Uma longa história de confrontos dentro e fora de campo

França e Inglaterra em campo na Copa da Espanha, de 1982. Foto: Reprodução / FIFA World Cup

Por Rachel Motta Cardoso

Neste sábado, dia 10 de dezembro, às 16 horas, as seleções de Inglaterra e França se enfrentam em uma das partidas das quartas de final da Copa do Mundo de 2022 no Catar. Sem dúvida alguma é um dos jogos mais aguardados nesta fase! As duas seleções possuem uma história de rivalidade não apenas no futebol, mas em batalhas épicas que construíram personagens marcantes e conhecidos por todo o mundo.

Em mundiais, essa será a terceira vez que as equipes se cruzam. Nas duas vezes anteriores, os ingleses levaram a melhor. Em 1966, quando o time da Rainha conquistou seu primeiro e único título, a vitória sobre a França veio ainda na fase de grupos. Os ingleses venceram por 2 a 1 e com os gols marcados por Roger Hunt. O segundo confronto veio logo na estreia da Copa do Mundo da Espanha, em 1982 – aquela em que uma de nossas melhores seleções encantou, mas não ganhou –, e novamente os ingleses derrotaram os seus rivais, liderados por Platini, com três gols contra um. Agora, em 2022, as duas seleções se encontram pela primeira vez na fase de grupos.

França x Inglaterra em números

  • As seleções já se enfrentaram 31 vezes em Campeonatos Europeus e Mundiais.
  • Os ingleses levam vantagem com suas 17 vitórias contra 9 dos franceses.
  • Apenas 5 empates.

Os embates em outros campos…

A história de embates entre estes dois países é bem anterior à criação da Copa do Mundo, em 1930, que ocorreu no Uruguai. Sua origem nos leva ao ano de 1066, quando Guilherme da Normandia, o Conquistador, invadiu as ilhas bretãs e se declarou rei da Inglaterra. Desde a primeira batalha, em 1109, e a última, em 1815, foram trinta e duas guerras ao longo desses mais de sete séculos entre elas. Por pura coincidência ou não, a partida do dia 10 de dezembro será justamente a 32ª entre as duas seleções. Exatamente o mesmo número de batalhas envolvendo Inglaterra contra França. Infelizmente não podemos tratar minuciosamente todas elas, mas vamos dar mais atenção a uma em especial: a Guerra dos Cem Anos, que na verdade durou 116 anos, com seu início em 24 de maio de 1337 e seu fim em 19 de outubro de 1453.

Essa guerra terá uma relação direta com o ato de Guilherme, em 1066, quando conquistou o território que viria a ser chamado de Inglaterra. Ao mesmo tempo que era rei da Inglaterra, era também súdito do trono francês. A situação não seria diferente para seus descendentes. Foi justamente por conta desse problema das dinastias, que a Guerra dos Cem Anos teve início. Em 1328, o rei francês morre sem deixar herdeiros. Por essa razão, seu sobrinho Eduardo III, da Inglaterra, entendia que deveria ser o seu sucessor direto e, por isso, reivindicou o controle do território bem como a ascensão ao trono. O processo durou quase 10 anos, até que a Assembleia Francesa decidiu que outro nobre ocuparia o trono: Felipe VI, da Casa Valois. Eduardo III, então rei da Inglaterra, aceitou a decisão tomada pelos membros da Assembleia. O que ele não esperava é que houvesse um confisco de parte de seu território pelos franceses. Era o início da Guerra dos Cem anos…

Guerra dos cem anos em julho de 1378 em Mortagne, França. Uma representação do assassinato, de Owain Lawgoch.

A Guerra dos Cem Anos (1337-1453)

Este longo período que foi marcado por inúmeras batalhas costuma ser dividida em fases. Em um primeiro momento, que vai de 1337 a 1364 e é conhecida como Guerra Eduardina, temos a vitória dos ingleses, já que as tropas de Eduardo III deixam os franceses em defensiva. Após um curto período pacífico entre os países, a segunda fase apresenta o avanço das tropas francesas. São os anos de 1364 a 1380, conhecido também como Guerra Carolina, por conta dos avanços das tropas francesas do rei Carlos V, o Sábio. Um terceiro intervalo se dá entre 1380 e 1422, quando conflitos internos fragilizam ambos os países. Tanto na França quanto na Inglaterra, temos disputas entre aqueles que herdariam – ou deveriam herdar – a coroa, até que finalmente Carlos VI ascende na França e Henrique V na Inglaterra.

A última fase talvez seja a mais conhecida em função de uma personagem importante: Joana D’Arc. De acordo com parte da literatura a respeito desta figura histórica, a jovem guerreira camponesa teria liderado o exército francês entre 1429 e 1431. Joana D’Arc tinha aproximadamente 17 anos quando foi para o campo de batalha ao lado das tropas francesas e os guiando em inúmeras vitórias. Era um período complicado e os franceses vinham de inúmeras derrotas. Infelizmente, em 1431, Joana é capturada por borgonheses e vendida aos franceses para que fosse julgada e condenada à morta em uma fogueira em praça pública. Isso tudo se deu no período da Guerra Lancastriana, que teve seu início em 1422 e seu fim em 1453, marcando o encerramento da Guerra dos Cem Anos.

Defende-se que a França teria sido a grande vencedora desta Guerra, em função da sua unificação e da reconquista de seus territórios. Contudo, compreendemos que um dos pontos importantes do período é o fato de ambas as coroas se fortalecem nesse período, além de vermos a construção do que entendemos como um “sentimento patriótico” e a ideia de nação.

Pintura de Joana D’arc, entre o século XV e XX. Arquivo Nacional da França, de Vinzez Sozvr Zovzanza

Guerra dos Sete anos, outros conflitos e finalmente a paz

A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) envolveu não apenas franceses e ingleses, mas outros países com Prússia, Áustria, Portugal e Espanha. Os confrontos estavam diretamente relacionados com expansão de territórios, principalmente na América. As lutas se deram na América do Norte, Índia, Caribe, Filipinas e parte do continente africano. Desta vez, os ingleses foram os vitoriosos, conforme visto no Tratado de Paris e que, dentre outros acordos, determinou que a França cedesse parte do Canadá aos ingleses, além de vários outros territórios do norte do continente americano.

Novos confrontos seriam vistos no famoso Império Napoleônico, sobrando até para o Brasil, que teve que trazer a família real para o Brasil em 1808. A ideia de Napoleão Bonaparte era expandir os domínios franceses e, claro, atacar seu grande inimigo. Sua tentativa de invasão ficou conhecida como Batalha de Trafalgar, em 1805, mas as tropas francesas foram derrotadas. É aí que entra o Bloqueio Continental, logo no ano seguinte, em que o imperador francês determina que qualquer nação que estabelecesse relações comerciais com os ingleses, seriam invadidos pelas tropas napoleônicas. Com a derrota na Batalha de Waterloo, em 1815, e sua prisão e exílio na ilha de Santa Helena – que era uma possessão inglesa – terminava mais uma história de confrontos entre essas duas nações.

Por fim, o que realmente encerra os confrontos bélicos entre essas duas nações seria uma série de acordos que ficaram conhecidos como Entente Cordiale, assinados em 8 de abril de 1904. Eles significavam o fim da disputa pelas colônias africanas e da rivalidade entre os dois países.

Nota: Gostaria de agradecer ao meu colega Rodrigo Oliveira pelo incentivo para escrever essa matéria especial.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube