Por Alexandre Cunha

Provocadora, extravagante, original. Para muitos que adoram fechar-se em caixas, ela era esquisita, porra-louca, egocêntrica. Mas, para toda uma geração de pessoas em busca de empoderamento e libertação das amarras sociais, ela foi uma mulher com uma poderosa voz de contestação. Assim, o documentário “Fernanda Young – Foge-me ao Controle” tem um valor axiomático: ressoa a vida e a obra de Young, apresentando-a para novas gerações de leitores e espectadores.

Apresentando no festival É Tudo Verdade 2024, o filme teve um longo processo de gestação. Susanna Lira, diretora do documentário, quase desistiu da empreitada, por diversas vezes. Para sorte do público, Lira perseguiu o objetivo e nos entregou um filme criativamente caótico, que flerta com a psicodelia e o surrealismo, fazendo jus a tais características que eram próprias de Fernanda. A montagem faz uso de recortes, sobreposição de imagens, trechos de dezenas de obras que formam um interessante mosaico sobre a protagonista.

Como a própria Young se definia, antes de tudo, uma escritora, o documentário acerta ao estabelecer uma linha narrativa a partir de textos dos poemas da autora. Diferente da tradição clássica de documentário com entrevistas, a produção de Susanna Lira opta por deixar apenas depoimentos de Fernanda Young. Faz sentido: ela tinha muito a falar. Com relatos sobre existencialismo, saúde mental, processo criativo e, sobretudo, o amor, Young – ela própria – delineia o filme com sua visão sobre as coisas, permitindo-nos mergulhar em seu mundo.

Com um ritmo fragmentado, “Fernanda Young – Foge-me Ao Controle” faz uso de muitas obras e imagens de arquivo (não apenas produções da Fernanda); talvez seria interessante informar – através de legendas – os títulos dos filmes daquelas cenas que vemos projetadas. Há diversas produções de outros autores que apenas são citadas nos créditos finais do filme.

De qualquer forma, a grandiosidade dos pensamentos de Fernanda Young é a essência da obra. Suas reflexões sobre a depressão e o cuidado em cultivar a sanidade são lindas; o modo como fala da família, do parceiro Alexandre Machado e das suas filhas; tudo costurado com muito afeto, força e verdade. É um filme que, para quem já conhece, serve para voltar a se apaixonar pela artista Fernanda Young. Para marinheiros de primeira viagem, tenho certeza que a curiosidade e o desejo de conhecer essa artista serão despertados.

Não se deixe levar por minha
Tradução de My Funny Valentine,
Eu sou a mais escrota do bairro
De qualquer cidade.
Mas eu irei mudar meu cabelo,
E não será por você.
Vou te contar minha história,
E você irá achar que é mentira.
Tudo que posso te dizer é: Fique.
Hoje não é o nosso dia,
Mas fique.

 

(Trecho do poema “Nada é bom para mim, aprenda”, presente no livro A mão esquerda de Vênus).

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Festival É Tudo Verdade 2024

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