Foto: Divulgação / Brigada de Alter

A região tomada pelo fogo desde o último final de semana no oeste do Pará também é palco de conflitos fundiários onde resistem indígenas pela demarcação de suas terras. A Mídia NINJA conversou com Damiles Borari e Maura Arapium, duas mulheres indígenas que moram em Santarém (PA) e trazem relatos sobre o fogo e os sinais de resistência na região.

“As pessoas tendem a vender as terras dessa região por questão imobiliária”, disse Maura. Em entrevista por vídeo (ver ao final desta página) ela conta como os indígenas e a Brigada de Alter do Chão tem trabalhado para conter o fogo. Damiles, do povo Borari, também reforça que por Alter do Chão ser uma área defendida como Terra Indígena, por muitos anos a área de savana presenciou conflitos com os indígenas.

Confira abaixo a entrevista na íntegra com a indígena Damiles Borari:

Mídia NINJA: Como está a situação em Alter? O fogo está onde?

Damiles Borari: Alter do Chão está em prantos pelas queimadas em seu Território Borari, o fogo está na área de Savana, de onde retiramos matéria-prima pra fazer nosso artesanato tradicional e principalmente os animais que nela vivem. O que as outras mídias falam é que o fogo atingiu a APA, que pra nós indígenas é muito mais, é nosso território que está em chamas.

Você sabe como e que horas ele começou?

Não sabemos a hora exata do incêndio e nem onde iniciou, mas o fogo veio da área em que está localizada a Comunidade de Ponta de Pedras, chegando às proximidades da Cabeiceira do Cuicuera, que é chamada assim pelos nativos Borari e pelos grileiros Capadócia. Essa área onde o fogo teve mais intensidade é uma área de grande conflito de terra chamada área de Savana. Nem os peritos no caso sabem dizer como começou e não têm como dizer o real motivo de terem começado.

Há algum indício de que tenha sido incêndio criminoso?

Há indícios sim de ser um incêndio criminoso, pois Alter do Chão é uma área requerida como Terra Indígena. Lutamos pelo reconhecimento de nossas terras que ao longo desses anos vêm sido atacada fortemente pela grande especulação imobiliária. A Funai nos explica que a Terra Indígena Borari de Alter do Chão é um das mais complicadas áreas requeridas, devido à venda de terras desenfreada. Basta percorrer um pouco nossa comunidade e já se encontram centenas de placas de “vende-se”. A área da Capadócia é uma das áreas desse conflito e fomos parar no Ministério Público Estadual pra retirada do senhor que se intitulava dono da área.

Qual a expectativa das próximas horas? Dá pra estimar?

A expectativa é que consigam apagar esse fogo que se alastrou por nosso território, mas o que se vê é que aparecem outros focos de incêndio no outro lado de nossas terras, localizada na estrada que liga a Aldeia Alter do Chão à Comunidade de Jurucui que faz o limite da Terra Indígena Borari próximo à Comunidade de Pindobal.

Há vítimas?

Até o momento não há vítimas, mas já perdemos muitas vidas que são de nossos animais e nossa savana. Hadilo Ribeiro Sardinha Borari e Thiago dos Santos, pescadores nativos Borari, relataram que durante a pescaria voltando da Cabeceira do Macaco, assim chamada pelos Borari, viram inúmeros pássaros caindo vindo das áreas que estavam em chamas, cobras, lagarto tentando se salvar, os mesmos conseguiram resgatar vários pássaros, mais ainda sim morreram muitos.

E as brigadas, bombeiros, como está o trabalho deles?

Há pouco tempo foi formada a Brigada de Incêndio Florestal (Brigada de Alter) e a mesma foi a primeira a combater o incêndio na Savana, mas o fogo teve uma proporção maior e logo vieram pra ajudar o Corpo de Bombeiros e o próprio Exército.

Há muita gente preocupada. O que as pessoas podem fazer pra ajudar?

A comunidade nativa Borari e a comunidade não-indígena estão preocupadas com a situação em que Alter se encontra, a união nesse momento faz a diferença. Nesse mês de setembro acontece a maior festa do nosso povo, o Çairé, o Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Alter do Chão em parceria com o Boto Cor de Rosa e Tucuxi, que são as agremiações do Çairé, estavam ajudando com alimentos para levar aos brigadistas.
Mais quem pode receber uma ajuda financeira para comprar equipamentos é a Brigada de Incêndio Florestal (@brigadadealter)
Banco Bradesco
Ag.0524
C/C 23342-
O Instituto Aquífero Alter do Chão
CNPJ:33.384.451/0001-29.

Sobre a especulação imobiliária, você acha que pode ter alguma relação com os incêndios? Voces já tiveram problemas por causa da demarcação das terras?

Temos muitos problemas com a demarcação da Terra Indígena Borari de Alter do Chão. Alter do Chão também tem não-indígenas, um dos problemas aqui é a especulação imobiliária que como já disse cresceu bastante e nos últimos anos tomou uma proporção muito grande com a matéria que saiu do Aquífero Alter do Chão. A matéria que saiu do Aquífero na Globo fez com que a nossa pequena comunidade desaparecesse, com muitas pessoas querendo comprar terra e morar ou até mesmo fazer negócio. Nos olham com cobiça. A área onde se chama Capadócia é um grande loteamento de terra. Na própria Ilha do Amor tem gente que se intitula dono. E se for ver, Alter do Chão inteira está sendo fatiada por quem ver o lugar como negócio financeiro.

Mas os Borari aqui não desistem de um dia ver sua terra demarcada, somos contra o atual governo que está acabando com nossas florestas, com a nossa Amazônia e principalmente com os nossos direitos que dia a dia é violado. Aqui nós queremos que nossos filhos continuem tomando banho no Lago Verde e lavando nossas roupas na beira do rio. Queremos continuar comendo peixe fresco que nossos pais pegam, continuar comendo frutas que pegamos das nossa árvores de nosso quintal, continuar fazendo nosso roçado pra fazer farinha e principalmente respirar um ar sem queimadas, sentir um ar puro que nossas florestas nos dão.

Aqui o povo Borari é resistente, somos liderados pela nossa cacica Neca Borari, essa que luta sempre por seu povo, temos orgulho de nos fazer representar por uma guerreira que é mãe e mulher Sapú Borari, que na língua nheengatu significa Raiz Borari.

Confira abaixo a entrevista em vídeo com a indígena Maura Arapium.