Entenda como e por que enxergamos o islamismo de maneira tão negativa

Foto: Hiasan / REUTERS

Por Hanna Shokrian e Renata Martins

Pela primeira vez na história, a copa do mundo é sediada em um país do Oriente Médio. Enquanto para uns, esta escolha pareça uma abertura para outras culturas, religiões, idiomas e povos, para outros, trata-se de um ponto um pouco mais polêmico. O Catar, atual país sede da copa, é um país árabe hoje considerado o país mais rico do mundo. Contudo, este país, localizado na península arábica e falante da língua árabe, possui dois pontos complexos que convergem para os protestos cada vez mais frequentes (da própria população, das seleções e de artistas de todo o mundo): sua política se mantém com base em uma monarquia absolutista constitucional, aliada à religião islâmica (wahhabista).

Para introduzir este tema, iremos começar com uma curta entrevista feita com o iraniano Avesta, concedida para o NINJA Esporte Clube. Avesta é casado com uma brasileira, e mora no Brasil há pouco mais de um ano. Já no início da conversa, Avesta deixou claro que não se considera muçulmano, apesar de ter assim nascido, e é dessa forma que grande parte dos iranianos também se vê, ou seja, a maioria não pratica ou nem mesmo acredita em religiões.

Em pesquisa citada no site do TRT World, conduzida pelo grupo GAMAAN, no ano de 2020, os dados mostram que apenas uma pequena parte da população se considera muçulmana, cerca de um terço da população (no caso dos islã no Irã, a maioria é de vertente xiita). É interessante citar que, originalmente, o Irã é um país cuja religião se chama zoroastrismo, que, inclusive, é de onde veio o nome do entrevistado, o livro sagrado da religião, chamado Avesta.

Perguntamos ao Avesta sobre como é morar no ocidente, especificamente no Brasil, e como as pessoas reagem e encaram o fato de ele ser iraniano, e ele foi bem enfático ao dizer que as pessoas instantaneamente mostram o preconceito sobre o oriente médio, majoritariamente por falta de conhecimento, fazem ligações com coisas do tipo terrorismo e guerra.

Entramos neste tema para tentar desmistificar um pouco o islamismo e a imagem de quem nasce em países que possuem a religião muçulmana, para isso, entendemos que é importante enfatizar estudos e mídias que se comprometem a tratar com mais cuidado destes temas. Costumamos, como citou Avesta, estereotipar pessoas que nascem em meio à cultura e religião islâmica.

O Catar, por exemplo, hoje tão presente na mídia, segue uma vertente islâmica chamada de wahhabismo, que não dialoga nem com ocidentais, nem com os próprios orientais, apenas ordena o cumprimento de leis muito severas, de uma leitura extremamente rigorosa do Corão, o livro sagrado da religião. Por isso, é importante saber a diferença entre a negação total de direitos humanos básicos e atos de violência extrema, com o que ocorre em outros países muçulmanos de outras vertentes da religião.

Só em pensarmos na religião e cultura islâmica, já podemos mencionar conceitos extremamente relevantes da antropologia e da sociologia: cultura, ideologia e identidade. Não aprofundaremos estes termos, mas podemos dizer que cada um deles representa uma imensidão de reflexões que, por si só, já dão uma tese. Mas, antes que esta matéria fique longa demais, vamos seguir com o assunto: existem conflitos ideológicos do próprio islã, ou seja, não há uma uniformidade de pensamento e práticas religiosas quando se trata de islamismo. Existem os xiitas, como a maioria muçulmana do Irã, e os sunitas, que são consideravelmente mais fechados. Os Wahabistas, por exemplo, são uma vertente sunita do islamismo.

Podemos dizer que a partir da globalização, alguns problemas que já existiam se agravaram, assim como outros surgiram. Nem os EUA, nem outros ocidentais, que meteram seus bedelhos no oriente médio, ao longo da história, são necessariamente mocinhos, assim como os muçulmanos, em sua totalidade, estão longe de serem os vilões. Mas aí, nossa memória retorna àquele fatídico 11 de setembro de 2001 e nos deixamos levar pela narrativa contada de um lado só. Por isso, vale a pena reafirmar: não há, entre os islâmicos, uma única maneira de ser, pensar e agir, como pudemos ver na fala de Avesta.

Ainda que existam identidades características entre os povos islâmicos, sua religião é mais plural do que se sabe, e assim como muitas outras, possuem várias vertentes. O fundamentalismo, tão em voga nos dias de hoje, é extremamente perigoso dentro de qualquer religião, mas foi estigmatizado, enquanto conceito, e se tornou estigmatizante para a construção da imagem de todos os muçulmanos, tanto que hoje, de acordo com a pesquisadora Patrícia Simone Prado (em sua dissertação de mestrado sobre a religião e a cultura islã) muitos muçulmanos não querem ser vistos como fundamentalistas.

Outro caso de muçulmanos que fogem ao esteriótipo criado pelo ocidente, é o da da ativista feminista Alah Murabit. Em sua palestra para o TED mulher, falou sobre como sua religião foi fundamental para conseguir influenciar comunidades islãs que viviam presas às tradições islâmicas mais extremistas.

“Usei as escrituras religiosas. Usei versos do Alcorão e falas do Profeta, “Hadiths” – falas que são, por exemplo, “O melhor de você é o melhor para a sua família”. “Não deixe seus irmãos oprimirem uns aos outros.” Pela primeira vez, os sermões de sexta, feitos pelos imãs das comunidades, promoveram os direitos das mulheres.”

Ela fala ainda que, como uma muçulmana orgulhosa de sua própria fé, não negligencia os estragos que foram e são feitos em nome da religião pelo mundo, em nome do islã ou de qualquer outra religião. Vemos que, tanto em sua coragem quanto em seu ativismo de levar a narrativa feminina a uma religião aparentemente tão fechada, ela demonstra, que o islamismo não traz em sua base as ações de repressão e menos ainda de violência.

Escolher a fé como modo de vida e servir a Deus, dentro do islã, é muito diferente de ser agressivo ou terrorista. Vale lembrar que, ainda que a fé permeie a todos os povos muçulmanos, o termo islã traz, em seu nome, o sentido de paz e, por isso, àqueles que fazem guerra, justificados por suas próprias convicções, dentro desta religião, são uma minoria que escolhe se desvirtuar de seus ensinamentos e de sua própria fé.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube