Para Renatho Costa, professor e pesquisador em Relações Internacionais e um torcedor apaixonado pelo São Paulo, existem sim razões de sobra para torcer contra os marroquinos

Foto: Mídia NINJA

Por Cleizer Maciel

A grande sensação da Copa do Catar, a seleção do Marrocos, já deixou de ser tratada como zebra pelos seus adversários. Agora, especialistas também tratam de retirar o chamado coitadismo do país que tem, assim como diversos outros especialmente na região onde está localizado, o costume histórico de opressão e repressão violenta contra o regime.

Para um dos maiores especialistas do pais em Oriente Médio, professor  pesquisador de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa na cidade de Sant´Ana do Livramento (RS), na fronteira do Brasi com o Uruguai, autor do documentário Um fio de Esperança: independência ou guerra no Saara Ocidental, a provocação necessária para  reflexão da geopolítica é imprescindível para conhecer um pouco mais sobre a realidade da região e entender que há muito mais entre o campo e a bola do que os olhos podem ver a respeito do Marrocos. O professor não demorou para fazer uma provocação nas suas redes sociais sobre a seleção do momento chamando a atenção para uma outra realidade que não é vista pela grande maioria dos povos do ocidente. 

Foto: Renatho Costa

O senhor crê que o resultado da seleção pode afetar a convivência nas relações internas do país?

Renatho Costa: Não no tocante ao povo do Saara Ocidental, pois ele já é silenciado e oprimido. Mas entendo que isso poderá afastar ainda mais dos holofotes internacionais o que ocorre no Marrocos, pois somente falarão do êxito da seleção e da alegria do seu povo. Uma propaganda positiva que tende a apagar ainda mais a causa saaraui.

É uma região que o senhor conhece bem. Desde sua última passagem pelo local, ocorreram mudanças ou a repressão e opressão ficou ainda mais acentuada?

Renatho Costa: A situação se tornou ainda mais tensa. Porque existe uma missão da ONU no Saara Ocidental que se chama Minurso. E esta lá para fazer um referendum para saber se os saarauis querem continuar anexados ao Marrocos ou a liberdade, mas nada é feito. Estão lá, desde 1991, e não podem apurar violações de direitos humanos. Há pouco mais de um ano, houve um enfrentamento entre os marroquinos e a Frente Polisario (que representa o povo saaraui militarmente) e quase reiniciou a guerra. As tratativas com a Minurso não avançam e talvez só reste a guerra mesmo.

Como o senhor enxerga a contradição de parte do povo do Saauri flagrado em vídeos comemorando gols da seleção marroquina?

Renartho Costa: Como em qualquer país, sempre há aqueles que se mantém na luta e aqueles que se entregam a algumas benesses do colonizador. Quando estive lá, conheci saarauis que desistiram da luta, abandonaram os campos de refugiados e preferiram morar no Marrocos, recebendo subsidio do reino do Marrocos. Para a monarquia, isso é propaganda. Mas posso lhe garantir que a quantidade de saarauis que abandonam a causa e aceitam a oferta da monarquia é mínima, mas eles levantam uma bandeira e isso parece que todos os saarauis estão de acordo com a politica marroquina. Se isso fosse verdade, não haveria a necessidade de conter os saarauis com tanta violência nos territórios ocupados. Também, os saarauis que vivem no exílio, nos campos de refugiados de Tindouf, na Argélia, abandonariam aquela vida totalmente inóspita e iria para o Marrocos. Esse caso da bandeira é totalmente isolado.

Seleção marroquina comemora a vitória sobre a Espanha nos pênaltis nas oitavas de final. Foto: AFP/AFP Photo

Para o professor, não há qualquer possibilidade de torcer para a seleção do Marrocos na Copa do Mundo, até porque, certamente os ganhos esportivos serão utilizados pela monarquia marroquina, assim como outras ditaduras o fizeram. Basta se lembrar do Brasil, em 1970, e da Argentina, em 1978.

“Há algo mais, temos de condenar com toda veemência os países que utilizaram o continente africano e estabeleceram suas políticas colonialista, algo abominável. Contudo, um país que viveu a opressão do colonizador, não pode agir da mesma maneira contra outro povo”, publicou ele em suas redes sociais.

“E o Marrocos age assim contra a população do Saara Ocidental, a antiga colônia espanhola, Saara Espanhol. A monarquia marroquina estabeleceu um regime extremamente violento contra os saarauis e de perseguição a qualquer um que fale sobre a causa. Entre 2016 e 2017, eu e meu grande amigo, Rodrigo D. E. Campos, produzimos e dirigimos um documentário sobre as atrocidades dos marroquinos contra o povo do Saara Ocidental que, inclusive, mantém uma parcela substancial de sua população vivendo em exílio, em campos de refugiados, na Argélia. Não basta levantar a bandeira Palestina para ganhar simpatia das pessoas, pois o monarca de Marrocos é um dos maiores apoiadores de Israel. A visibilidade que o Marrocos conseguiu nessa Copa do Mundo é péssima para qualquer pessoal que preze os direitos humanos. Essa seleção serve como um soft power que vende a imagem de um Marrocos que só existe nos panfletos de viagens turísticas. Quem quiser conhecer um pouco do que é o Marrocos e o que fez, e continua fazendo com a população saaraui, convido a assistir ao documentário Um fio de Esperança: independência ou guerra no Saara Ocidental”.

Renatho Costa é professor e pesquisador em Relações Internacionais e está entre os nomes mais importantes do Brasil quando o tema é Oriente Médio. O documentário gravado entre os nãos de 2016 e 2017 está disponível no link: