Em plenária inédita, movimento apresentou manifesto em que reforçam a luta contra o preconceito (Mídia Ninja)

 

Existem (e resistem) no Brasil hoje, mais de 305 povos indígenas. Imagine como é rica a diversidade cultural do país. Mas uma plenária inédita, realizada nesta segunda-feira (12) no Acampamento Terra Livre (ATL), amplia ainda mais as dimensões dessa pluralidade ao visibilizar a luta de lideranças LGBTQIAP+ indígenas.

O encontro foi um divisor de águas na história da articulação que se fortalece dia a dia. Ao fim da plenária, o grupo entregou um manifesto à Coordenação Executiva da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), no ato representado por Sônia Guajajara.

O documento “Colorindo a luta em defesa do território” reforça que todos estão unidos pelos direitos indígenas. E que há mais especificidades a serem adicionadas a eles.

Lideranças que compuseram a mesa ressaltaram que a luta LGBTQIAP+, diante de tantos retrocessos políticos e sociais, exige ainda mais resistência, pois é ainda maior a invisibilidade, marginalização e violência direta e indireta sobre os seus corpos. Assim, a luta contra o preconceito – dentro e fora das comunidades – foi colocada como a mais urgente.

“Não podemos reproduzir a lógica de deslegitimação e violência dos não- indígenas com a pluralidade de nosso povo, pois o mundo branco já possui demasiadamente manchas vermelhas de nosso sangue diante da repulsa e racismo que sofremos por eles. Essa é uma pauta necessária e urgente. Não podemos tolerar o racismo! Basta de LGBTIfobia! Basta de violência!”, diz trecho do documento.

Ao traçar um paralelo, para reforçar que o preconceito perdura por séculos e séculos e esse ciclo precisa ser quebrado, as lideranças relembraram as mortes do Tupinambá Tibira do Maranhão, em 1614 e de Brenda Koge, mulher trans do povo Boe Bororo, em maio de 2020. Tibira foi executado por conta de sua orientação sexual, com anuência de religiosos da Igreja Católica. Esse é o primeiro caso de morte documentado por homofobia.

O mediador, Erisvan Guajajara, abriu a plenária realçando que se tratava de um momento histórico diante de tantos anos de discriminação. “Esse é um momento de luta e resistência. Basta de ataques aos nossos direitos, nas nossas andanças com o Timbira [coletivo de representatividade LGBTQIAP+], conversamos com muitas lideranças e a gente tem muitos casos de transfobia, de homofobia e de racismo dentro de nossos territórios”, convocando a mudança.

Direcionando sua fala ao público presente, pediu que conversassem com as lideranças e que respeitassem os LGBTQIAP+ indígenas. “Vamos começar a ocupar os espaços, falar da nossa luta. Há uma diversidade de povos e diversidade de corpos que lutam pelo território. São muitos séculos de violência, de massacres. Se você não aceita, pelo menos, respeite”.

Dos convidados da plenária, Artur Guajajara lembrou que na luta pelos direitos indígenas, todos são iguais. “A gente quer respeito nas bases. Já basta a gente ter que ouvir fora das aldeias: ‘além de índio é LGBT’”, pedindo respeito dentro das aldeias.

Neimar Kiga é do povo Boe Bororo (Mídia Ninja)

Neimar Kiga, do povo Boe Bororo, condenou a discriminação. “Não pode haver segregação dentro do movimento. Precisamos do apoio de todos os indígenas. Acredito que comportamento preconceituoso é resquício do processo de colonização”, destacou.

Sob outra perspectiva, Natan Pataxó, que faz parte do Levante Indígena da USP, testemunhou a vulnerabilidade das pessoas LGBT no contexto universitário. “Não nos sentimos acolhidos. Temos especificidades até mesmo dentro do movimento LGBT”. Ele relata que os indígenas LGBT, em vários contextos urbanos, são vistos como “exóticos”.

Ele realça a importância de espaços de acolhida. “Para dividir essas dores, fortalecer nosso canto, nossa diversidade, para que as pessoas entendam que não somos anormais. Somos todos indígenas e precisamos resistir juntos”.

Dois membros da Coordenação Executiva da Apib, Dinamam Tuxá e Sônia Guajajara receberam o manifesto. Sonia se pronunciou, afirmando que a plenária vai ser parte da programação: “O Acampamento Terra Livre respeita todas as pautas indígenas”.

Ela celebrou a plenária e disse que é muito importante a garantia do espaço. “É muito importante que as lideranças indígenas que fazem parte da comunidade LGBTQIAP+ detenham esse espaço e oportunidade de falar, de dizer quem realmente são. Esse acampamento acolhe e dá apoio para que tenham a liberdade para se expressar”.

Leia aqui o manifesto “Colorindo a vida em defesa do território”.

 

Resistência nas redes

A saber: Dois coletivos, o Caboclas e Tibira, refletem sobre a identidade de gênero e sexualidade em contexto indígena. O objetivo é combater o preconceito. Siga nas redes!

Caboclas

Tibira

ATL

A Apib realiza o 18º ATL junto a organizações de base de várias regiões do país. O tema da mobilização que segue até o dia 14 de abril em Brasília é “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”.