Mina está situada entre os municípios de Novo Progresso e Altamira, no sudoeste do Pará

Foto: Serabi Gold

Uma investigação da Unearthed e parceiros descobriu que a britânica Serabi Gold está minerando ouro na Amazônia sem a permissão da Agência Federal de Terras, em terras disputadas, com licenças contestadas por agências estaduais, e antes que uma comunidade indígena próxima tenha sido devidamente consultada.

A mina de Coringa está situada entre os municípios de Novo Progresso e Altamira, no sudoeste do Pará. O empreendimento pertence a Chapleau Exploração Mineral Ltda., companhia listada na Bolsa de Valores de Londres e Toronto da Serabi. A previsão inicial de vida útil da futura mina subterrânea é de 12 anos. A produção na fase de operação é até 750 ton/dia de Ouro e Prata e 32 mil onças = 995,31 kg Ouro/ano, de acordo com informações da empresa.

A disputa pela terra

A terra onde está situada a mina de Coringa tem um passado complexo: até 2003 fazia parte da Terra Indígena Baú, onde vive o povo Kayapó Mekrãgnoti. Mas, após anos de intensos conflitos, o governo cedeu à pressão de posseiros, madeireiros e garimpeiros locais e retirou um pedaço de 3.000 quilômetros quadrados do território de Baú. Em 2006, a maior parte desse pedaço de terra foi convertida pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em um “assentamento de uso sustentável” chamado PDS Terra Nossa. De 2007 a 2011, no entanto, o assentamento foi suspenso periodicamente devido a uma ação judicial citando falhas no processo de licenciamento ambiental de cerca de 100 assentamentos no Pará.

Em meio a esse turbilhão obscuro de direitos contestados, chegou a Chapleau, uma mineradora canadense de ouro comprada em 2017 pela Serabi Gold. O Incra diz que Chapleau assinou contratos de “pesquisa mineral” em 2007, 2013 e 2016 com a família de Benedito Gonçalves Neto – que o Incra diz não serem “reconhecidos por [ela] como beneficiários ou ocupantes legítimos do projeto”.

Em um relatório de 2017 sobre grilagem e mineração no assentamento, a agência de terras diz que o chefe da família, Neto, reivindicava fraudulentamente uma enorme área de 68 quilômetros quadrados ao registrá-la como uma série de lotes menores contíguos em nome de seus familiares. A terra não foi fisicamente dividida ou cultivada, e Neto e sua família nem moram lá, diz Incra. Em resposta ao Unearthed, Antonio Carlos Machado Matias, sócio de Neto, confirmou que ele e Neto moram na Bahia, a quase 2.000 km de Coringa, mas disse que moraram na região até 2010. O relatório da agência de terras concluiu que Neto e associados não eram proprietários legítimos e apenas se dedicavam a ganhar royalties da mineração de ouro na terra.

O pagamento dos royalties

O código de mineração do Brasil permite que as empresas assinem acordos com “os proprietários ou ocupantes” da terra durante o período de exploração da mineração e paguem royalties, independentemente de poderem provar que são proprietárias da terra.

O contrato mais recente, de julho de 2016, estabelecia que a mineradora Chapleau – posteriormente comprada pela Serabi – pagaria aos parentes de Neto um pagamento único de R$ 21.428,00 mais pagamentos mensais de R$1.428,00 e royalties do minério extraído. Em troca, a empresa poderia fazer o que quisesse na área, incluindo pesquisa e mineração de minério, desmatamento, coleta de água e construção de lagoas de rejeitos, edifícios e uma planta de processamento.

Na investigação, a Unearthed afirma que a Serabi suspendeu os pagamentos a Neto quando a empresa comprou a Chapleau, em 2017, porque Neto não tinha comprovação da propriedade da terra. Mas, por e-mail, o Incra também confirmou ao Unearthed que “até o momento, o Incra não autorizou operações de pesquisa e mineração no PDS Terra Nossa”, e também não está recebendo pagamentos da Serabi. Com isso, a investigação concluiu que a empresa não está pagando os royalties ou taxas a ninguém.

“Nem temos mais diálogo com a Serabi”, disse Antonio Matias, sócio de Neto, acrescentando que a Serabi interrompeu os pagamentos assim que comprou a Chapleau. “Eles deveriam estar nos pagando royalties”, acrescentou. “[Mas] como existe um decreto do Incra, não tenho como dizer que tenho domínio sobre a área. Então, o que posso fazer? Nada.”

Depois que o Unearthed entrou em contato com a Serabi, ela divulgou um comunicado aos investidores reconhecendo que a propriedade do terreno em que Coringa está localizada “tem sido sujeita a vários desafios ao longo dos anos”. O comunicado não mencionou o assentamento Terra Nossa e alegou que o Incra ainda não havia “determinado o legítimo titular do título”. Dizia: “o pagamento será feito ao titular apropriado assim que o título for formalmente confirmado”.

O Ministério Público Nacional (MPF) alegou que Chapleau não consultou adequadamente a comunidade Kayapó Mekrãgnoti, que vive na terra indígena Baú, a sete quilômetros de distância, antes de começar a explorar. O Ministério Público abriu um processo judicial para parar a mina em 2017, citando o risco de poluição do rio Curuá, que corta a Terra Indígena Baú. Para os Kayapó, argumentou o promotor, o rio proporciona “grande biodiversidade aquática, da qual os indígenas dependem para sua sobrevivência, além do uso da nascente para todo o seu ciclo de vida tradicional”.

Em dezembro de 2021, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou que a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) deveriam “abster-se de conceder qualquer licença ou autorização ao Projeto Coringa” até que a empresa concluísse uma consulta à população indígena. Segundo Serabi, um relatório final sobre a consulta será apresentado às autoridades “nas próximas semanas”.

Apesar da decisão judicial, as duas agências renovaram as licenças da Coringa em agosto do ano passado. Em e-mail enviado ao Unearthed, a Semas disse que se tratava de uma renovação automática, não de uma nova licença. A ANM informou que sua licença já havia sido renovada, também “automaticamente”, mas expirou em 7 de fevereiro e não voltou a ser renovada após essa data, devido à decisão judicial. “Não há autorização atual para mineração nessas áreas”, afirmou o órgão, que disse que a empresa foi notificada da decisão em 8 de fevereiro.

Em um e-mail, a Serabi disse que “opera e cumpre o marco legal de mineração brasileiro, temos todas as licenças necessárias para nossa operação de mineração experimental em Coringa e estamos completamente confortáveis com nossa posição legal e comportamento em relação à propriedade de terras em disputa em andamento dentro da qual Coringa se encontra. A Serabi atua no Estado do Pará há mais de 20 anos e continua comprometida em trabalhar com todas as partes interessadas, apoiar as comunidades locais e operar de forma ambientalmente sensível”.

Felício Pontes Junior, promotor de Justiça que acompanha a ação no Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o caso demonstra que algumas empresas estrangeiras podem mostrar desrespeito aos direitos indígenas e às leis locais.

“Espero que haja uma punição exemplar a essa empresa e que isso sirva de exemplo para as demais mineradoras, principalmente as estrangeiras, que hoje se instalam na Amazônia sem respeito aos direitos básicos dos povos tradicionais.”