Foto: Felipe Beltrame / Brigada Amazônia

Os povos indígenas Tikuna-Maguta e Kokama, do Alto Rio Solimões, oeste do estado do Amazonas, reagiram à nomeação do fuzileiro naval da reserva Jorge Gerson Baruf como coordenador regional do Alto Solimões da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Tabatinga (AM) no último dia 27.

Em nota, lideranças indígenas Tikuna-Maguta e Kokama afirmaram repudiar a nomeação do fuzileiro Naval Jorge Gerson Baruf para coordenar a base regional do Alto Solimões “ não tem qualquer preparo, capacitação ou formação para atuar na área de promoção e defesa dos direitos indígenas”. Sem formação na área de produção de conhecimento sobre as sociedades originárias, Baruf não possui registro de trabalho junto aos povos indígenas do Atlo do Solimões.

O fuzileiro não possui formação na área de produção do conhecimento sobre as sociedades e culturas originárias do continente, mora em Manaus e não há registro, em sua trajetória profissional, de trabalhos junto aos povos indígenas do Alto Solimões.

Leia a nota completa:

Povos Indígenas do Alto Solimões em Assembleia Permanente contra a nomeação de um fuzileiro naval da reserva para assumir a Coordenação Regional do Alto Solimões- FUNAI

Informamos aos cidadãos brasileiros que no dia 04/12/2019, no período da tarde, iniciou-se o ato público de repúdio realizado por parte dos povos indígenas Tikuna- Maguta e Kokama do Alto Rio Solimões em protesto contra a nomeação de um fuzileiro naval da reserva, o Sr. Jorge Gerson Baruf, para assumir a Coordenação Regional do Alto Solimões da FUNAI de Tabatinga- AM.

Os povos Ticuna-Maguta e Kokama repudiam veementemente a nomeação de um militar simplesmente pelo fato de que esse sujeito não tem qualquer preparo, capacitação ou formação profissional para atuar na área de promoção e defesa dos direitos indígenas. Além disso, os povos indígenas não foram consultados sobre a nomeação de um sujeito totalmente alheio a causa dos povos indígenas. Sequer conhecemos a sua conduta nem o seu posicionamento perante as demandas concretas dos povos indígenas. Os povos indígenas e a FUNAI não necessitam de pessoas que saibam atirar. Ao contrário, necessitam, de fato, de cabeças pensantes, capazes e preparadas que elaborem e concretizem políticas indigenistas com excelência.

Sabemos que o governo Bolsonaro é inimigo declarado dos povos originários e nos desrespeita constantemente, quer seja em seus atos, quer seja em suas declarações. Sabemos da concepção retrógrada deste governo no que diz respeito à promoção dos direitos indígenas conquistados e garantidos na Carta Magna, após quase 500 anos de genocídio contra nossos antepassados. As Terras Indígenas são de usufruto exclusivo dos povos indígenas, de acordo com os artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Por isso, rechaçamos a constante incitação por parte do Presidente da República para que as Terras Indígenas Demarcadas e Homologadas sejam invadidas por madeireiros e garimpeiros. Repudiamos que nossa floresta Amazônica seja queimada para fazer pasto e plantar soja. Opomo-nos irredutivelmente ao projeto da presidência da República que será encaminhado ao Congresso Nacional para legalizar o garimpo em Terras Indígenas.

Somos inflexíveis quanto a esse ponto! Não beberemos água nem comeremos peixes contaminados por mercúrio. Temos a imensa responsabilidade de deixar para as futuras gerações uma floresta que garanta a sobrevivência de nossos povos, assim como nossos ancestrais o fizeram, pois somos parte dessa floresta. Solidarizamo-nos com as famílias indígenas vítimas da ação de invasores que atuam estimulados pela irresponsabilidade de um presidente da República que não está à altura de seu cargo. O ato de nomeação de um fuzileiro naval sem qualquer consulta prévia aos povos indígenas do Alto Solimões é só mais um exemplo dentre tantos outros de desrespeito desse governo para com os indígenas do país.

Denunciamos também o desmonte da FUNAI por meio de sucessivos contingenciamentos orçamentários e publicação de Portarias que visam travar a atuação dessa instituição, bem como rechaçamos a nomeação de militares, marinheiros e policiais em postos chaves do órgão com o objetivo de realizar inteligência e controle político-social dos povos indígenas e de nossas terras. Atualmente a presidência do órgão é exercida por um Delegado da Policial Federal e isso por si só é um fato muito grave.

Reivindicamos que este Órgão continue responsável pela aplicação das políticas públicas indigenistas através de servidores capacitados e oriundos das áreas de conhecimento vinculadas diretamente ao trabalho indigenista. Queremos que a própria FUNAI seja responsável e dê continuidade aos estudos das terras em processo de demarcação. E no que tange à Coordenação Regional do Alto Solimões, solicitamos que o novo Coordenador Regional seja um servidor que já conheça A NOSSA REALIDADE e que seja escolhido pelos povos indígenas mobilizados em Assembleia Permanente.

Os povos indígenas Ticuna-Maguta, Kokama, estudantes, Agentes de Saúde, caciques de comunidades, líderes de organizações exigem o imediato cancelamento da Portaria de Nomeação deste militar da reserva. Caso contrário, iremos ocupar e permanecer na sede da FUNAI em Tabatinga-AM até que nossa exigência seja cumprida. Não aceitaremos um cidadão que não conheça a nossa realidade, que não se identifica com a causa indígena e que tampouco possui a experiência, a formação e o preparo profissional necessário para atuar na implementação de políticas públicas de promoção dos direitos indígenas.

O Sr. Jorge Gerson Baruf, fuzileiro naval da reserva, não possui formação na área de produção do conhecimento sobre as sociedades e culturas originárias do continente. Esse cidadão é residente de Manaus e não possui qualquer vínculo com os povos indígenas do Alto Solimões. As Forças Militares de nosso país devem se restringir a cumprir sua função constitucional de patrulhar nossas fronteiras e defender a soberania do país. Para isso são formados os seus oficiais. De outro modo, é como se fosse nomeado um antropólogo, indígena ou advogado para a comandância do Exército ou da Polícia Federal. Cada qual na sua área de conhecimento e atuação. No âmbito dos trabalhos indigenistas, o país possui um sem fim de profissionais formados e capacitados na área para uma atuação condizente com a necessidade de nossa época. Não seremos cobaia da inteligência militar promovida por esse governo.

Por fim, agregamos que caso nossa exigência não seja atendida, nossa ação de ocupação legítima da sede da FUNAI não será em vão. Estipulamos o prazo de sete dias úteis para que esta Portaria seja revogada. Caso contrário, a partir do dia 13 de dezembro de 2019 tomaremos medidas mais drásticas e interditaremos a pista de pouso do Aeroporto Internacional de Tabatinga como medida concreta contra o constante desrespeito desse governo contra os povos originários do Brasil e não nos responsabilizamos pelos possíveis desastres que poderão ocorrer nessa intervenção. Contra um governo que não quer dialogar, nos restará às vias de fato. A pista do aeroporto invadiu 200 metros a Terra Indígena Umariaçu e não fomos informados sobre esse atropelo ao nosso território de ocupação originário, muito menos fomos consultados sobre a viabilidade dessa construção nem dos impactos causados em nossa meio-ambiente de reprodução material e cultural, conforme exige a Convenção 169 da qual o Brasil é signatário. Através dessas ações dizemos um basta à política de atropelo e desrespeito aos direitos indígenas garantidos na Constituição de 1988.

Lideranças Indígenas do Alto Solimões