As mudanças climáticas afetam diretamente a produtividade agrária (USDA/EUA)

 

Por Júlia Machado e Teca Curio, para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP26

A compreensão do cultivo da terra foi o que possibilitou que os antepassados da humanidade se estabelecessem em assentamentos e lançassem os pilares para a vida em sociedade. O modo de vida baseado no sedentarismo foi uma verdadeira revolução que só foi possível com o domínio das técnicas de plantação e da domesticação de animais. 

Pela primeira vez era possível influenciar a disponibilidade de alimentos, nesse período a imprevisibilidade climática foi um dos principais desafios encarados pelos primeiros agricultores. De acordo com estudos mais recentes, a mudança para o estilo de vida sedentário baseado na agricultura não foi definitiva, mas havia um certo revezamento entre o cultivo da terra e o retorno ao sistema de caça e coleta.

Alguns milênios e muita revolução tecnológica depois, a agricultura e a pecuária se desenvolveram com o incremento de recursos, e o que antes era produzido para a subsistência se tornou um grande mercado capaz de sustentar a economia de países inteiros. 

O cultivo da terra voltado para o enriquecimento gerou novas técnicas depredatórias que além de não se sustentarem a longo prazo ainda colocam em xeque a própria manutenção da agricultura. O uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos que aumentam a produtividade, o sistema de corte de queima para abertura de espaços para plantações e a própria monocultura (técnica baseada no cultivo de apenas um produto agrícola) explorada em êxtase para manter um mercado internacional que anseia por commodities (produtos que servem de matérias-primas comercializadas nas bolsas de valores e mercadorias), são alguns exemplos de métodos amplamente empregados na agricultura contemporânea e que afetam diretamente o equilíbrio dos ecossistemas planetários.

Os efeitos já podem ser observados. O clima é uma das áreas mais afetadas com a perda da biodiversidade e com a emissão de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera gerados pela atividade de corte e queima. 

Como uma atividade que depende essencialmente de um equilíbrio climático, a agricultura atua paradoxalmente em relação ao clima e está entre as atividades humanas que mais contribuem para o agravamento da crise climática. De acordo com o relatório de 2020 do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) uma iniciativa do Observatório do Clima, a agropecuária é o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, sendo responsável por 28% do total de GEE emitidos no Brasil. Em primeiro lugar vem as mudanças de uso da terra (44% dos GEE), relacionadas principalmente ao desmatamento de florestas para abrir espaço para pastos e plantações. 

As mudanças climáticas afetam diretamente a produtividade agrária. O próprio planejamento das atividades agrícolas trabalha com certa previsibilidade climática, mas eventos adversos e períodos prolongados de secas ou chuvas fortes e sequenciais podem prejudicar e até destruir grandes safras em produção.

Segundo as projeções regionais feitas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento das secas no Nordeste brasileiro e no norte da Amazônia, além da mudança no regime de chuvas no Centro-Oeste e no sul da Amazônia brasileira são algumas das consequências da crise climática.

Já é possível verificar as alterações causadas pela seca desde o ano passado durante a colheita de alimentos como feijão, soja, laranja, milho e café. Para além dos problemas ambientais, essa perda também vai afetar a economia, já que commodities como a soja estão entre os produtos mais exportados do Brasil (o país é o maior produtor e exportador mundial da commodity). 

O prejuízo econômico gerado pela perda na produção agrícola é repassado ao consumidor final com o consequente aumento dos preços nos alimentos. O encarecimento afeta diretamente a população mais vulnerável intensificando as desigualdades sociais e aumentando o número de pessoas em situação de insegurança alimentar.

Agroecologia: Uma alternativa sustentável

Está cada vez mais difícil reverter o quadro da crise climática. O IPCC comprovou um aumento de 1,07°C na temperatura média do planeta, causado pela ação humana, em comparação ao período pré-industrial. O órgão da ONU ainda explica que, na melhor estimativa, será possível conter o aquecimento em 1,5°C até 2040. Se as emissões continuarem nos índices atuais, o planeta pode terminar o século XXI com um aumento de 2°C em relação ao período pré-industrial. Para conter a crise, os cientistas do clima são unânimes em defender que as estratégias de mitigação devem entrar em cena o quanto antes. 

