No relatório “Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento” divulgado ontem, o Greenpeace Brasil denuncia a concessão de crédito para agropecuaristas envolvidos com desmatamento e outras irregularidades socioambientais na Amazônia.

A organização revela que bancos públicos e privados, nacionais e internacionais, destinaram mais de R$43 milhões em crédito rural, entre 2018 e 2023, para 12 propriedades rurais envolvidas com diversas irregularidades socioambientais na Amazônia.

Foram analisadas propriedades listadas na base do Banco Central que receberam crédito rural entre 2018 e 2022 no Bioma Amazônia e diversos descumprimentos das regras do Manual de Crédito Rural (MCR), que rege a modalidade de financiamento, foram encontrados. 

O material também mostra que 798 imóveis rurais embargados pelo Ibama por causa de crime ambiental receberam financiamentos dos bancos nesse período analisado. 

Além disso, outros dados alarmantes: foram identificadas 10.074 propriedades inseridas parcialmente ou totalmente em Unidades de Conservação, sendo 41 delas em áreas de proteção integral, onde não deveria haver nenhuma atividade econômica; 24 propriedades sobrepostas parcial ou totalmente à sete Terras Indígenas (TIs); 21.692 imóveis com sobreposição com florestas públicas não destinadas – que são terras públicas, do povo brasileiro.

Crédito Rural

Localização das propriedades financiadas pelo crédito rural entre 2018 e 2022 com sobreposição parcial ou total com florestas públicas não destinadas. Fonte: Greenpeace

O crédito rural são recursos financeiros destinados ao financiamento de despesas normais dos ciclos produtivos da agropecuária. Quem recebe os créditos podem usá-lo de diferentes maneiras, por exemplo, podem investir em novos equipamentos e animais ou custear matéria prima para o cultivo.

O crédito subsidiado pelo governo possui recursos controlados pelo Governo Federal, bem como recebe subsídios por meio de juros equalizados para determinados produtos. Já o crédito rural privado capta recursos próprios.

O caminho do dinheiro

Quando pagamos impostos ao governo, recursos estes que passam a compor o orçamento público e que tem parte destinada ao crédito rural; ou quando o dinheiro disponível em nossas contas correntes ou depositado na modalidade poupança rural tem parte destinada ao crédito rural.

Dessa forma, nosso dinheiro pode sim acabar por financiar atividades ou empresas que possuem irregularidades socioambientais. 

Isso porque, a destinação inadequada dos nossos recursos acontece quando há uma análise falha ou o descumprimento das normas pelos bancos e/ou também considerando que os critérios definidos pelas normas existentes possuem lacunas que acabam permitindo que o dinheiro vá para atividades ou propriedades com irregularidades socioambientais.

Imagem: Greenpeace

“Nota-se que há descumprimento das normas atuais e também uma série de lacunas nas normas que orientam a concessão de crédito rural.” afirma Cristiane Mazzetti, do Greenpeace Brasil.

Para ela, os bancos têm a capacidade e o dever de fazer mais do que está sendo feito, como “editar novas normas para ampliar as exigências de natureza socioambiental e garantir que os recursos do crédito rural não cheguem a áreas com irregularidades”

Por meio de sistemas frágeis de monitoramento e de concessão de crédito, bem como lacunas nas regulações vigentes, instituições financeiras têm aberto seus cofres para financiar compra de gado, aquisição de equipamentos e serviços em áreas que passaram por derrubada ilegal da floresta ou que apresentam outras irregularidades, como sobreposição com florestas públicas não destinadas, terras indigenas e unidades de conservação, afirma o relatório. 

Dinheiro que banca a morte

A agropecuária é o principal agente de expansão da fronteira agrícola sobre os biomas brasileiros e grande responsável pela contribuição do país na emergência climática. 

Dados do MapBiomas mostram que quase 96% da área desmatada no país em 2022 foi destinada à agropecuária. 

Além disso, o desmatamento é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa (GEE) no Brasil e no ano de 2022 foi responsável por 48% das emissões do país. Somando esta porcentagem às emissões da agropecuária (27%) a contribuição do setor chegou a 75%, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG).

“Apesar de existirem outras formas expressivas de financiamento da agropecuária, nosso trabalho foca no crédito rural, pois trata-se de um importante instrumento da política agrícola brasileira e que possui uma conexão com o dinheiro das pessoas, que certamente não querem financiar a própria extinção. É urgente interromper o direcionamento de recursos para produtores que destroem nossas florestas e violam direitos fundamentais”, afirma Cristiane.

Por fim, “O Estado brasileiro precisa fomentar uma transição ecológica justa, e dentre as ações, deve estar a proposição de incentivos e subsídios para aqueles que implementam o desmatamento zero. A transição passa também por um redirecionamento de incentivos e fomento para modelos produtivos mais justos, com emissões reduzidas e que trabalhem a integridade dos ecossistemas” cobra o relatório do Greenpeace.