista (Foto: Luan Matheus)

Clara Pereira, agricultora do Quilombo Moisés, conta que os quintais produtivos, outro projeto  desenvolvido pela Cáritas, se alastraram por todo território e hoje a produção dos alimentos diversos colhidos são vendidos para merenda escolar dos municípios que fazem parte do território.

União de forças

Apesar dos perigos que cercam o Quilombo, existe esperança em afastar a SRN do lugar com a união de esforços e lutas de várias entidades que se mobilizam para ajudar o território a afastar o perigo da destruição. Fernando Santos, do coletivo de advogados populares Antônia Flor, lembra que já acompanhou lutas injustas como a deles e que nem sempre existe uma rede de parceiros contribuindo para evitar a chegada da mineradora com seu “canto de sereia”. Ele se refere ao apoio do MPF, Defensoria Pública da União e do Estado, Rede Ambiental do Piauí (REAPI), Plataforma de Comunicação e Educação Popular Ocorre Diário, Coletivo de Advogados/as Populares Antônia Flor, Instituto Ubíqua, Associação dos Apicultores e Associação de Produtores/as Agroecológicos do Semiárido Piauiense (APASPI).  

Edição: Luan Matheus Santana