Austin Butler rouba a cena como Elvis Presley. Foto: Reprodução

Por Dione Afonso

De origem judaica, o cineasta nascido na Austrália, Baz Luhrmann, 59, já havia se consagrado na seara do audiovisual quando, em 2001, assumiu a tarefa de conectar as novas gerações musicais com o clássico e a tradição. O resultado disso foi um misto de tragédia shakespeariana teatral, arte circense, com amor e morte, dor e prazer e tudo o mais que você quiser acrescentar nessa lista, dando origem à obra majestosa Moulin Rouge – Amor em Vermelho. Algo completamente destoado e bagunçado, mas muito envolvente e real. O vencedor de dois Oscars (Melhor Direção de Arte e Melhor Figurino) e três Globos de Ouro abriu as cortinas do teatro e “pixelizou” a experiência cinematográfica numa paleta de cores inimagináveis para a Sétima Arte.

Assim é Elvis. O mais novo talento grandioso de Luhrmann. O Rei do Rock que é reconhecido mundialmente por sua carreira meteórica, caótica, e muito agitada, colorida, cheia de trejeitos, peculiaridades, identidade e muito, muito amor pela música, ganha, nas telonas, algo que não poderia fugir de toda essa bagunça. E Luhrmann não poupou ousadia e cores. Tudo o que não conectava na cena, era o que se conecta tanto com a vida do artista retratado, quanto com quem senta na cadeira das salas do cinema para assistir. É uma experiência hipnotizante e satisfatória.

A escolha narrativa de Luhrmann

Obviamente que, em meio a tantas tentativas boas e muito bem produzidas de biografias sobre Elvis Presley, desde as documentais até as fictícias, Luhrmann teria também que fazer sua escolha para guiar a história do cantor. A escolha dele tem dois pontos muito fortes: o primeiro é que ele decidiu por fazer de Elvis (Austin Butler) um “deus” majestoso da música mundial. Para isso, ele coloca o jovem cantor numa jornada crescente de um verdadeiro super-herói, que precisa superar a grande ameaça do mundo e sair vitorioso da batalha final. E, se é uma jornada heroica, Luhrmann teria que criar um vilão para a história: sua escolha foi o agente de Elvis, coronel Tom Parker (Tom Hanks). O segundo ponto da escolha de Luhrmann é a mistura entre cinebiografia e documentário que nos é apresentado, tanto com o recurso dos letreiros – marca registrada do cineasta – quanto pela narração em off, as vezes exaustiva e chata, de Tom Parker, quem nos guiou nessa história.

O slogan: “um homem é sacrificado e um Deus nasce”, faz parte dessa escolha narrativa do cineasta e consagra a jornada caótica de Elvis como um grande e poderoso herói para o público daquele tempo. Compreender a escolha narrativa desse roteiro que Baz assina ao lado de Sam Bromell e Craig Pierce é fundamental para perceber que, em meio às tantas histórias sobre o Rei do Rock, essas quase 3 horas de experiência cinematográfica irão te apresentar uma pequena criança sonhadora, que desejava se tornar o poderoso Shazam das HQs e, que, junto da guitarra e do gingado envolvente da música encontra seu destino. Tal experiência consagra-o com renome e relevância em embates políticos, antirracistas, religiosos e culturais.

A jornada do herói

Elvis é uma experiência exagerada, mas muito boa e bonita. É grandioso. Majestoso. Frenético e que nos envolve até o final. Nesta importante jornada heroica Elvis é uma criança que sofreu na infância, perdeu tudo, experimentou o fundo do poço. Da queda à ascensão, Luhrmann se preocupou em construir um Elvis que ama seu público, que o idolatra e um público que o faz sentir-se amado. Elvis Presley torna-se o mito, o ícone, o símbolo, não só musical, mas até mesmo o símbolo de desejo e prazer da juventude. Elvis torna-se o seu próprio refletor, o brilho, a overdose de cores e luzes não são necessárias pois o astro – e isso é um grande talento que Butler nos entrega com sua atuação – é seu próprio brilho.

Mandy Walker capta com maestria a fotografia mais brilhante e sentimental possível. Ao mesmo tempo que a cena te entrega um milhão de informações, Walker te convence a se concentrar naquele detalhe rosa, forte, e de puro sentimento, na mesma cena. Uma das melhores e mais emocionantes cenas do filme é quando Butler filma na Beale Street, em Memphis, Luhrmann destoa de todo o resto com uma paleta de cores mais contida, tons leves e pastéis, mas mantém a forte presença musical. A voz negra, a música negra, a presença cultural dessa comunidade que formou Elvis Presley sempre presente, em todos os minutos do filme. Walker realiza seu trabalho dando foco à voz poderosa e potente da coadjuvante mulher negra que canta estrondosamente naquele barzinho enquanto Elvis a admira.

Elvis para a nova geração

Baz Luhrmann atualiza a música rockeira, a alegria musical e a presença forte de Elvis para a geração novata que não viveu no tempo do artista, mas respira sua paixão pelo rock, pelo blues, pelo amor à música. De um estrelato frenético e carreira meteórica e impactante que dividiu a história da música nem antes de Elvis e um depois de Elvis. A presença de Elvis nesse ramo musical também despertou censura e políticas de repressão contra os bons costumes e a moral. Símbolo sexual, Elvis sofreu taxação de discursos religiosos conservadores nomeando o artista como a voz do mal que induz o público à perversidade. A cultura negra, fortemente presente na atuação do cantor, também foi fortemente rebatida. Durante uma forte presença segregacional contra a comunidade negra, ter um homem branco que “reproduz” tal cultura, mexeu nas estruturas políticas da época.

Austin Butler pode ser um forte nome para a próxima edição do Oscar de Melhor Ator. Podemos sonhar com uma indicação de Melhor Figurino, Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia para Mandy Walker.