Instituto Vladimir Herzog cobra o Itamaraty sobre o resultado do processo instaurado pela cúpula bolsonarista na gestão de Ernesto Araújo

Foto: reprodução/Agência Brasil

Por Mauro Utida

Sob o comando do bolsonarista Ernesto Araújo, o Ministério das Relações Exteriores realizou sindicância interna para investigar contatos entre embaixadores e diplomatas com o jornalista Jamil Chade, colunista do UOL.

Ernesto Araújo foi um dos principais pilares da ala mais radical do bolsonarismo, adepto de Olavo de Carvalho e que alinhou o Brasil ao governo de Donald Trump e a Steve Bannon. A gestão de Araújo foi marcada por um distanciamento em relação à posições históricas do país no xadrez global.

Documentos obtidos pelo próprio jornalista Jamil Chade revelam que o bolsonarista promoveu “uma caça” ao trabalho do colunista do UOL dentro do Itamaraty, em novembro de 2020.

O objetivo da sindicância era “obter informações sobre como o jornalista havia obtido informações sensíveis e sigilosas que deram base à reportagem publicada em 6 de outubro daquele ano, sob o título ‘Brasil se alinha a islâmicos e ignora projeto na ONU para proteger mulheres’, diz trecho da reportagem.

Pressionados pelo Itamaraty, os diplomatas foram obrigados a responder um questionário com perguntas relacionadas ao jornalista.

“O envio do questionário gerou um clima de perseguição dentro do Itamaraty, de acordo com diplomatas. Para funcionários da chancelaria, o documento era a prova de que a cúpula bolsonarista estava de olho em qualquer contato com a imprensa”, diz a reportagem.

Ainda de acordo com a reportagem, “essa tensão pós-sindicância foi mais um indício da perseguição estabelecida no ministério contra qualquer um que questionasse o bolsonarismo”.

Assédio bolsonarista

Na coluna desta terça-feira (13), Jamil Chade descreve o episódio em que foi investigado pelo bolsonarista e questiona o Itamaraty sobre o resultado da sindicância, mas a pasta se limitou a emitir uma nota baseada legalmente na ação, porém não informa o resultado da investigação.

“Em cumprimento à Lei no. 8.112/90, art. 143, o ministério tem o dever de investigar casos em que haja suspeita de irregularidade no serviço público. De acordo com a mesma lei 8.112, art 116, VIII, e art 132, IX, é vedado ao servidor revelar informações sigilosas”. Conforme previsto na mesma lei, essas investigações somente podem ser instauradas em relação a servidores públicos. Portanto, neste contexto, nenhum jornalista ou pessoa que não pertença aos quadros do ministério pode ser investigado.”

Em entrevista à Mídia NINJA, Jamil Chade comenta sobre o clima de terror criado por Ernesto Araújo dentro do Itamaraty com o assédio instaurado junto aos embaixadores e diplomatas.

“Uma votação pública na ONU é uma informação sensível? A investigação em si pode até ser legal, mas é inabitual e criou dentro do Itamaraty um sentimento de perseguição, medo e desconfiança mútua, pois cria um sentimento de medo em criar qualquer tipo de contato com a imprensa, não só com Jamil Chade”, afirmou o jornalista.

O Instituto Vladimir Herzog encaminhou ofício ao atual ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, questionando a sindicância instaurada para investigar o trabalho do jornalista Jamil Chade. A carta também foi direcionada ao futuro chanceler Mauro Vieira.

Para o Instituto, o episódio evidencia uma inaceitável tentativa de censura ao trabalho de um jornalista e uma lamentável perseguição a funcionários do mais importante órgão da diplomacia brasileira.

“Ao longo dos últimos quatro anos, o Brasil viveu um período de gravíssimos retrocessos, com destaque para o agravamento da violência contra jornalistas e comunicadores. No nosso entendimento, os fatos revelados evidenciam uma preocupante perseguição a diplomatas que atuam à serviço do Estado brasileiro e, mais do que isso, revelam uma inaceitável tentativa de inibir o trabalho de um dos mais respeitados representantes da imprensa nacional e internacional”, informa o ofício que questiona o resultado do processo.

Ernesto Araújo teve um fim melancólico no Ministério das Relações Exteriores após dois anos e três meses à frente da pasta, pedindo demissão em março de 2021, após forte pressão do Congresso Nacional e de centenas de diplomatas.

Com informações do UOL

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