Em nota técnica, o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) alerta que o Projeto de Lei Complementar 64/2023, que libera a mineração em áreas de Reserva Legal, afetará o ecossistema e o quadro jurídico estadual. Mas o ponto mais preocupante é que o PLC pode alavancar a contaminação das águas por mercúrio.

E nesse cenário, é a população que sofrerá os prejuízos, haja visto que é o ouro que estimula boa parte da atividade em Mato Grosso e, o mercúrio, principal componente utilizado na prática do garimpo.

O PLC trata de uma alteração ao Código Ambiental do Estado de Mato Grosso (LC nº 38/1995), que além de autorizar a exploração mineral em áreas de RL, permite compensação e realocação tanto dentro quanto fora da propriedade. Vulnerabiliza a proteção ambiental nas áreas de Reserva Legal, justamente a porção do imóvel que, segundo o Código Florestal, tem função de proteger o fluxo de fauna, flora, recursos hídricos, além de ser destinada para proteção de áreas ambientalmente frágeis nos imóveis rurais.

A nota destaca que é comum no planejamento territorial das propriedades rurais que a Reserva Legal seja alocada próxima às Áreas de Preservação Permanente e os dados do CAR mato-grossense (SIMCAR) indicam que ao menos meio milhão de hectares de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal neste contexto.

“Logo, o risco de contaminação recai justamente sobre corpos d’água, que podem carregar contaminantes em longas distâncias, bem como sobre o habitat de peixes e da fauna aquática como um todo”, alerta o Observa-MT.

Segundo a rede composta por organizações que atuam na defesa das pautas socioambientais, o PLC ainda desconsidera o impacto sobre Unidades de Conservação e Terras Indígenas, assim como nas zonas de amortecimento”, uma vez que muitas das áreas de Reserva Legal fazem limites com essas outras áreas protegidas. Destaca ainda que o projeto abre possibilidade para que essas áreas sejam impactadas pela atividade de mineração, radicalmente, contra a Política Estadual e Nacional de Unidades de Conservação e a própria Política Nacional de Meio Ambiente.

“Considerando a crescente importância das RLs e outras Áreas Legalmente Protegidas (ALPs), o projeto de lei é um retrocesso nas discussões acerca dos pagamentos pelas reduções de emissões e serviços ambientais, que podem gerar mais benefícios para os proprietários do que a atividade de mineração nessas áreas que possuem características primordiais para a conservação”, aponta outro trecho da nota.

Além dos impactos diretos da proposição, a presente nota técnica também descreve como o PL 64/2023 pode incidir negativamente em outras políticas públicas e compromissos firmados pelo Estado, como as políticas climáticas, parcerias jurisdicionais (por exemplo o Programa REM-MT) e políticas transversais para o clima, como aquelas de recuperação e conservação da vegetação nativa.

“Em época de emergência climática, é imperativo que as políticas públicas ambientais se fundamentem em princípios de sustentabilidade, equidade, participação social e conservação dos ecossistemas naturais. Proteger áreas de Reserva Legal não apenas salvaguarda a riqueza natural do nosso país, como também respeita os direitos fundamentais das comunidades locais e dos povos indígenas, bem como garante os serviços e benefícios da natureza para toda a sociedade”, alerta a rede Observa-MT.

Entenda

A tentativa de liberação da mineração em Área de Reserva Legal ressurge na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, depois que o PLC nº 58/2020, do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB) virou lei e ao ter sua constitucionalidade questionada, foi suspensa.

Então, o governo estadual retomou a proposta, com o Projeto de Lei Complementar. A consultora jurídica do Observa-MT, Edilene Fernandes destaca que em essência, nada muda em relação ao anterior. “Continua-se a permitir, numa afronta ao Código Florestal e à própria Constituição Federal, que se fragilize o instituto de proteção da Reserva Legal para extração de minério”. Ela avalia que foram feitas apenas pequenas alterações para que se caracterize uma alteração que justifique a aprovação desta lei e com isso se perca o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Entre essas alterações o novo projeto diz que não é permitido que a compensação seja em outro estado, e que obrigatoriamente seja no mesmo bioma. “Em relação ao primeiro, agora não há a possibilidade de se compensar dentro de UC, para que sejam priorizadas áreas do entorno dessas”. E por fim, explica Edilene, houve uma alteração do percentual do tamanho da área que deveria ser compensada que estava fixado em no mínimo 5% para um texto que permite que a área possa ser igual ou superior a 10% (dez por cento) da área de reserva legal a ser realocada.

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