Manchas de petróleo continuam reaparecendo pelo litoral nordestino e pescadores ainda relatam impactos ambientais e na saúde que não foram sanados pelo crime ambiental de 2019

Novos fragmentos de óleo apareceram nas praias do Pilar, Forte e Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá. Foto: Divulgação

Por Mauro Utida

Vestígios de óleo voltaram a aparecer em praias de nove cidades de Pernambuco, neste domingo (28). Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas), fragmentos chegaram também ao litoral da Paraíba e Bahia. O reaparecimento de manchas de petróleo no mar do Nordeste se junta aos crimes do derramamento do petróleo ocorrido no litoral brasileiro em 2019, que continuam sem respostas.

A secretaria Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco informou, neste domingo (28), que foram coletados fragmentos no Recife, Olinda, Jaboatão, Paulista, Igarassu, Goiana, Cabo, Itamaracá e Sirinhaém. Ambientalistas apontam que o material que apareceu em 2022 seria diferente do óleo recolhido em 2019. O monitoramento foi iniciado no sábado (27).

A falta de dados sobre a situação destes crimes ambientais e as violações aos direitos da comunidade impactada pelo derramamento do petróleo levou um coletivo de pescadores e pescadoras artesanais, ativistas e pesquisadores dos nove estados do nordeste do país e também dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, a se reunirem em Aracajú (SE), entre os dias 29 e 31 de agosto, para o seminário ‘3 anos de resistência ao crime do petróleo’.

O encontro é organizado pela Campanha Mar de Luta e reunirá cerca de 80 participantes com o objetivo de cobrar transparência nos processos jurídicos e respostas sobre a situação dos ambientes e das espécies marinhas impactadas pelo derramamento de petróleo no mar brasileiro.

“Passados três anos, pescadores e pescadoras artesanais ainda relatam graves consequências advindas do crime do petróleo, que não foram sanadas”, denuncia o coletivo.

O crime do derramamento do petróleo em 2019 atingiu mais de 1 mil praias do litoral brasileiro até o final daquele ano, entre toda a região nordeste e em parte da região sudeste. As primeiras manchas foram encontradas em 30 de agosto de 2019, no litoral sul da Paraíba. Segundo o coletivo, o reaparecimento das manchas em diferentes
localidades de maneira pontual voltaram a aparecer no litoral da Bahia em julho de 2021 e, agora, novamente no estado de Pernambuco.

Seminário

O Seminário que acontece em Aracajú terá a participação de pesquisadores da UFBA, UFPE, de representantes do Ministério Público Federal e do Congresso Nacional, como os deputados da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB/SP) – que participará de maneira remota -, e da Comissão Externa de derramamento do petróleo na Câmara dos Deputados, João Daniel (PT/SE).

“Esse evento é importante porque é a primeira atividade presencial da campanha promovendo esse grande encontro dos impactados de vários cantos”, avalia Andrea Rocha, Secretária de Território e Meio Ambiente do CPP e uma das organizadoras do evento.

Sem assistência

“Nós não recebemos benefício nenhum. Os peixes se afastaram da nossa região. A colônia não fez nada, o governo federal foi ainda pior. Ficamos ao ‘Deus dará até hoje. Ninguém deu assistência para nós”, relata o pescador Josadaque Santos, do município Paco do Lumiar, no Maranhão.

O caso do pescador Josadaque Santos não é único. Apesar do governo federal ter distribuído um auxílio emergencial equivalente a um salário mínimo durante dois meses, muitos pescadores não foram contemplados. O pouco tempo de distribuição do benefício também esteve longe de corresponder à dimensão dos impactos socioeconômicos causados pelo derramamento do petróleo.

“Junto com tudo isso ainda houve danos ambientais como a diminuição do estoque pesqueiro, o desaparecimento de espécies e impactos na saúde causados pelo contato direto dos pescadores artesanais com o óleo”, denuncia o coletivo.

Uma pesquisa realizada em 2020 confirma isso. Dados do levantamento realizado pela Fundação Joaquim Nabuco em nove estados do Nordeste, apontam que 40,4% dos pescadores artesanais entrevistados relataram que estuários e manguezais próximos foram atingidos e 67,5% relataram queda de renda por conta do petróleo nas praias. A redução da renda média entre os pescadores foi de 37,28%, segundo o estudo.

Sem respostas

Todas essas consequências são agravadas pela falta de respostas do Estado. A CPI do Óleo foi encerrada em abril de 2021 sem um relatório final que concluísse sobre os responsáveis. Ainda em dezembro de 2021, a Polícia Federal concluiu o inquérito e apontou o navio petroleiro grego como responsável pelo derramamento do petróleo. Apesar do encerramento do inquérito, pesquisadores desconfiam que as provas levantadas pela Polícia Federal são incipientes.

O coletivo informa que cientistas de universidades e institutos de pesquisa brasileiros que participarão do Seminário, em conjunto com os pescadores, devem retomar esse debate e revelar dados novos sobre os impactos do derramamento do petróleo nas comunidades pesqueiras a partir das pesquisas realizadas.

Outro ponto importante para o encontro é a compreensão da conjuntura da indústria do petróleo no Brasil, inclusive o avanço da exploração de petróleo sobre as comunidades pesqueiras, em especial o caso da exploração de petróleo pela Exxom Mobil, à 27 milhas da foz do rio Francisco, entre os estados de Sergipe e Alagoas.

“Com o derramamento de óleo perdemos a produção do pescado, porque se acabaram várias espécies. A vida aqui é complicada, difícil de viver, principalmente pelos impactos que a gente vem tendo aqui na região”, relata o pescador de Brejo Grande (SE), Domenicio José dos Santos.

Por isso os riscos da exploração de petróleo na foz do Velho Chico deixam o pescador ainda mais preocupado. “Com a Exxom Mobil, que está aqui na foz do rio São Francisco, ainda tem mais coisa. A qualquer momento pode ter mais um derramamento de óleo e ninguém se responsabilizará por isso”, lamenta.

A preocupação do pescador deve-se ao tratamento que os pescadores receberam durante o derramamento de petróleo em 2019, mas também está baseada no histórico da ExxonMobil na prática de crimes ambientais em diferentes países, a exemplo da chamada “Maré Negra”, como ficou conhecido o vazamento de petróleo em 1989, no estado do Alasca. Até 2013 esse foi considerado o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.
“Precisamos de alguém que ajude a gente aqui nessa região, por conta dos prejuízos que a gente vem tendo”,
reivindica Domenicio.