Tarcísio de Freitas afirma que irá implementar mais vigilância policial. Ação é vista como inútil por profissionais da educação

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O governo de São Paulo está sendo duramente criticado por ter reduzido significativamente os recursos destinados aos três principais programas de suporte à saúde mental da comunidade escolar. O Placon, Psicólogos na Educação e o projeto de Mediação Escolar tiveram seus orçamentos reduzidos e, em alguns casos, nem chegaram a ser implementados de maneira completa.

O ataque na Zona Sul da cidade de São Paulo que resultou na morte da professora Elizabete Tenreiro, 71 anos, não foi um caso. Na terça-feira (28), um aluno tentou entrar armado numa escola em Santo André. No mesmo dia, um estudante de uma escola da Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi contido após tentar esfaquear colegas e funcionários.

O Placon, como é chamado o sistema, é um dos braços do programa Conviva SP, lançado após o massacre de Suzano, em 2019, para “aprimorar a convivência na comunidade escolar”. O sistema foi criado para receber diariamente registros de casos de violência nas escolas públicas — como bullying, brigas, ameaças e assaltos.

“A polícia está na rua e, quando chamamos a ronda escolar, ela vem. Mas não tem uma política para além da questão emergencial”, contou o diretor de uma escola da Grande São Paulo, de forma anônima, ao Uol.

Uma pesquisa divulgada nessa quarta-feira (29) pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) aponta que 48% dos estudantes da rede pública estadual já sofreu algum tipo de violência na escola, o que mostra o sucateamento da educação no país.

Pais de alunos em frente da escola Thomázia Montoro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A maior parte, 71%, disse saber de casos de agressão ocorridos na escola em que frequentam.

Para o sindicato, os números evidenciam o sucateamento das escolas e a realidade precária com a qual profissionais da educação e estudantes convivem. Esse cenário é marcado pela ausência de políticas preventivas, falta de profissionais nas escolas, como psicólogos, para identificar e tratar questões ligadas a potenciais casos de agressão, e um quadro de trabalhadores insuficiente para atender à demanda do país.

O professor de filosofia, Hugo Allan Matos, leciona em escolas estaduais paulistas e vê os ataques como uma tragédia anunciada e sistêmica. Para ele, a falta de cuidado com as pessoas no ambiente escolar, seja com alunos, professores ou funcionários, tem tornado a violência algo estrutural e sem controle algum.

“Muitos alunos têm medo de entrar no banheiro porque o tráfico de drogas está presente. Precisaríamos de mais segurança, mas que tenha treinamento direcionado, com a presença de psicólogos e psicopedagogos, que são anunciados pela Secretaria de Educação, mas não existem de fato”, analisa.

Elisabete Tenreiro, 71. Professora morreu em ataque na E.E. Thomazia Montoro, na Vila Sônia. — Foto: Arquivo Pessoal

Mediação escolar em falta

Em nota, a presidenta da Apeoesp e deputada federal, professora Bebel, lembra que ações como o programa de mediação escolar, criado em 2009 pela Secretaria da Educação a partir de proposta do sindicato, no qual professores e professoras trabalhavam na solução de conflitos e harmonização do ambiente escolar, foi abandonado.

Matos avalia que o assassinato da professora Elizabete dá sinais da situação dramática com a qual convivem os educadores e educadoras.

“Há uma sistemática desvalorização dos professores e da educação em geral. A figura do professor ficou extremamente fragilizada. O aluno que foi expulso de uma escola e transferido para outra por ter feito ameaça de ataque terrorista, deveria no mínimo ter sido acompanhado pelo Estado com ajuda de psicólogos e psicopedagogos e a família deveria ter sido chamada e assistida pelo Estado. Não é só tirar de um lugar e para outro, a escola não pode ser um depósito de jovens”, critica.

Psicólogos sem suporte

Pouco mais de um mês antes do atentado que provocou a morte de uma professora e deixou cinco feridos, na Escola Estadual Thomazia MApeoesp ontoro, nesta segunda-feira (27), o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) havia suspendido o programa “Psicólogos na Educação”. Foi o que revelou o jornalista Lucas Vasques, na revista Fórum.

A iniciativa colocava à disposição de todas as 5,1 mil escolas estaduais cerca de mil psicólogos para atendimento de professores e alunos. Os gestores das instituições de ensino foram avisados da medida no dia 6 de fevereiro.

Adolescente de 17 anos que foi apreendido após tentar atacar duas escolas em Monte Mor (SP). Foto: Polícia Civil

Escalada do extremismo de direita

Ao mesmo tempo em que o Estado precisa trabalhar melhorias na estrutura escolar, também é necessário adotar ações que combatam e punam os discursos de ódio fomentados pela extrema direita e que levam a muitos dos atentados, aponta a Apeoesp.

No Twitter, o professor e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara, destaque que “a sociedade brasileira lida com o problema de forma superficial e efêmera”, e que as “comunidades escolares permanecem desamparadas”.

Cara foi organizador do relatório “Ultraconservadorismo e Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no Brasil”, lançado em dezembro de 2022 e encaminhado ao grupo de transição da área de educação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O documento associa o aumento de atos de violência à escalada do ultraconservadorismo e do extremismo de direita no país, bem como à falta de controle e criminalização desses discursos e práticas. De acordo com o levantamento, ao longo dos anos 2000, foram registrados 16 ataques em escolas brasileiras, que resultaram na morte de 35 pessoas e deixaram 72 feridas.

Medidas preventivas

Editora do site El Coyote, que monitora grupos de extrema direita no brasil há 11 anos, e também colaboradora do relatório da Apeoesp, Letícia Oliveira, explica que comunidades específicas nas redes sociais cultuam quem comete atentados nas escolas e consideram ações violentas como os massacres de Suzano, em São Paulo, e Realengo, no Rio de Janeiro, marcos desse movimento.

Para ela, o monitoramento das ações e a atenção aos sinais de preconceitos são essenciais para identificar possíveis agressores.

“Uma das formas de prevenção é entender como funcionam os meandros desses jovens que cultuam assassinos em massa nas escolas e dar ferramentas que possibilitem a comunidade escolar perceber se os alunos e alunas estão sendo cooptados pela extrema direita ou estão frequentando algum tipo de comunidade. Muitas delas abertas e acessíveis a todos. Misoginia e racismo são sinais mais característicos de alguém com potencial para ataques”, recomenda.

Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), medidas como o fim dos programas de militarização de escolas, o desarmamento da sociedade, a promoção de políticas de saúde mental e a resposta firme aos discursos fascistas são medidas indispensáveis para prevenir atos terroristas.

Foto: Roberto Parizotti – Ato em São Paulo (SP) de desagravo a todas às vítimas de violência nas escolas

Para combater é preciso qualificar

A CNTE também definiu como estratégia a organização de um curso de formação sindical para capacitar os dirigentes sindicais e permitir que compreendem atuem diante do contexto político atual.

A secretária de formação da CNTE, Marta Vanelli, relata que o objetivo será oferecer ferramentas para que se encontre estratégias dentro da rede em que atua e resolver os diversos conflitos presentes na sociedade atual.

“Iremos preparar nossos dirigentes e a partir deles, qualificar também lideranças dos sindicatos locais como uma forma de responder a essa violência que cresceu muito nas últimas duas décadas e ajudar a construir um outro modelo de sociedade”, finaliza.