Com o passar dos anos e após o enfrentamento de adversidades e perseguições, mulheres conquistaram um significativo espaço dentro do esporte

Foto: Reprodução Esportândia – Comemoração da norte-americana Brandi Chastain, após disputa de pênaltis contra a China em 1999, foi um dos momentos mais marcantes da história da Copa do Mundo de Futebol Feminino

Por Mariane Kairalla

Contexto histórico

O primeiro registro histórico da prática feminina de futebol é de 1895, ano em que uma partida foi disputada pelo time inglês “Mrs. Graham ‘s XI”. Entretanto, não existem grandes informações a respeito de tal acontecimento.

Ainda na Inglaterra, durante o período da Primeira Grande Guerra, as mulheres inglesas começaram a ocupar espaços, tidos como masculinos, em diversos cenários, inclusive no esporte. Devido à guerra, os homens foram convocados a se apresentarem em serviço no exército e a liga de futebol inglesa foi, temporariamente, suspensa.

As vagas de emprego deixadas em aberto pelos homens também foram ocupadas por mulheres. Por isso, em diversas fábricas britânicas, o esporte ganhou destaque por mérito dos torneios organizados entre os times de futebol formados pelas operárias.

Com a crescente popularidade do futebol feminino, surgiu uma grande preocupação entre os líderes e participantes da federação inglesa de futebol. Temia-se que o esporte, praticado pelas mulheres, ofuscasse a visibilidade do futebol masculino no pós-guerra. Assim, no dia 05 de dezembro de 1921, a primeira proibição ao esporte foi executada: a FA proibiu a prática de futebol feminino nos campos filiados à federação.

Essa proibição se deu sob a justificativa de que a prática feminina do esporte seria prejudicial à saúde e à fertilidade das mulheres. Esse veto espalhou-lhe pela Europa e só foi revogado em 1969, por pressão da FIFA.

Dick Kerr’s Ladies

Pioneiro no futebol, Dick Kerr ‘s Ladies F.C foi um dos principais times femininos na Inglaterra. Com um legado de 48 anos, disputou um total de 828 partidas, tendo ganho 758 delas.

Dick Kerr ‘s Ladies foi destaque no primeiro jogo internacional de futebol feminino. Com uma audiência de 25 mil pessoas, derrotou a França, por 2 a 0, com um time composto por mulheres operárias, formado dentro da fábrica Dick Kerr and Company Ltd. Enquanto os homens estavam na guerra, o time se destacou pelo talento das jogadoras.

Apenas um ano após a fundação do time, a FA proibiu as mulheres de jogarem futebol em seus campos filiados.

Foto: National football museum – Dick Kerr ‘s ladies

A proibição no Brasil

As primeiras partidas realizadas em nosso país aconteceram durante a década de 20. Nos jornais, a prática aparecia de forma singela e era tratada, na época, como atração de circo. A partir daí e até a década de 40, o futebol feminino era tratado às margens praticado, somente, nas periferias.

Diferentemente do feito em outros países, o governo brasileiro proibiu a prática do esporte como um todo, em forma de decreto, durante o governo de Getúlio Vargas, em 1941. Essa proibição se deu devido ao aumento da popularidade do futebol feminino durante as décadas de 30 e 40.

O art. 54 do decreto dizia “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Assim como os ingleses, o governo brasileiro considerou a prática do esporte prejudicial à fertilidade feminina.

Apesar das dificuldades, algumas mulheres, apaixonadas pelo esporte, se mostravam resistentes e, na tentativa de burlar as leis, se vestiam como homens para jogar.

A sociedade altamente conservadora da época repudiava a prática e defendia que homens e mulheres deveriam desempenhar diferentes papéis.

A história do futebol feminino no Brasil foi construída à base de resistência e amor pelo esporte. O decreto perdurou por 38 anos e o futebol feminino só foi legalizado, no Brasil, em 1979.

Mesmo depois de 44 anos da sua legalização, as consequências da repressão e do proibicionismo são sentidas pelas mulheres. Os anos perdidos atrapalharam a evolução do esporte e o futebol feminino, ainda hoje, está longe de receber a mesma valorização que é oferecida à prática masculina do esporte.

Pioneiras

Em uma entrevista recente, Marta disse emocionada que, no início de sua carreira, não tinha um ídolo ou uma referência no futebol feminino. Os jogos não eram televisionados, não existia visibilidade e nem identificação.

Entretanto, as mulheres, que hoje são lembradas como pioneiras, estavam lá, à procura de espaço, de respeito e da oportunidade de fazer o que mais amavam: jogar bola. Pouco se sabe da história dessas mulheres, poucas pessoas se lembram de seus nomes, mas o legado de cada uma perdura até hoje.

A primeira mulher a vestir a camisa 10 da seleção foi Roseli, durante a primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 1991. A meio-campista é, ainda hoje, inspiração para meninas e mulheres que sonham em calçar uma chuteira e fazer história.

A Camisa de número 10, que carrega um enorme peso, vem sendo utilizada pela rainha Marta, que jogou sua última Copa.

Foto: Reprodução – Jornal publicado em 1965

Elas provaram que pés femininos podem e devem calçar chuteiras. Pisando em gramados e trilhando caminhos de conquista e superação, marcaram gols e fizeram história, inspirando mulheres até hoje.

A primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino

Sediada na China, a primeira edição da Copa Mundial de Futebol Feminino aconteceu em 1991, após anos de proibição e depois de 61 anos do primeiro mundial masculino, tendo o Brasil já três títulos conquistados.

O país campeão do primeiro mundial foram os Estados Unidos, seleção que acumula quatro títulos das oito edições disputadas.

Nosso país conquistou duas medalhas em mundiais, ficando em terceiro lugar em 1999 e em segundo lugar no ano de 2007.

Copa do Mundo Feminina de 2023

Neste ano, Austrália e Nova Zelândia sediam a oitava edição da Copa Mundial de Futebol Feminino. Considerada a maior de todos os tempos, esta edição histórica ganhou maior visibilidade e tem sido pauta nas redes sociais.

Muitas são as diferenças entre a seleção de futebol feminina e a masculina. Maiores patrocínios, respeito e visibilidade giram em torno da seleção masculina, enquanto as talentosas meninas de nossa seleção tentam, ainda, conquistar espaço dentro dos campos.

Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, mais uma vez, jogou sem patrocínio em sua chuteira. Usando uma de sua marca (Go Equal) a jogadora pedia por mais igualdade dentro do futebol em sua última Copa.

Mesmo com sua saída precoce do mundial, a seleção brasileira de futebol consegue provar que, apesar dos obstáculos, com a determinação e a coragem de cada atleta, se pode chegar longe.

Desejamos que nossas meninas recebam o incentivo e o reconhecimento merecidos e que, em 2027, possam trazer o tão sonhado título para casa.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube