Além da omissão dos órgãos públicos, a presença do missionário religioso Steve Campbell, expulso pela Funai em 2018, dificultou o atendimento às meninas Jamamadi

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Pelo menos três meninas indígenas da etnia Jamamadi, com idades entre 9 e 12 anos, foram diagnosticadas com o vírus HPV, no sul do Amazonas. Os casos levantaram suspeitas de violência sexual, já que o HPV é uma doença sexualmente transmissível. As crianças não receberam o tratamento adequado, mesmo após os casos terem sido reportados à coordenação regional da hoje Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). A reportagem foi revelada por Tatiana Merlino, especial para Repórter Brasil e para O Joio e O Trigo, com colaboração de Murilo Pajolla.

O HPV é altamente contagioso e, nas mulheres, é o principal causador do câncer de colo de útero. Em crianças, a forma mais comum de contaminação é através do contato sexual. As meninas Jamamadi apresentaram lesões dentro da boca, compatíveis com infecção por HPV, de acordo com laudos médicos e documentos obtidos pela reportagem.

Um dos laudos também apontou outros sinais indicativos de violência sexual em uma das meninas, como secreção transvaginal, caracterizando outra doença sexualmente transmissível. A falta de investigação adequada, exames ginecológicos e atenção psicológica para investigar o histórico das crianças foram apontadas como falhas no atendimento.

A lei determina que, nos casos de crianças indígenas, a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) sejam acionadas, além do conselho tutelar e do Ministério Público Federal, para acompanhar o processo de escuta protegida. A omissão dos órgãos públicos, incluindo a Funai, dificultou o devido acompanhamento e proteção das crianças afetadas.

Durante o governo Bolsonaro, a Funai foi militarizada, com a presença de militares e policiais ocupando cargos de liderança. A coordenação regional de Lábrea, onde ocorreram os casos, teve diferentes coordenadores militares e as investigações não avançaram nesse período, de acordo com servidores da Funai.

Além da omissão dos órgãos públicos, a presença do missionário religioso Steve Campbell, expulso pela Funai em 2018, dificultou o atendimento às meninas Jamamadi. Campbell exerce influência sobre algumas lideranças da etnia, que afirmam que a assistência só poderá ser prestada após o seu retorno.