Para o padre Júlio Lancellotti, as pessoas que se incomodam com o trabalho dele com a assistência à indivíduos em situação de vulnerabilidade “são os mesmos que fabricam a desigualdade”

Ação “Flores e não pedras para os moradores de rua”. Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

Por Mauro Utida

A condenação do empresário bolsonarista Luciano Hang pela Justiça de São Paulo por danos morais contra o padre Julio Lancellotti mostra que a decisão é uma importante medida de reflexão sobre a relação ética nas redes sociais. “A internet não pode ser terra de ninguém”, declarou o pároco da Igreja São Miguel Arcanjo, na Mooca.

Na ação de danos morais, a juíza Eliana Adorno de Toledo Tavares, da 1ª Vara Do Juizado Especial Cível de Vergueiro, condenou o empresário a pagar uma indenização de R$ 8 mil, devido a ofensas de Hang sobre o padre em um grupo no WhatsApp. “Quem defende bandido, bandido é” ao se referir ao Padre Júlio Lancellotti, que é conhecido pela atuação na Pastoral Povo da Rua junto a pessoas em vulnerabilidade social em São Paulo.

Para o religioso, as pessoas que se incomodam com o trabalho dele com a assistência à indivíduos em situação de vulnerabilidade “são os mesmos que fabricam a desigualdade”. Ele qualifica os agressores destes ataques como “indutores”, quem ataca, desqualifica e induz outros. “Estes conflitos são gerados por uma sociedade desigual. Eu não ataco ninguém e também não policio ninguém nas redes, eu só publico o que a gente vive e acredita”, declarou.

A decisão contra Hang foi proferida na tarde desta terça-feira (24), no âmbito de uma ação movida pelo padre após o jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, tornar públicas as declarações de Luciano Hang. O grupo no qual o bolsonarista enviou as mensagens é o mesmo no qual empresários aliados do presidente teriam defendido um golpe de Estado em caso de vitória do ex-presidente Lula nas eleições 2022. A decisão cabe recurso.

Hang e outros sete empresários foram alvos de mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal nesta terça-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O relator do inquérito das milícias digitais atendeu um pedido da própria PF.

Ofensa à honra não é liberdade de expressão

No bojo da ação movida pelo Padre Júlio na Justiça, Hang sustentou que ‘ilegalidade da prova’, argumentando que os diálogos foram obtidos ‘de forma ilícita, com violação à sua privacidade’. Além disso, o empresário defendeu a ‘licitude de suas manifestações, argumentando que correspondem à verdade, e que exerceu seu direito de crítica’.

Ao analisar o caso, a juíza Eliana Adorno de Toledo Tavares entendeu que Hang ‘agiu com abuso ao exercício do direito’. A magistrada considerou que a declaração do bolsonarista em referência ao padre – “Quem defende bandido, bandido é” – é ilícita e foi lançada em grupo do qual participam outros empresários, resultando em ofensa à honra’ a Júlio Lancellotti.

“Se, por um lado, as afirmações ‘É da turma do Lula. Hipocrisia pura. Temos que ensinar a pescar, e não dar o peixe. Cada dia que passa é mais malandro vivendo nas costas de quem trabalha’ e ‘A Igreja Católica é cúmplice das mazelas do PT. Foram os fiadores de tudo o que aconteceu. Não podemos generalizar, mas ajudaram bastante o PT a chegar ao poder’ representam crítica, ainda que ácida, ao autor, seu trabalho e à Igreja Católica, e possível ofensa sem destinatário determinado, a afirmação ‘Quem defende bandido, bandido é’ constitui claro abuso ao exercício da liberdade de expressão, atingindo a honra do autor”, registrou a decisão judicial.

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