Psicanalista, livreiro, editor e escritor, José Carlos Honório, está lançando seu oitavo livro “A Dobra do Osso” (Foto: Arquivo Pessoal)


Por Kaio Phelipe

Entrevistamos José Carlos Honório, psicanalista, escritor, editor, livreiro e dono da Livraria Navarana, localizada em Jarinu, interior de São Paulo. O autor contou sobre sua trajetória na literatura, que começou em 1983, na Livraria Cultura. Falou também sobre a convivência com Caio Fernando Abreu e Roberto Piva e sobre o mercado editorial LGBTQIAPN+ no século XX.

Na próxima sexta-feira, 22 de setembro, o autor estará lançando seu oitavo livro, A dobra do osso. Confira a conversa completa:

Quando começou a sua relação com os livros?

José Carlos Honório Essa relação com o livro vem desde que eu era pequeno. Eu era bastante pobre, fiz o Senai e trabalhava na General Motors, lembro que, com o meu primeiro salário, comprei livro. Então, desde pequeno, desde os 14 anos, eu tinha essa relação com os livros. Prestei vestibular para Letras, na PUC, aqui em São Paulo. E aí eu entrei, eu queria muito, gostava muito. Durante uma aula de Filosofia, que chamava Problemas Filosóficos e Teológicos do Homem Contemporâneo, estava fazendo uma reunião sobre um trabalho, essa aula era com o Mario Sergio Cortella, tive aula com ele, era maravilhoso, e nessa reunião, caiu um livro de uma menina e, dentro dele, tinha um marcador de página da Livraria Cultura. Eu peguei o marcador e falei com ela que tinha achado muito bonito. Ela disse que era da Cultura e perguntou se eu conhecia. A Cultura, na época, era na Avenida Paulista. Eu nunca tinha ido para a Paulista, morava na periferia, não tinha condições para ir até lá. Ela falou que a livraria era maravilhosa, que conhecia o dono e, se eu quisesse, ela podia falar com ele para eu trabalhar lá. Achei isso muito engraçado, ela era gerente de um banco, um banco que nem existe mais. Eu falei que queria, sim, e, no dia seguinte, ela disse que o dono queria me conhecer. Quando fui lá, ele gostou de mim e falou que eu poderia começar no dia seguinte. Foi assim que começou a minha relação com a Cultura. Entrei lá no dia 19 de abril de 1983. Fui o vendedor mais longevo, fiquei 36 anos lá. Com essa história que a Cultura teve nos últimos anos, de altos e baixos, de fechamento de lojas, muita gente me ligava dizendo que associavam a Cultura a mim, muita gente ligou se solidariezando, dizendp que estavam tristes por mim, algumas pessoas achavam que eu era dono da Cultura.

O Brasil vive uma crise literária?

José Carlos Honório Essa pergunta é bacana. O meu mundo é muito particular, parece que vivo numa fantasia em relação ao livro, então não vejo crise. As pessoas que procuram livros vão sempre gostar de livros. Eu acho que falar que as pessoas estão mais no celular do que no livro físico, ou estão lendo muito online, eu acho que as coisas podem conviver. Eu acho que o mercado editorial brasileiro é um dos melhores do mundo, acho fantástico. O que cresceu de 83 para cá, quando comecei a trabalhar com livro, é realmente impressionante. A gente melhorou muito. O meu mundo gira em torno do livro. Eu sou escritor, editor, livreiro e tenho uma livraria. Não posso pensar em crise. Eu acho que a Navarana, para mim, funciona como um templo. Vou te falar uma coisa muito particular: na minha vida, não sinto nenhum momento de tormento em relação a voltar a trabalhar com algo que não gosto. Eu só faço o que eu gosto. Quando estou lendo um livro de um autor novo para a editora, estou fazendo o que eu gosto. Quando eu estou vendendo livros, estou fazendo o que eu gosto. Quando estou na livraria, estou fazendo o que gosto, que é estar no meio daquela quantidade imensa de autor. Não tenho que reclamar muito. Aqui em Jarinu, onde a Navarana funciona fisicamente, irei mudar de lugar, irei para um lugar maior, aqui em Jarinu mesmo, essa coisa de vender me parece ter uma demanda menor, mas acredito que é por ser uma cidade do interior. Vendo muito mais pela internet e para os clientes que fiz na Cultura nesses 36 anos do que para a população de Jarinu. A minha livraria é muito nova, não tem nem 3 anos. Sempre se falou de crise na venda de livros, sempre se falou que brasileiro não gosta de ler. Em Jarinu tem muita escola e os jovens leem bastante e, talvez, não tenham dinheiro. Sabe aquele receio que a gente tem de se sentir deslocado ao entrar em uma galeria de arte, achando que aquilo é para a elite? Em Jarinu, parece que existe esse receio em relação à livraria, uma dúvida se podem folhear o livre, se podem entrar e não comprar. Óbvio que podem. A gente tem essa relação estranha de não ousar entrar no mundo dos livros. Você não precisar comprar o livro para entrar em uma livraria. Você pode entrar para conhecer e isso já é muito. Antes de trabalhar na Cultura, frequentei muita livraria sem comprar nada. Temos que parar com essa ideia que brasileiro não lê. A gente lê na medida que pode. E não podemos fazer compra e leitura como sinônimos. A frequência em bibliotecas, por exemplo, me parece que está muito pequena e é disso que precisamos falar.

