A ferramenta é um banco de dados gratuito que monitora 193 países membros da ONU e 47 territórios não independentes sobre questões LGBTQIAPN+ atualizados por segundo com mais de 100 tópicos de busca, 18 categorias e 6 grandes áreas.

Imagem: Valentini Petrovsky (print Database ILGA)

Por Valentini Luccan Petrovsky

A Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA World), com sede em Genebra, na Suíça, lançou ontem (22) uma ferramenta revolucionária para os movimentos em seu ativismo LGBTQIAPN+, além de ajudar jornalistas, pesquisadores, organizações de direitos humanos, classe política, dentre outros grupos voltados para a defesa dos direitos LGBTs. A ferramenta é um banco de dados gratuito que monitora 193 países membros da ONU e 47 territórios não independentes sobre questões LGBTQIAPN+ atualizados por segundo em 6 grandes áreas.

Pela primeira vez na história do ativismo LGBTQIAPN+, será possível acompanhar informações em tempo real e constantemente atualizadas sobre diversos temas relacionados à diversidade de gênero (transgênero, cisgênero, etc.), diversidade sexual (orientações sexuais) e diversidade corporal (intersexo) em todos os continentes do planeta. Isso inclui estudos e pesquisas produzidas por centros de pesquisa universitária em todo o mundo, desafios e retrocessos enfrentados pelos direitos humanos das pessoas LGBTQIAPN+, conquistas e progressos alcançados pelo movimento em relação a legislações, processos jurídicos, reconhecimentos e premiações, além de oportunidades para ativistas atuarem em diferentes frentes nacionais e internacionais em suas ações de advocacy. Anteriormente, ativistas enfrentavam dificuldades devido à fragmentação de dados espalhados em milhares de portais de notícias, sites e blogs em diversas línguas ao redor do mundo.

O ILGA World Database contém informações atualizadas sobre leis que afetam pessoas LGBTQIAPN+, com informações que podem ser filtradas em 18 categorias legais e mais de 100 tópicos. A ferramenta permite que você acompanhe a evolução de todos os órgãos de direitos humanos da ONU, monitore os prazos para se envolver com eles e integre qualquer entrada em pesquisa ou trabalho político. Permite também a visualização em mapas mundiais e regionais interativos, onde cada país, território e jurisdição do mundo tem seu próprio perfil com leis, futuras oportunidades de ativismo para defensores dos direitos humanos e uma seleção das últimas notícias LGBTI+.

De acordo com Lucas Ramón, Coordenador de Pesquisa e responsável pelo projeto de pesquisa da ILGA para a Agência Presentes: “esta base de dados foi criada para tornar o acesso à informação mais fácil. Nossa intenção é disponibilizá-la para ativistas, jornalistas, acadêmicos e qualquer pessoa que trabalhe pela causa em diversas áreas, a fim de reduzir o tempo gasto com a sistematização dessas informações”. Julia Ehrt, Diretora Executiva da ILGA World, comentou que “as organizações nos territórios geralmente têm recursos limitados para acompanhar os desenvolvimentos globais. Com a base de dados, elas podem encontrar informações que podem ser usadas em suas campanhas e ativismo. É uma fonte de informação poderosa em suas mãos”.

A base de dados também é muito útil para pesquisas e para a produção e análise de notícias. É uma ferramenta valiosa para o ativismo.

Imagem: Valentini Petrovsky (print Database ILGA)

Sobre o papel revolucionário para o ativismo LGBTQIAPN+

Uma ferramenta como essa pode proporcionar um salto qualitativo na maneira como o ativismo LGBTQIAPN+ tem sido feito até agora. Antes, levava meses e anos para reunir dados relevantes sobre tópicos, legislações, documentos, relatórios, notícias e pesquisas para influenciar o debate sobre políticas públicas em diferentes países. Por exemplo, reunir dados sobre violência para dossiês e relatórios ou fazer balanços sobre a conquista de direitos do movimento e comunidade LGBTI+ globalmente ou regionalmente. Agora, é possível realizar essas tarefas em menos tempo e com maior otimização.

