Foto: reprodução Open Sense

Por Juliana Reis

Na semana passada, após a divulgação do pedido da cantora Anitta para que clássicos do cinema nacional sejam legendados em inglês, houve uma grande mobilização por parte da comunidade surda.

Por isso, procuramos algumas pessoas surdas e especialistas em Libras (Língua Brasileira de Sinais), para entender um pouco mais sobre as demandas de acessibilidade para essa parcela da população, em especial, no que envolve o audiovisual nacional.

“Anitta está certa em incentivar a cultura brasileira em nível mundial, porque isso nos dá reconhecimento. Mas, gostaríamos de avisar que dentro do nosso próprio país temos milhões surdos com pouquíssimos recursos de acessibilidade nas produções brasileiras como legenda”, explica Felipe Lima, que é surdo.

Para ele, antes de garantir o acesso aos estrangeiros, é importante que haja uma mobilização para garantir a acessibilidade no audiovisual para os brasileiros surdos.

O criador de conteúdo João Gabriel Ferreira, foi um dos surdos que contestou o pedido da cantora – e também nosso post sobre o tema -. Segundo ele, o problema está na falta de cumprimento das leis e do reconhecimento da causa surda. “Anitta pediu legendas em inglês nos filmes nacionais. Ela pede acessibilidade para ouvintes. Mas, quantas pessoas surdas querem assistir filmes e novelas nacionais e também não podem? Isso tinha que ter há muito anos! Existe Lei para legendas nos filmes nacionais. Mas, não acho certo ouvintes estrangeiros sendo privilegiados enquanto, no nosso próprio país, esquecem das pessoas surdas e não valorizam a acessibilidade. Isso vale tanto para surdos quanto para cegos. Nisso, pessoas com deficiência seguem sendo excluídas”, contextualiza.

Luta antiga

Segundo o professor, tradutor e intérprete de Libras, Rony Carvalheiro, da Escola de Libras Verbo em Movimento, a questão levantada por Anitta, focada para a legenda em inglês, chama a atenção porque envolve um assunto antigo para a comunidade surda e encabeçada também pelos tradutores e intérpretes de Libras.

“Essa é uma luta de muitos anos e, inclusive, existe uma campanha chamada ‘Legenda pra quem não ouve mas se emociona’. Isso porque é urgente garantir acessibilidade para mais de 10 milhões de pessoas surdas que vivem aqui no Brasil”, destaca.

Para Rony, não se trata de uma questão apenas comercial. Vai muito além. “Essa campanha em prol da legenda para surdos envolve um processo de inclusão social real. Estamos falando de brasileiros que não têm acesso à cultura, à informação. Claro que é importante pensar na legenda para promover nosso cinema no cenário internacional. Mas, também é urgente entender que temos aqui, dentro do nosso país, milhões de pessoas que não têm acesso ao cinema nacional, por exemplo”, completa o professor.

Quem também reclama da falta de representatividade surda é a jovem Daniella Martins. “O pedido da Anitta é um reconhecimento nacional e internacional. Diferente da situação de nós, surdos, que lutamos há décadas por nossos direitos. Anitta é influente e consegue movimentar. Enquanto nós não somos, parece que não temos ‘voz’”, lamenta ela, que é autora do livro ‘Anjo da Morte’.

O cartunista e ilustrador surdo, Ramon Lucas, destaca a falta de acessibilidade nos filmes infantis. “As animações infelizmente não têm legenda. Eu queria muito, porque para os surdos precisam da legenda em português. Inclusive isso prejudica muito as crianças surdas, que não podem assistir aos filmes de animação.”

Legenda nacional

A campanha ‘Legenda para quem não ouve mas se emociona’ foi criada com a proposta de garantir acessibilidade para pessoas surdas acessarem os conteúdos de filmes nacionais. Isso porque, as pessoas surdas têm a Libras como língua materna e, na maioria das vezes, não conseguem entender os filmes brasileiros e os cartuns, por falta de acessibilidade.

Dados do Censo 2010 apontam que no Brasil existem mais de 10 milhões de pessoas surdas, sendo que 80% desse público não é alfabetizado em português e utiliza a Libras para se comunicar.

No entanto, a questão envolve ainda a falta de entendimento sobre as demandas de acessibilidade para pessoas surdas, bem como à falta de consciência sobre a questão do direito ao lazer para todos.

“A gente precisa pensar, na verdade, em como é a vida desse sujeito surdo na questão da adaptação, para que ele tenha liberdade. Precisa ter empatia, se colocar no lugar do surdo. Ver desde quando ele é criança, seu crescimento, a questão da acessibilidade, para ele não ter que ficar dependendo de outras pessoas. É ser independente e ter liberdade para escolher o que é melhor. Isso que é confortável”, complementa o professor de Libras Carlos Alexandre Silvestri, que também é surdo.

Para saber mais, vale a pena acessar o site Legenda Nacional.