Eles foram alvo de tiros em Itabela. Ministra dos Povos Indígenas afirma que acompanha o caso de perto

Foto: reprodução/Mupoiba Indigena

O governo da Bahia confirmou que dois indígenas da etnia Pataxó, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e Nawir Brito de Jesus, 17 anos, foram mortos ontem (17) no extremo sul do estado. Os jovens indígenas foram alvejados por tiros na entrada de uma das fazendas ocupadas por moradores de 19 comunidades Pataxó, há cerca de um ano. Eles reivindicam a homologação da terra indígena Barra Velha, que fica entre os municípios de Porto Seguro e Prado.

No Extremo Sul da Bahia, três áreas aguardam homologação: a Terra Indígena de Cumuruxatiba, em Prado; a Terra Indígena Barra Velha, em Porto Seguro; e a Terra Indígena Coroa Vermelha, na região da Ponta Grande, que abrange os municípios de Porto Seguro e Cabrália.

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Após o crime, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse que solicitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública o envio da Força Nacional para o local.

“Ontem, perdemos dois jovens pataxó em virtude de conflito por terra e luta por demarcação. A minha primeira agenda do dia será com lideranças indígenas do extremo sul da Bahia. Acompanharei de perto o que vem acontecendo na região e irei requisitar ação imediata do Estado”, escreveu.

O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, determinou prioridade nas investigações do caso. A Secretaria de Segurança Pública também informou que a Policia Militar e a Policia Rodoviária Federal (PRF) estão fazendo varreduras no local em busca dos suspeitos do crime.

A presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, publicou em suas redes sociais que manifesta sua solidariedade ao povo Pataxó pela perda dos dois jovens. “A situação de violência no Extremo Sul da Bahia precisa ser cessada urgentemente.”. Joenia disse que pediu ontem (16) à Funai “o devido acompanhamento do caso, com apoio e proteção dos órgãos de segurança”. “Da mesma forma, solicitei providências para a garantia e proteção dos povos indígenas dessa região da Bahia e medidas para garantir a justiça que o caso requer.”

De acordo com a polícia, Nawir Brito de Jesus e Samuel Cristiano do Amor Divino foram atingidos pelos tiros, por volta das 17h, no km 787, quando se deslocavam do Povoado de Montinho para uma das fazendas ocupadas por um grupo indígena no processo de retomada feitos pelos povos Pataxós da região extremo sul, conforme apurou o G1 Bahia.

Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 1° de janeiro, o grupo já ocupou cerca de três fazendas da região.

Retomada indígena

“O que nós queremos é justiça. A família pede justiça, porque já chega de tanto sangue dos Pataxós ser derramado e ficar por isso mesmo”, disse a irmã de Samuel, Akuã Pataxó, ao G1.

A TI foi demarcada em Barra Velha em 1980 com 8.627 hectares, porém grande parte do território Pataxó ficou de fora dessa demarcação. Em 2009, a Funai publicou novo relatório circunstanciado de identificação da área, e passou a possuir 52.748 hectares, incluindo a demarcação anterior. Em 2013, um grupo de fazendeiros e o Sindicato Rural de Porto Seguro tentaram anular a demarcação, ingressando com seis mandados de segurança no STJ, que atendeu de forma liminar o pedido, barrando o andamento do processo administrativo do território Pataxó. Em 2019, após admitir os indígenas como parte do processo, a liminar foi derrubada por unanimidade, reconhecendo a legitimidade e validade da demarcação.

Em reportagem no Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma liderança Pataxó, que teve seu nome preservado, disse que “a Funai [Fundação Nacional do Índio do governo Bolsonaro] está fazendo ‘vista grossa’ e as nossas terras estão tomadas pela grilagem.”

Há inclusive anúncios em plataforma de vendas com terrenos dentro da TI. Além de ruralista, setores hoteleiro, imobiliário e prática ilegal de arrendamento ameaçam a terra indígena. Infelizmente, há indígenas envolvidos nessa prática, que fazendo dois documentos, segundo a liderança, um de arrendamento e um de compra e venda, caso haja fiscalização, para informar que é arrendado, e ainda pertence ao indígena. Há também o aliciamento de jovens indígenas para a venda de terrenos, em troca de quadrículos, celulares modernos e outros itens caros.

Além disso, ainda há a denúncia de indígenas escravizados dentro do próprio território. “Estão pegando os indígenas e fazendo de escravo. Colocam para tirar as madeiras do parque para fazer cerca e casa que estão comprando dentro do nosso território”.

Em junho de 2021, o povo Pataxó protocolou uma representação no Ministério Público Federal por todo o contexto de omissão e abandono das autoridades. Trecho do documento diz que “as terras estão sendo anunciadas e vendidas ilegalmente por grileiros e estelionatários que oferecem valores expressivos em dinheiro para os indígenas. Há relatos também de envolvimento de alguns indígenas nas vendas ilegais de terras”.

Ataques recorrentes

São recorrentes os relatos de invasão do território Pataxó. Durante o mês de julho de 2022, por exemplo, as famílias foram sendo impedidas de transitar, sem possibilidade de comprar alimentos nas cidades ou sair para trabalhar.

Uma retaliação do agrobanditismo, conduzida por proprietários de fazendas vizinhas ao Território Indígena (TI). De acordo com os relatos, as ameaças têm ocorrido de forma sistemática desde as retomadas feitas no mês de junho e agosto na região.

Em outro documento, Wirianan Pataxó, professor e morador do TI, reitera a denúncia, “os ataques são constantes por parte dos pistoleiros e milicianos da região. Tiros são ouvidos a todos os momentos e muitos comentários que vão invadir as aldeias”. Ele também alerta que a imprensa regional têm produzido notícias falsas para atentar contra a reputação dos indígenas. Entre as “Fake News” propagadas está a queimada de pertences em fazendas, feitas pelos próprios pistoleiros a mando dos fazendeiros para acusar os indígenas.

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