“Este não é um debate sobre patrimônio para nós, é sobre territorialidade e pertencimento”, defende liderança

Foto: Ana Pessoa / Mídia NINJA

Por Fernanda Damasceno

“Indígenas vêm sendo tratados como invasores dentro de suas terras”, conta Txai Suruí, liderança jovem do movimento indígena, também coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.

Txai é conhecido internacionalmente por sua atuação enquanto indígena que defende as demarcações de terra e o fim do genocídio contra seu povo. Em uma coluna para o jornal A Folha de São Paulo, a ativista conta como, para os povos indígenas, o conceito de território varia do que é conhecido e como essa diferença é fundamental para entender a luta contra o Marco Temporal.

“Este não é um debate sobre patrimônio para nós, é sobre territorialidade e pertencimento, é sobre os Maroh-ey (espíritos) e que é sagrado, é sobre onde nossos contemplados caminharam, onde nossas avós foram enterradas, é sobre a vida que tem lá, sobre a cura, a água e o alimento” conta Txai.

A tese do marco temporal determinou que só conseguiram direito à demarcação de seus territórios os povos que estavam ocupando aquelas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Para o ativista indígena Ailton Krenak, o “Marco temporal é a maior privatização de terras do país”:

“O artigo 231 da Constituição Brasileira é definitivo. Ele diz que a União e o Estado brasileiro devem reconhecer as terras indígenas. Quer dizer, é um ato de reconhecimento à ocupação histórica tradicional dos povos indígenas. Não cabe nenhuma discussão sobre isso”.

Elaborado em parceria com o Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Comissão Arns, junto do apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e a Amazon Watch, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou um relatório de riscos e violações de direitos associados à tese do marco temporal, onde ressalta que a tese coloca em risco os serviços ambientais gerados por terras indígenas e terá efeitos de longo prazo no aumento da emissão de gases de efeito estufa, especialmente na Amazônia brasileira.

Foto: Ana Pessoa/ Mídia Ninja

“A tese do marco temporal já é responsável pela paralisação e pela revisão de processos demarcatórios ao redor do país, impactando diretamente a vida de milhares de indígenas que, tendo seu direito fundamental ao território violado, enfrentam uma série de violências físicas e simbólicas, do assassinato à criminalização de suas atividades políticas, culturais e associativas”, diz um trecho do relatório.

Para Txai, tão importante quanto não aprovar a tese, é entender que a compensação dos povos indígenas com outras terras, como já foi sugerido pelo ministro Alexandre de Moraes, também está fora de cogitação, visto que esse pensamento não leva em consideração o que aquela terra significa para os povos originários que nela viviam. Ao se fazer sagrada, essa relação também contribui para a preservação do meio ambiente.

A baixa taxa de desmatamento no interior das TIs está relacionada aos modos tradicionais de ocupação territorial dos povos indígenas, sua forma de uso dos recursos naturais, costumes e tradições que, na maior parte dos casos, resultam na preservação das florestas e da biodiversidade nelas contidas.

O último boletim do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon, referente a abril de 2023, detectou que 83% da degradação florestal ocorreu em áreas privadas ou em diversos estágios de posse, enquanto apenas 1% ocorreu em terras indígenas.

“O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 1.017.365, decidirá sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas brasileiros, sobre o projeto de nação que deriva da Constituição de 1988 e, principalmente, sobre o futuro do planeta”, evidencia o relatório.

A votação foi adiada mais uma vez no STF, a pedido do ministro André Mendonça. Para Txai essa é “uma tentativa de realizar o mesmo feito da Câmara no Senado aprovando a tese através do PL 2903”.