As páginas das organizações de direitos humanos, do ativismo LGBTQIAPN+, de sindicados, partidos, coletivos, governos e demais espaços de luta política ou jurídica pelos direitos LGBTs, assim como editoriais jornalísticos, podem acessar uma valiosa fonte de informações em menos tempo e de maneira sistematizada por suas pautas ou interesse, com base na necessidade de cobrir acontecimentos mundiais, articular petições, parcerias, eventos e construir políticas públicas com base em projetos de lei em outras jurisdições ou decisões judiciais sobre temas em debate em seus respectivos países.

Para pesquisadores sobre estudos de gênero, sexualidade, medicina, biologia, antropologia, história, política, direito, sociologia, psicologia, economia, linguística, dentre outras áreas, é uma fonte enriquecedora para desenvolvimento de pesquisas ou estudos sobre a população queer, com base no banco de dados interno disponível em variadas línguas e que conecta quem pesquisa a muitos sites e centros de pesquisa.

Tópicos de pesquisa e uso da ferramenta

A ferramenta é dividida em 18 tópicos principais em uma área ligada a direitos humanos LGBTs, que chegam a cobrir em todo o planeta tudo a respeito:

1. Da luta pela descriminalização das relações consensuais de pessoas do mesmo sexo/gênero;
2. Da luta pela descriminalização das identidades e expressões de gênero;
3. Das barreiras legais a liberdade de expressão de pessoas LGBTQIAPN+;
4. Das barreiras legais a liberdade de associação e organização da luta LGBTI+;
5. Da proteção constitucional contra a discriminação a população queer;
6. Da proteção legal contra a discriminação ao fornecimento de bens e serviços;
7. Da proteção contra a discriminação na saúde;
8. Da proteção contra a discriminação na educação;
9. Da proteção contra o bullying escolar;
10. Da proteção contra a discriminação no emprego;
11. Da proteção contra a discriminação na moradia ou habitação;
12. Da lei sobre crimes de ódio;
13. Da proibição a incitação de violência, ódio e discriminação;
14. Da regulamentação das chamadas “terapias de conversão”;
15. Do casamento e uniões do mesmo sexo/gênero;
16. Das adoções por casais do mesmo sexo/gênero;
17. Das restrições em menores intersexuais;
18. Do reconhecimento legal das identidades de gênero.

Na área 2 da ferramenta, é possível ter acesso ao status e cumprimentos dos tratados de direitos humanos da ONU de todos os 193 países e seus respectivos territórios. Com isso, rastreia-se o status de ratificação dos Tratados Fundamentais de Direitos Humanos da ONU e seus protocolos, bem como a aceitação voluntária pelos Estados Membros da ONU das comunicações individuais e procedimentos de investigação estabelecidos para cada ‘Órgão de Tratado’ correspondente. Esses mecanismos representam oportunidades de advocacy junto aos comitês de especialistas que monitoram a implementação de cada tratado. Atualmente, o Sistema de Direitos Humanos da ONU tem nove tratados centrais com 9 protocolos, totalizando 18 fontes documentais.

Na área 3 da ferramenta, encontram-se os Estados Membros da ONU que receberam recomendações sobre questões relacionadas a orientações sexuais, identidades de gênero, expressões de gênero e características sexuais (SOGIESC) por Organismos de Tratados da ONU desde 2016, e suas atualizações em articulações com os comitês internos:

1. Comitê de Direitos Humanos (HRCtee);
2. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR);
3. Comitê dos Direitos da Criança (CRC);
4. Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW);
5. Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD);
6. Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD);
7. Comitê de Desaparecimentos Forçados (CED);
8. Comitê contra a Tortura (CAT);
9. Comitê de Trabalhadores Migrantes (CMW).

Na área 4 da ferramenta, aponta-se o monitoramento das recomendações nos chamados Procedimentos Especiais da ONU desde 2016, relacionados com a mesma temática (SOGIESC). Essas “recomendações” trazem um padrão específico de direitos humanos que os Procedimentos Especiais da ONU instam um Estado a cumprir. Nesse caso, os 193 países membros da organização.

