Indicado à categoria de Melhor Fotografia, o filme de Pablo Larraín coloca para nós que além de entender o personagem do Augusto Pinochet como alguém ora debilitado, ora viril, é preciso ir além do corpo e pensar o mandatário também como política, que insiste em não morrer

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Por Gabriel Rocha

Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia, o filme “O Conde”, de Pablo Larraín faz jus à indicação. A produção feita em preto e branco conta com voos do vampiro Pinochet sob paisagens pacatas e espaçadas, o que dá um efeito na produção.

Além do lado estético, o longa de Larraín conta também com o aspecto político. Ele é mais um dos filmes latino-americanos que falam sobre os períodos ditatoriais da segunda metade do século passado, mas não apenas, ele conta com o trunfo de ser lançado no ano em que o golpe militar chileno completa 50 anos, 1973-2013.

O diretor chileno não é estreante na hora de mexer com os traumas da sociedade chilena, na produção de “No”(2013), indicado ao Oscar de Melhor filme Estrangeiro de 2013, Larraín conta a história do plebiscito que marcaria a transição do período ditatorial para a redemocratização. Já em “Tony Manero”(2008), o personagem principal usa sua inspiração em “Os Embalos do Sábado à Noite” para fugir da violência pinochetista.

Já em “O Conde”, o diretor traz para o plano central o general Pinochet como um vampiro com mais de 250 anos e que necessita de sangue- se for dos trabalhadores, melhor- para continuar sobrevivendo, mas que já apresenta sinais de cansaço de decide morrer. Para organizar o inventário, a família contrata uma contadora, Carmen(Paula Luchsinger).Infiltrada, a personagem de Paula foi designada pela igreja católica na função de exorcizar o conde.

A história se desenrola através desses marcadores e faz um exercício de misturar importantes aspectos de memória, história e também conjuntura chilena. Ao longo da trama outros vampiros vão aparecendo, é o caso de Fyodor, o mordomo russo que fugiu do seu país de origem quando os bolcheviques chegam ao poder, e também a mãe de Pinochet, Margareth Thatcher, ex- primeira ministra da Inglaterra. O parentesco se faz interessante quando ligamos a história e notamos a proximidade de Londres com Santiago em momentos chave da história da sul-americana. O ditador chileno, por exemplo, foi um importante aliado de Londres quando estourava a Guerra das Malvinas, conflito armado entre Argentina e os ingleses. A proximidade não para por aí, com o digno amor maternal, só que na vida real, Margareth pronunciou que estava entristecida com a morte do chileno, em 2006.

Os estreitos laços entre a terra da rainha e o país andino continuam quando na mesma época, a política adotada pelos seus respectivos líderes foi a do neoliberalismo, com o intuito reduzir gastos públicos e transferi-los ao setor privado, redução de proteções sociais, como a previdência. A diferença entre os dois países foi como isso foi colocado em vigor. Se os chilenos vinham de um momento de importante agito social causado pela chegada ao poder de Salvador Allende e a Unidade Popular, a via chilena ao socialismo, como dizia o próprio Salvador, e que veio acompanhado de uma agitação popular com greves e nacionalizações de empresas privadas. A contra revolução chegou encarnada no general que mencionava que não trairia um presidente eleito, mas que no dia 11 de setembro de 1973 bombardeava o Palácio de La Moneda e, em seguinte, praticava todo tipo de violência contra sua população.

Do lado thatcherista, não faltou conflito, só quem uma dose muito menor do seu aliado político. A ex-primeira-ministra chegou batendo de frente com o movimento sindical inglês que vinha de algumas vitórias conquistadas no período anterior, nos anos de governo do Partido Trabalhista. Um dos pontos altos desse conflito se dá quando estoura a greve dos trabalhadores das minas de carvão, em 1984. A greve dura 16 meses entre 84 e 86, e os trabalhadores ingleses saem derrotados e sem emprego, já que um dos estopins da greve era de que a importação do carvão era mais barata do que a produção em solo inglês, daí o fechamento das minas.

A lacuna deixada pelo ‘O Conde’, em sua conexão com a realidade, impõe uma inquietação, já que no filme, ainda quando em preto e branco, o desejo de Pinochet era o de morrer, porém, parte final não passar de um flashback da narradora, Thatcher, que já no presente, aparece com o seu filho rejuvenescido em frente a Escola das Américas, importante local de tortura. Na vida real a localidade teve a função projetar o modo de tortura para todas as ditaduras latino-americanas, do Uruguai a Guatemala.

À espera pela morte que não vem pode nos ajudar a compreender esse personagem de Pinochet como um corpo envelhecido, mas que carrega consigo a política, e que não se trata mais da matéria, mas desse potencial que ela consegue impactar a sociedade chilena. Afinal, elementos de sua época que ainda continuam intactos e que foram pautadas pelas últimas manifestações. Afinal, se hoje a Escola das Américas é um simpático hotel no Panamá, a metodologia ainda está vigente, já que nas últimas manifestações os ‘carabineros’ tinham artífice atirar nos olhos dos manifestantes. Ou seria também, o fato da membra da igreja no filme acabar se tornando um vampiro igual a Pinochet, e em sua conexão com a realidade acaba também sendo questionada pelos próprios manifestantes nas ruas de Santiago e como resultado, algumas basílicas acabam queimadas.

Se Pablo Larraín teve esse cuidado ao fazer essa conexão com a realidade chilena, isso só ouvindo o diretor para nos dar certeza, mas você pode tirar suas conclusões de “O Conde” na Netflix. Ah, não se esqueça, se municie de dentes de alho porque os vampiros estão à solta.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024