Fernando Frazão – Agência Brasil

Por lei, crianças e adolescentes menores de 14 anos que tenham sido submetidos a atos libidinosos ou relações sexuais são vítimas de estupro de vulnerável, o estupro presumido, uma vez que não possuem capacidade para consentir. De acordo com a legislação brasileira, elas também deveriam ter acesso ao serviço de aborto legal. Contudo, segundo levantamento feito pela Gênero e Número revela que Roraima lidera o ranking de taxa de fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos no Brasil, seguida por outros quatro estados da região Norte: Amazonas, Acre, Pará e Amapá. Em Roraima, estado onde indígenas representam 11% da população, 51% das meninas que foram mães com 10 a 14 anos, entre 2017 e 2021, eram indígenas.

Joici Mandulão, do povo Macuxi-Wapixana, apoiadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e médica de Família e Comunidade em uma unidade básica de saúde (UBS) de Roraima, já atendeu meninas grávidas. A médica conta que nunca recebeu orientação sobre o serviço de abortamento legal: “Se suspeitarmos de abuso, encaminhamos para o hospital da criança”, relata. A médica observa que boa parte das meninas e mulheres indígenas que atende na unidade básica de saúde têm como parceiros homens não indígenas, e acredita que as relações com pessoas de fora da comunidade ocorram tanto em função das invasões aos territórios indígenas quanto pelo contato em áreas urbanas, quando elas já saíram das comunidades.

Para compreender a alta taxa de fecundidade em Roraima, a reportagem ouviu lideranças e especialistas locais. Além dos aspectos culturais que fazem parte do contexto no qual meninas indígenas estão inseridas, que mudam de um povo para o outro, as indígenas que migraram da Venezuela para o Brasil, tendo Roraima como porta de entrada, estão sujeitas a uma série de violações de direitos. A realidade migratória, na opinião das especialistas, pode ter contribuído para a alta taxa de fecundidade no estado.

A professora Márcia Maria de Oliveira, que trabalha com a questão migratória, já ouviu vários relatos de estupros de meninas e adolescentes dentro dos abrigos onde imigrantes estão alojados: “As mães relatam que não deixam mais as meninas caminharem sozinhas até o complexo de banheiros coletivos (cerca de 800 metros de distância) porque elas são estupradas no meio do caminho”, conta a professora.

A taxa média anual de estupro de meninas entre 10 e 14 anos em Roraima, estimada a partir de dados do Sinan entre 2017 e 2021, é de três a cada mil meninas, a terceira maior do país, atrás apenas de outros dois estados do Norte: Tocantins e Acre. Nelita Frank, uma das fundadoras do Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR) e ativista da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), destaca mais uma situação de violência a qual as imigrantes venezuelanas são submetidas: a prostituição.

Com uma extensão territorial imensa, de 3,8 milhões de km², e densidade demográfica de apenas 4,12 habitantes/km², a região Norte possui características geográficas que dificultam o acesso aos municípios no interior dos estados e às comunidades isoladas. A complexidade de acesso aliada à falta de investimento em infraestrutura que possibilite o acesso a serviços básicos como saúde, educação, assistência social, justiça e internet tornam a população ainda mais vulnerável.