Como foi publicar livros no século XX sendo um autor da comunidade LGBTQIAPN+?

José Carlos Honório Eu comecei a publicar sem pensar nisso. Meu primeiro livro saiu em 1986, que é o Em breve, outra noite. Na época, eu trabalhava na Cultura há 3 anos, ainda não conhecia muita gente do mercado. Eu tinha 20 anos, acho. A partir do segundo livro, quando conheci o Caio Fernando Abreu, que escreveu o prefácio para mim, comecei a me atentar mais a esse tipo de coisa. Até então, eu não dava atenção a isso. Depois, montei uma editora, a Transviatta, que foi quando viajei para fora do país e vi que o mercado editorial para o público LGBTQIAP+ era muito grande lá. Fiquei com uma vontade enorme de fazer isso no Brasil também. Foi aí que comecei a perceber que tinha um mercado para o nosso público. Só que era nos anos 80, não tinha computador, era manuscrito e eu recebia muito original que nem datilografado era e aí eu não entendia a letra. Não parava de chegar original e eu não tinha dinheiro para publicar, me enrolei todo e, então, decidi parar e fechar a editora. Quando começamos a falar de Jean Genet, de James Baldwin, do João Silvério Trevisan, a gente não falava de literatura LGBTQIAP+. A Cultura, na época, fez um setor GLS, como era a sigla antigamente, mas os livros eram mais de fotografias de nu artístico e vendiam muito. Com o advento da internet, ficou mais escasso e as pessoas pararam de comprar esses livros e começaram a consumir fotos online, a mostrar o rosto e também a sair do armário. Estou muito orgulhoso do momento em que a gente está, ainda precisamos avançar muito, mas temos muita visibilidade hoje.

Como foi conviver com Caio Fernando Abreu e Roberto Piva, que hoje são autores sacralizados na literatura?

José Carlos Honório O Caio está em um lugar sacralizado, né? O Piva é mais marginalizado. A convivência com o Piva era brilhante, maravilhosa, eu adorava. O fato do Caio ter sido abraçado pela Lygia Fagundes Telles e pela Hilda Hilst deu um lugar mitificado a ele. Quando leio o Caio e leio o Piva, eu amo e também passa pelo meu lado psicanalista. Quando eu leio o Kaio Phelipe, você, eu não leio só o livro, eu leio a pessoa. Para mim, isso é muito interessante. A minha leitura por determinada obra passa pelo conhecimento do autor. Se eu não conhecer pessoalmente o autor, eu vou procurar saber quem é, em qual contexto ele escreveu o livro que estou lendo e eu adoro fazer isso. A minha convivência com o Piva era uma convivência mais leve, o Piva era mais leve, as conversas eram mais de tirar sarro das coisas, brincar com as situações. Eu adorava estar com ele, ele trazia uma leveza para o lugar. Com o Caio, era um pouco diferente. O Caio era mais profundo, a gente entrava em assuntos mais melancólicos. O Piva era de São Paulo, mas tinha um sítio em Jarinu, algo relacionado a xamanismo, o que eu adorava e ele me falava muito de Jarinu. Quando ele ia até a Livraria Cultura, onde a gente se conheceu, eu ficava encantado com as histórias dele sobre Jarinu. Jarinu é uma cidade muito espiritualizada, tem muita coisa que a gente precisa descobrir. O Piva sempre me falava “Zé, você precisa ir para lá”. Daí eu vim e encontrei onde moro até hoje, já faz uns 15 anos.

Pode nos contar sobre o seu próximo lançamento, A dobra do osso?

José Carlos Honório Esse é meu sétimo ou oitavo livro e cada um possui uma característica. Eu preciso sempre estar muito apaixonado para escrever os livros. Com A dobra do osso não foi diferente. São 25 textos que chamo de “ossos”. Então vai do osso 1 ao osso 25. O final é um osso único, que é meio um resumo dos outros 25 ossos. Cada osso é baseado em peixe, não em peixe morto, que a gente come, mas em peixe vivo, peixe nadando, peixe fluindo, peixe sentindo, peixe existindo e eu adoro o nome dos peixes, dou o nome de um peixe para cada homem que aparece no livro. São essas histórias loucas que passam na cabeça de um poeta apaixonado que também é psicanalista, então fica tudo muito abstrato. O livro está lindo. O lançamento será na próxima sexta-feira, dia 22 de setembro, às 19h, na livraria Martins Fontes, da Avenida Paulista. Vai ter um vinho e todos estão convidados.

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