Na área 5 do projeto, acompanha-se a Revisão Periódica Universal (RPU), que é um mecanismo único e abrangente de direitos humanos aplicados integralmente entre os países das Nações Unidas. É “universal” porque todos os 193 Estados membros da ONU estão sujeitos a ela. É “periódica” porque cada Estado é revisado a cada 4 ou 5 anos, e é uma “revisão por pares”, onde os Estados veem seu histórico de direitos humanos analisado por outros Estados membros. Do ponto de vista da sociedade civil, a RPU tem sido uma plataforma crucial para tornar visível uma ampla gama de violações de direitos humanos contra pessoas de diversas orientações sexuais, identidades de gênero, expressões de gênero e características sexuais em todo o mundo e para responsabilizar os Estados membros da ONU.

Por fim, na última área da ferramenta, trata-se do monitoramento dos registros e declarações de votação da ONU relacionados aos direitos humanos das pessoas LGBTI+, que atualmente está em construção. O banco de dados também rastreia os prazos para a apresentação de relatórios-sombra e outras contribuições para beneficiar ativistas que desejam se envolver com qualquer um dos mecanismos da ONU. Um rastreador de contagem regressiva informará quanto tempo resta para envios aos órgãos de tratados, procedimentos especiais e à Revisão Periódica Universal.

A ferramenta oferece também busca avançada, possibilidade de comparações entre jurisdições, uma aba de últimas atualizações no site e um gerador de mapas (em construção). Assim como um monitor agregador automático de fontes onde a ILGA World coleta, traduz, classifica e rotula o conteúdo gerado em todo o mundo relacionado às questões LGBTQIAPN+. Ele rastreia mais de 20.000 fontes em 70 idiomas diariamente, incluindo meios de comunicação, organizações da sociedade civil, universidades (e centros de pesquisa), organizações e grupos de detratores, bancos de dados jurídicos e sites governamentais.

Há outras iniciativas parecidas no Brasil e no mundo

Essa necessidade de uma ferramenta ou trabalho pensado para coleta de dados em perspectiva global ou regional já era executada pela ILGA com seus relatórios anuais, mas limitado aos países euro-asiáticos, e pelo Index LGBT da Human Rights Campaign Foundation, que já apresenta uma perspectiva de abrangência global. Assim como a Wikipédia com suas entradas sobre direitos LGBTs, sendo globalmente e diariamente atualizadas.

Essa iniciativa brasileira culminou nos últimos anos, especialmente de 2018 a 2023, no nascimento do projeto do Observatório Queer Global, que foi lançado em 01 de janeiro deste ano. Através de sua comunidade no WhatsApp, o Observatório já divulgou mais de 300 fatos documentados de até 48 países (além de territórios e notícias de abrangência global), incluindo conquistas, estudos, pesquisas, articulações, desafios e atos/ações simbólicas e efetivas da população e movimento LGBTQIAPN+ (incluindo articulações inimigas). Tudo isso foi possível graças à ajuda de uma pequena equipe, mas principalmente aos esforços de Valentini Petrovsky e Breny Machado.

Além disso, o Observatório mapeou mais de 70 portais de notícias LGBTs globais e mais de 40 portais auxiliares com seções LGBTs em seus editoriais jornalísticos. Antes disso, também foram divulgados levantamentos sobre as mais de 400 conquistas LGBTQIAPN+ de 2021 e as mais de 200 conquistas LGBTQIAPN+ até junho de 2022, em relatórios simples publicados e reportados em diversas mídias, incluindo a revista acadêmica ReDoC, a Revista Fórum, a Revista Cenarium e a Mídia Ninja.

Sobre a Coordenação do Banco de Dados da ILGA

O banco de dados da ILGA conta com a participação da NAFTEC, uma empresa dinâmica de desenvolvimento web com sede no Rio de Janeiro, no Brasil, liderada pelo fundador Nicolás Ferretti, que possui vasta experiência com mais de 10 anos como desenvolvedor web freelancer.

O banco de dados da ILGA conta com a participação da NAFTEC, uma empresa dinâmica de desenvolvimento web com sede no Rio de Janeiro, no Brasil, liderada pelo fundador Nicolás Ferretti, que possui vasta experiência com mais de 10 anos como desenvolvedor web freelancer.

