Governo Bolsonaro manobrou para liberar R$ 5,6 bi para o orçamento secreto, e corta investimentos para a saúde, cultura, ciência e tecnologia

Farmácia Popular atende mais de 21 milhões de brasileiros com medicamentos gratuitos. Foto: Divulgação

Enquanto as atenções em Brasília estavam voltadas para os atos políticos do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou para editar decreto que abre caminho para desbloquear antes das eleições R$ 5,6 bilhões em emendas que sustentam o orçamento secreto, esquema de transferência de verbas a parlamentares sem transparência.

Para garantir mais recursos para o orçamento secreto, que é gerenciado pelo presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, o governo Bolsonaro cortou em 59% o orçamento em 2023 do programa Farmácia Popular, que atende mais de 21 milhões de brasileiros com medicamentos gratuitos. As despesas para atendimento da população indígena também sofreram uma “tesourada” de 59%.

Na contramão do corte desses programas, as emendas de relator incluídas no orçamento da saúde cresceram 22%. As emendas parlamentares individuais e de bancada impositivas (que o governo é obrigado a executar) aumentaram 13%.

A edição do decreto por Bolsonaro dribla as negociações no Congresso, capitaneadas pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para devolver MPs que adiaram o pagamento de despesas vinculadas à cultura, ciência e tecnologia, já que usa o espaço aberto no Orçamento para incrementar as emendas do orçamento secreto.

Conforme informações da Agência Estado, como as MPs têm efeito de lei, o governo já pode usar o espaço aberto por elas para liberar as emendas de relator com base no decreto. Segundo o Estadão, sob pressão para devolver as MPs, Pacheco decidiu segurar a tramitação das medidas e cobrar a solução do Ministério da Economia.

Corte na Saúde

A parcela gratuita do Farmácia Popular é voltada para medicamentos de asma, hipertensão e diabetes. Em 2022, as despesas com a gratuidade do programa prevista no Orçamento somaram R$ 2,04 bilhões. Já no projeto de Orçamento de 2023, o governo previu R$ 842 milhões: corte de R$ 1,2 bilhão.

Os gastos para a saúde indígena foram cortados em R$ 870 milhões, sendo previstos em R$ 610 milhões em 2023 – ante R$ 1,48 bilhão em 2022.

O levantamento foi feito por Bruno Moretti, assessor do Senado e especialista em orçamento da saúde. Os dados completos serão publicados em Nota de Política Econômica do Grupo de Economia do Setor Público da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Não há dúvida: o que a equipe econômica fez foi reduzir todas essas despesas para incorporar as emendas. Para caber as emendas RP-9 (de relator), estão tirando medicamentos da Farmácia Popular”, disse Moretti ao Estadão. “(Com o programa) O parlamentar não consegue chegar lá na ponta e dizer que o remédio que o paciente pegou de graça é fruto da emenda dele.”

Cultura e tecnologia

No final do mês passado, Bolsonaro já havia editado medidas provisórias que prejudicaria o orçamento voltado para a cultura, ciência e tecnologia.

Com as medidas, o presidente adia o pagamento dos incentivos financeiros ao setor cultural previstos nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. O texto determina que alguns repasses comecem a ser feitos somente em 2023 e outros só em 2024. Além disso, dificulta a transferência dos valores ao condicioná-la à observância de disponibilidade orçamentária e financeira.

Pela Lei Paulo Gustavo, a União ficou obrigada a repassar R$ 3,862 bilhões aos Estados e aos municípios para ações voltadas ao setor. A medida provisória joga esse prazo para 2023, autorizando ainda que o repasse se estenda para 2024, caso não seja executado integralmente em 2023.

Em outra medida provisória, Bolsonaro limita o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e abre espaço no orçamento entre 2022 e 2026 para outras despesas. O Congresso já havia aprovado a proibição de bloqueio de recursos do fundo.

Pedalada fiscal

O decreto, publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de terça (6), altera as normas orçamentárias e dá liberdade ao governo para fazer bloqueio e desbloqueio de dotação orçamentária antes mesmo da apuração do próximo e último relatório do ano de avaliação bimestral.

Pelos cálculos do especialista em Orçamento e assessor legislativo do Senado Bruno Moretti, as duas MPs permitem o desbloqueio de R$ 5,6 bilhões de emendas do orçamento secreto. Ele preparou um relatório na semana passada apontando esses valores com impacto imediato na “pedalada” das despesas da cultura e de ciência e tecnologia.

O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, senador Jean Prates (PT-RN), afirmou ao Estadão que o decreto é mais uma afronta à decisão do Congresso que aprovou as despesas de cultura e ciência e tecnologia. Segundo ele, o decreto será contestado com a apresentação de um decreto legislativo e de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). “O governo faz um movimento serial de quem não aceita derrotas legítimas no Parlamento”, disse. “Eles se aproveitam do momento de feriado nacional e da questão eleitoral e que não se consegue deliberar ”

“Mesmo sem a tramitação das MPs para a Câmara, elas estarão em vigor e darão o suporte para o Ministério da Economia liberar os limites para as emendas de relator sem aguardar o relatório de avaliação, tendo em vista o decreto”, alerta Moretti, que acompanhou a aprovação pelo Congresso das medidas que destinavam recursos para a cultura e o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, postergados pelas duas MPs.

Moeda política

A edição das duas MPs foi uma demanda do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). O orçamento secreto é usado como moeda de troca das negociações políticas em curso não só das eleições deste ano, mas também para as presidências da Câmara e do Senado em 2023.

Autora da Lei Aldir Blanc 2, que previa R$ 3 bilhões no ano que vem e teve o repasse adiado para 2024, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), afirmou: “Estamos lutando pela devolução sumária das medidas provisórias, a começar pela da cultura. Se for de fato devolvida, o governo vai ter de repor o recurso. Se ele tentou passar a gente para trás, ele é que vai ser passado para trás porque vai ter de repor imediatamente o dinheiro”.

Com informações do jornal O Estado de S. Paulo

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