Apesar das fake news do governo afirmando que criou formas de melhorias e prevenção a violência sexual, na prática o que se vê é o oposto

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Por Hellen Sacramento

O broche de flor utilizado pelo ex-presidente Lula que viralizou na internet no último debate entre os candidatos à presidência, no domingo, 16, tem uma longa história. O símbolo é relacionado ao Faça Bonito, a Campanha Nacional de Mobilização de Combate à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes.

A partir da discussão gerada nas redes em torno da fala de Bolsonaro sobre “pintar um clima” com adolescentes venezuelanas de 14 anos, a pauta do enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes vem a tona e os cortes orçamentários no setor também.

Desmonte

Apesar das fake news do governo afirmando que criou formas de melhorias e prevenção a violência sexual, na prática o que se vê é o oposto. As reduções no orçamento no setor foram claras. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) teve uma redução de 70% durante a pandemia até o ano de 2021, com previsão de redução de 90% para o ano de 2023.

Durante o governo do PT, o investimento anual com serviços de proteção social especial estava acima de R$1.162 milhões. No atual governo foi reduzido em 6 vezes. O orçamento federal que seria para um único mês de serviços foi dividido para 2023 inteiro, dedicando apenas R$15 milhões no SUAS. 

“O que a gente tem efetivamente nos últimos anos é um pequeno avanço na legislação e um retrocesso gigantesco no orçamento para criança e adolescente, que deveria ser prioridade absoluta enquanto Constituição no Artigo 227”, relatou Gillard Laurentino, assessor técnico no Cedeca Casa Renascer e ponto focal do Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual, durante uma entrevista à Mídia NINJA. 

Gilliard enfatiza que todos os planos de enfrentamento a violência sexual que antes estavam em atuação foram reformulados erroneamente pelo governo federal sem a autorização do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda). A gestão Bolsonaro chegou a receber avisos por meio de documentos do Comitê Nacional para que o plano não fosse instaurado desta forma pois não incluía propostas de combate e nem trazia ações efetivas, mas foram ignoradas. 

“A gente não tem condições de trabalho de enfrentamento. A gente tem algumas legislações que surgiram nesse processo, como a Lei 3431, a Lei do Henri Bernardo […] são leis que surgiram para tentar melhorar esse enfrentamento e tentar dar condições, mas na prática o que os municípios, os estados e o governo federal colocam (de verba) são quantidades muito baixas que acabam dificultando o serviço”, disse Gilliard. Ele relatou também que na capital do Rio Grande do Norte alguns conselhos tutelares e CREAS não dispõem de internet, nem papéis e nem computadores. Mesmo com o respaldo legislativo, não há investimento e nem condições de trabalho para continuarem as ações.

Falta transparência

O canal Disque 100, que tinha acesso livre para os civis colherem informações sobre os casos no país, foi reformulado pelo governo, que afirmou ser um avanço interativo dentro da plataforma e os registros seriam migrados para outro sistema, mas não foi o que ocorreu, afirma Gilliard. O cadastro no banco de dados está restrito, o registro de novas informações locais não pode ser realizado. Os municípios não conseguem atualizar os seus dados e nem visualizar os anteriores. Sem informações sobre as cidades menores, os casos se dissipam sem denúncias registradas. 

Devido ao apagão nos registros governamentais sobre violência, não se tem como mensurar a quantidade de casos por localidade. O único portal oficial é o Datasus, registrado pela rede pública de saúde e cadastrado no banco do Sistema Nacional de Atendimento Médico (Sinam) que mesmo sendo automático ainda se tem dificuldade das pessoas preencherem. O Ministério da Justiça, em audiência pública em 2022, afirmou que somente 7% dos casos chegam a ser registrados no sistema e os outros 93% dos dados são perdidos. Não existe o destino das documentações e nem das pessoas que foram exploradas sexualmente no país. 

O Caso Bolsonaro

Durante uma entrevista a um podcast, o atual presidente Jair Bolsonaro relatou episódio com adolescentes venezuelanas: “Olhei umas menininhas… Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei”.

O relato repercutiu nas redes e inúmeros questionamentos foram levantados ao atual presidente da República, como qual a intenção do presidente ao dizer que “pintou um clima” com garotas de 14 anos? E se, de fato, tratrava-se de uma situação de prostituição infantil como Bolsonaro insinuou, o que foi feito pelo mandatário para responder à situação?

O caso segue repercutindo mal para a campanha de Bolsonaro, que tenta minimizar o ocorrido. Nesta segunda-feira (18), a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-ministra Damares Alves se encontraram, em segredo, com as líderes comunitárias do projeto social que atende as refugiadas venezuelanas nos arredores de Brasília, sobre as quais o presidente da República falou para tentar consertar o estrago causado pelo vídeo. 

Faça bonito

O projeto é realizado nacionalmente pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes em colaborações com a Rede Ecpat Brasil e as Redes Nacionais de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. 

A Campanha é uma alusão ao caso da boliviana Araceli, de 8 anos, que foi brutalmente estuprada e assassinada no Brasil, no dia 18 de maio de 1973. Os culpados saíram impunes. Logo em seguida, foi instaurada uma legislação para proteção infantil e instituído o dia 18 de maio como Dia Nacional do Enfrentamento a Violência Sexual, incluindo o abuso e exploração sexual infantil.  

O símbolo do projeto – flor representada em broche utilizado por Lula no debate – representa o cuidado e zelo que é necessário para o crescimento saudável e seguro, da mesma forma como as crianças precisam e merecem ser cuidadas.

Mobilize sua cidade

A campanha é livre, todos podem participar por meio de organizações não governamentais, privadas ou de forma pessoal. Como o projeto não conta com apoio financeiro para a distribuição de materiais, as pessoas podem buscar parcerias com instituições públicas ou privadas para esse suporte. As ações locais são realizadas pelas redes criadas pelas pessoas dentro dos municípios de forma autônoma e descentralizada. A campanha não impõe quais as ações são necessárias, mas pede que sejam comunicadas para que entre na agenda coletiva do site. A mobilização massiva ocorre nos meses de abril e maio, entretanto, durante todo o ano os eventos são disseminados e abertos por colaboradores, além da campanha permanente de conscientização para o enfrentamento da violência infanto-juvenil. 

A mobilização popular é importante para que as famílias e a sociedade observem mais o que está acontecendo dentro de suas casas e saibam como enfrentar os casos. As atividades do projeto também contam com auxílio de seminários ou discussões sobre a violência sexual. As redes nos municípios podem promover ações explicando às famílias quais são os direitos das crianças, quais os tipos de violências; quais leis protegem as crianças; e elucidar às crianças e adolescentes como eles podem relatar o que acontece em casa, na escola. 

Como incentivo para realizações de políticas públicas de enfrentamento, foi criado o Prêmio Neide Castanha, anualmente, no dia 18 de maio. estatueta criada pelo cartunista Ziraldo é destinada para as pessoas ou organizações que tenham um desempenho focado na promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes e no combate a violência sexual. A premiação é concedida em oito categorias, entre elas: Boas práticas no Enfrentamento à exploração sexual; Produção de conhecimento, Cidadania e Responsabilidade social.