Denúncia foi feita pela mãe do menino de 11 anos sobre agressões e ofensas de alunos e pais de uma escola particular em Bauru, SP

Foto: Reprodução

Por Isabel Côrtes

Em uma escola particular em Bauru, no interior de São Paulo, uma mãe denunciou casos de agressões e ofensas contra seu filho, um menino de 11 anos, com Transtorno do Espectro Autista leve. Segundo ela, o menino foi matriculado em fevereiro deste ano e desde então sofreu uma série de agressões, físicas e psicológicas, cometidas por alunos e pelos próprios pais.

Segundo relato, um dos primeiros casos aconteceu na festa de carnaval da escola quando o filho de uma professora agrediu a criança e teve que ser contido pela mãe. A mãe da vítima afirma que não foi notificada pela escola sobre a agressão e que foi através de seu filho que tomou conhecimento sobre o ocorrido. Em depoimento, ela conta que as agressões não pararam, outras crianças passaram a atacá-lo e durante todo o primeiro semestre do ano o bullying fez parte da rotina do menino.

“Diante do contexto de violência dos pais e dos seus filhos, a escola foi omissa, procrastinou sobre o processo de inclusão escolar, criou obstáculos para que o meu filho permanecesse matriculado, e nos pressionou a deixar a escola”, afirma a mãe da criança em depoimento para a Mídia NINJA sobre as respostas obtidas após suas tentativas de conversa com a mantenedora da Escola. “Ela disse ainda que não é obrigada a cumprir essas leis de inclusão, porque a escola dela é particular”.

Lei Brasileira de Inclusão

A Lei mencionada é referente à Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), em vigor desde 2016 no Brasil. Segundo ela, todas as escolas públicas e privadas são obrigadas a incluir crianças com deficiência no ensino regular, não apenas acolhendo-as, como certificando-se de fazer as adaptações necessárias de acordo com as condições e necessidades de todos os alunos, sem nenhum aumento do valor da mensalidade ou matrícula.

Em entrevista para o Mídia NINJA, a Dra. Laiana Quagliato, médica psiquiatra especializada em crianças e adolescentes, defendeu a importância da compreensão do TEA e das adaptações do ambiente escolar, desde os espaços físicos até a didática, compreendendo a condição de cada criança.

“É fundamental que no ambiente escolar haja a constante capacitação dos funcionários da escola, inclusive daqueles que não são educadores. Isso é importante para que eventuais comportamentos comuns das crianças com TEA não sejam tomados como “mal comportamento” desencadeando punições, orientações equivocadas e até bullying por parte dos profissionais da instituição”, afirma a psiquiatra.

Pais de alunos também participaram das ofensas

Diagnosticado há mais ou menos um ano, a criança tem acompanhamento de uma terapeuta, que tentou ir à escola para esclarecer a condição do menino e explicar para as outras mães algumas dificuldades que o autismo trazia, como a de socialização. Apesar disso, a resposta não foi boa, a profissional afirma ter sido recebida com hostilidade e ainda questionada se o menino estava de fato apto para frequentar uma escola. Além disso, o pai de uma das crianças chegou a chamar o menino de psicopata, o que foi registrado em ata.

Foto da ata da escola que mostra quando o pai de outro aluno chamou o menino de psicopata. Foto: Reprodução

“Ele disse que o filho dele nunca teve nenhum conflito com o meu filho, mas ele estava preocupado e, resolveu, por si só, “classificar/diagnosticar” meu filho como uma criança com quadro de “psicopatia infantil”, afirma a mulher. “Acredito que ele sequer é da área, e, ainda que o fosse, não pode dizer esse tipo de coisa. Autistas são vítimas históricas da política manicomial vigente no Brasil, tido como loucos e termos pejorativos afins”.

Sem mais saída, após o alerta da terapeuta sobre a piora da saúde mental e do tratamento do filho, em setembro, a mãe do menino abriu o processo de transferência da escola. “Ele não conseguia mais frequentar as aulas, entrava em pânico, chorava muito quando amanhecia o dia e ele lembrava que teria que se arrumar para ir a esta escola”, afirma ela. Logo depois, a mulher também procurou a polícia para registrar um boletim de ocorrência contra a escola e contra o pai da outra criança, que chamou seu filho de psicopata. Segundo ela, até o momento não teve nenhum retorno, nem da escola, nem da polícia.

A Mídia NINJA entrou em contato com a escola, que afirmou que “questões pedagógicas envolvendo nossos alunos são tratadas no âmbito da escola e junto às autoridades competentes”. Além disso, registrou “que a escola e seus prepostos primam pela prestação de serviço com excelência, causando estranheza as acusações”.

“Meu caso não é o único, infelizmente”

“É necessário lembrar que cada criança do espectro autista é única e tem as suas próprias características, então, o processo inclusivo dentro do ambiente escolar não será idêntico para duas crianças do espectro. Cada uma delas terá as suas particularidades e para entender isso é fundamental conversar com os pais e cuidadores”, acrescenta a Dra. Laiana.

A mãe do menino afirma que não foi a primeira vez que ele teve problemas de discriminação em escolas: “Por ele ser autista, ele se torna um alvo fácil, por ser vulnerável, e as escolas particulares de Bauru são completamente despreparadas. Bullying é algo que consideram normal por aqui. Meu caso não é o único, infelizmente. Muitas mães atípicas contam coisas diariamente.”

A deputada estadual, Andrea Werner, eleita em 2022 pelo estado de São Paulo, é também uma ativista brasileira em defesa de uma sociedade mais inclusiva. Fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, criado para acolher e ajudar mães atípicas e incentivar a conscientização sobre o autismo, Andrea também é mãe de um menino autista.

“Dá uma dor, porque a gente sempre lembra de situações que nossos filhos passaram”, afirma a deputada. “Eu lembro que a primeira vez que meu filho teve uma matrícula de escola recusada ele tinha 2 anos e usava fraldas. Foi só eu mencionar que ele tinha acabado de ser diagnosticado com autismo que a matrícula sumiu”.

A deputada ainda afirma a necessidade de denunciar casos como esse para que as mudanças na educação e na sociedade como um todo aconteçam. “Esse tipo de situação mostra como os nossos filhos com deficiência ainda são vistos como cidadãos de segunda classe”, acrescenta. “A gente pode ter um monte de leis aprovadas, mas a gente está em uma sociedade capacitista, que não vê os nossos filhos como cidadãos que têm os mesmos direitos que todos os outros”

O direito a educação é de todos

Além de ser defendida pela lei, é fundamental que as instituições, sejam elas públicas ou privadas, estejam abertas às adaptações e mudanças necessárias, que devem ocorrer em parceria com profissionais qualificados e com as famílias das crianças. “Devemos nos lembrar que as crianças são sujeitos de direitos, dentre eles o direito à educação. A inclusão de crianças do espectro na escola irá promover um ambiente mais rico para todos”, alerta a psiquiatra Laiana Quagliato.

Enquanto aguarda alguma resposta, a mãe conta que continua enfrentando os traumas e consequências que as agressões trouxeram, tanto para ela como para o filho.

“Eu me sinto completamente impotente diante da crueldade dessas pessoas, sinto-me anestesiada, uma dor lancinante no peito, uma angústia, como se eu e meu filho não merecêssemos nenhum tipo de respeito ou consideração, apenas merecêssemos ser enxotados, somente pelo fato de ele ser autista e ter suas deficiências”, conclui.