A cobertura da mídia ocidental da guerra na Ucrânia tem reforçado o padrão racista costumeiro dos meios de comunicação de massa europeus e norte-americanos e em especial nas coberturas de guerra.

O correspondente estrangeiro da CBS News, Charlie D’Agata, afirmou na semana passada que a Ucrânia “não é um lugar, com todo o respeito, como o Iraque ou o Afeganistão, que tem visto conflitos violentos por décadas. Esta é uma cidade relativamente civilizada, relativamente europeia – tenho que escolher essas palavras com cuidado também –, uma cidade onde você não esperaria isso, ou esperaria que isso acontecesse”, afirmou ao vivo na TV.

“Se D’Agata está escolhendo suas palavras com cuidado, eu estremeço ao pensar em suas declarações improvisadas”, criticou o escritor Moustafa Bayoumi, em coluna no The Guardian. “Afinal, ao descrever a Ucrânia como ‘civilizada’, ele não está realmente nos dizendo que os ucranianos, ao contrário dos afegãos e iraquianos, são mais merecedores de nossa simpatia do que iraquianos ou afegãos?”.

A migração de estrangeiros é um dos grandes temas da cobertura do conflito na Ucrânia desde 24 de fevereiro com o ataque da Rússia no país. O número de refugiados da guerra já chegou a 1 milhão de pessoas, segundo novo informe da Organização das Nações Unidas (ONU). O alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) também estima que o número possa chegar a 4 milhões se a guerra continuar. Os países fronteiriços não estão permitindo a entrada de imigrantes de países do continente africano e do sul asiático.

Para além do conflito nas fronteiras, a própria guerra no interior de Kiev também tem provocado comentários racistas e xenofóbicos, como a do ex-procurador-geral ucraniano, que disse em TV ao vivo: “É muito emocionante para mim porque vejo europeus com olhos azuis e cabelos loiros sendo mortos todos os dias”. O apresentador da BBC ainda chegou a responder: “Eu entendo e respeito a emoção”.

A indignação com a cobertura imediatamente se espalhou nas redes. O correspondente Charlie D’Agata, citado no início deste texto, rapidamente se desculpou mas está longe de ser o único criticado. Na TV BFM da França, o jornalista Phillipe Corbé afirmou sobre a Ucrânia: “Não estamos falando aqui de sírios fugindo do bombardeio do regime sírio apoiado por Putin. Estamos falando de europeus saindo em carros parecidos com os nossos para salvar suas vidas.”

Um jornalista da ITV na Polônia disse: “Agora o impensável aconteceu com eles. E esta não é uma nação de terceiro mundo em desenvolvimento. Esta é a Europa!”

Em relação a esses comentários, o colunista Moustafa Bayoumi volta a criticar: “É como se a guerra fosse sempre e para sempre uma rotina comum limitada às nações em desenvolvimento do terceiro mundo. A propósito, também tem havido uma guerra quente na Ucrânia desde 2014. Além disso, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial”. E reforça: “Esses comentários apontam para um racismo pernicioso que permeia a cobertura de guerra de hoje e se infiltra em seu tecido como uma mancha que não vai embora. A implicação é evidente: a guerra é um estado natural para as pessoas de cor, enquanto as pessoas brancas gravitam naturalmente em direção à paz”.

A Associação de Jornalistas Árabes e do Oriente Médio, com sede nos EUA, também ficou profundamente preocupada com a cobertura e emitiu uma nota sobre o assunto: “Esses tipos de comentários refletem a mentalidade difundida no jornalismo ocidental de normalizar a tragédia em partes do mundo, como Oriente Médio, África, sul da Ásia e América Latina. Tal cobertura desumaniza e torna nossa experiência com a guerra algo normal e esperada”.

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