A criação da ferramenta contou com o trabalho de centenas de ativistas LGBTQIAPN+ em uma equipe espalhada por vários países do mundo. Dentre os nomes citados nos créditos do banco de dados da ILGA, destacam-se:

• Eva Fontana: designer gráfica especializada em direitos humanos.
• Isis Alves: advogada brasileira e pesquisadora independente, atualmente em Genebra. É mestre em Direito Internacional e Europeu pela Universidade de Genebra e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
• Lucía Belén Araque: advogada, palestrante e pesquisadora argentina de direitos humanos.
• Bozhidar S: Designer e desenvolvedor full stack especializado em engenharia front-end.
• Kellyn Botha: Consultora de pesquisa na ILGA World da África do Sul.
• Rafael Carrano Lelis: Ph.D. pesquisador em direito internacional no Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), bolsista integral, pesquisando a produção de sujeitos LGBTI+ no discurso do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
• Saúl Castro: advogado galego e consultor jurídico especializado em direitos humanos, direito penal internacional, contencioso estratégico e direitos LGBTIQ+. Possui dupla graduação em Direito e em Ciências Políticas pela Universidad Autónoma de Madrid (UAM).
• Alejandro Mocada: Comunicador social e jornalista formado pela Universidade de Manizales (2021). Atualmente é consultor em pesquisa e monitoramento de mídia na ILGA World.
• Hanlu Hu: Consultora de monitoramento e pesquisa de mídia na ILGA World. Ela é uma jovem feminista com formação interdisciplinar em economia, comércio internacional e direito, empoderamento das mulheres e promoção da igualdade de gênero por meio da governança global.
• Tristán López: Ativista trans e pesquisador da Guatemala. É formado em literatura e filosofia e atualmente cursa mestrado em história contemporânea. Sua pesquisa se concentrou principalmente na violência e discriminação LGBT+ e em homens trans e comunidades com diversidade de gênero em áreas urbanas da Guatemala.
• Hazel Mokgathi: Feminista interseccional decolonial. Ela é uma Chevening Scholar 2021/2022 e mestranda em MSc Public Health – Health Promotion na Leeds Beckett University (Reino Unido). Ela é bacharel em Estudos de Justiça Criminal pela Universidade de Botswana.
• Francisco (também conhecido como Curro Peña): advogado e pesquisador especializado no estudo das questões da ‘SOGIESC’ com uma abordagem baseada no direito internacional dos direitos humanos. É doutor em Direito pelas universidades de Milão (Itália) e Málaga (Espanha).
• Diego Nicoli: advogade e pesquisadore não binárie e queer de direitos humanos do Peru. É bacharel em Direito pela Universidade do Pacífico (Peru) e seu trabalho tem como foco a proteção das pessoas LGBTIQ+.
• Dhia Rohaizad: consultor de Pesquisa Júnior da ILGA World. Ele atualmente está cursando mestrado em estudos de desenvolvimento pela Universidade da Malásia e é bacharel em Contabilidade e Direito Comercial pela Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia.
• Maria Borda: advogada argentina formada pela Universidade de Buenos Aires, especializada em Direito Internacional Público.
• Guillermo Ricalde: consultor da ILGA World, trabalhando em Procedimentos Especiais e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nascido e criado no México, é advogado, pesquisador e escritor especializado em direitos humanos e questões migratórias.
• Ilia Savelev: advogade não binárie, ativista e acadêmique russa de direitos humanos.
• Andrea Gamboa: advogada de direitos humanos, nascida e criada em Yucatán, México. Ela é bacharel em direito pela Universidade Autônoma de Yucatán (UADY).
• Jota Vargas Alvarado: especialista em direitos humanos e gênero, exerce a advocacia e área de pesquisa.

*Valentini Luccan Petrovsky é estudante de bacharelado em Ciências Sociais pela UFES, e Licenciatura em História pela Cruzeiro do Sul (ES), com especialidade para as áreas da Antropologia Cultural, História das Religiões, Esoterologia, Estudos de Gênero e Sexualidade. Membro(e) e ativista da Articulação Brasileira Não Binárie (ABRANB) e da Aliança Nacional LGBTI+; Embaixadore da TODXS; ecossocialista e defensore das pautas anti-opressão, dos direitos humanos e anticapitalista.