Uma alternativa que está no radar dos órgãos de conservação é a agroecologia!

A agroecologia é uma prática agrícola que busca conciliar a produção de alimentos através do cultivo da terra aliada ao respeito à vida e à manutenção do equilíbrio ecológico, para isso o sistema articula o conhecimento tradicional e local com as técnicas ecológicas pesquisadas pela ciência e a mobilização social.

A inspiração para a técnica da agroecologia é justamente a natureza. O entendimento do ecossistema e dos ciclos ecológicos possibilita um cultivo natural, sem a derrubada de florestas, sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes industriais e com relações de trabalho justas e valorização da biodiversidade. Isso é possível através de técnicas como o plantio de diferentes espécies que interagem com a natureza e com membros da sua comunidade, criando uma complexa rede de interdependência.

A prática da agroecologia vai na contramão da técnica de monocultivo. A abertura de áreas imensas dedicadas às plantações de uma única espécie foi adotada à esmo no Brasil para dar conta do mercado consumidor (nacional e internacional), a princípio, este parecia um modelo mais adequado para a produção rápida e em escala quase que industrial. Como em momentos de expansão econômica o meio ambiente vira moeda de troca do capital, pouco foi feito para conhecer e minimizar os riscos ambientais da monocultura. 

Abertura de áreas imensas dedicadas às plantações de uma única espécie predomina no Brasil(Foto: Arthur Lopes/Flickr)

O monocultivo reduz a ação de serviços da natureza, como polinização, a disponibilidade de água potável e até o equilíbrio climático. Desta forma, os agricultores ficam à mercê das mudanças climáticas e dependentes de um modelo cada vez mais depredador.

A saída para a produção mundial de alimentos é o manejo sustentável das plantações, e a agroecologia está ganhando espaço em pequenas propriedades, adotada principalmente por agricultores familiares.

Além do respeito à natureza, os movimentos sociais também ganham espaço na agroecologia, que entende que a justiça social está diretamente vinculada à preservação do ambiente. O Movimento Sem Terra é um exemplo dos precursores no Brasil do uso dos processos agroecológicos em suas plantações.

Agroflorestas como fixadoras de carbono

A produtividade das agroflorestas pode ser até superior que a das lavouras tradicionais (Embrapa)

Uma das técnicas adotadas pela agroecologia são as agroflorestas, onde o cultivo é feito com a integração de árvores nativas nas plantações. Com uma diversidade de produtos agrícolas e árvores o sistema produz o ano todo, as espécies são selecionadas para não competirem entre si.

A adubação pode ser feita de forma natural com a introdução de árvores na plantação, já que a cobertura do solo é mantida e a decomposição de folhas, galhos e frutos serve de adubo às outras espécies, quanto mais diversidade tiver no sistema, melhor e mais efetiva será a adubação natural. As agroflorestas são similares com a integração lavoura-floresta (ILF), mas costumam ser mais complexos e envolvem quantidades mais numerosas e diversas de espécies.

Os sistemas agroflorestais têm se tornado uma ferramenta importante para o processo de adaptação da agricultura às mudanças climáticas, pois incentivam a manutenção das florestas nativas.

As árvores do bioma Amazônia, por exemplo, são grandes fixadoras de carbono, ou seja, no processo de fotossíntese a árvore capta o gás carbônico (CO2)da atmosfera. O carbono é usado para ajudar no crescimento da planta e o oxigênio (O2) é liberado de volta para a atmosfera. Esse processo ajuda de forma direta na redução do efeito estufa (principal responsável pelas alterações climáticas).

A produtividade das agroflorestas pode ser igual ou superior que a produção das lavouras tradicionais, tudo depende do planejamento do cultivo e das variações climáticas. A integração das espécies permite que a produtividade seja constante com pouco desgaste do solo. 

A saída para a produção mundial de alimentos é o manejo sustentável das plantações, nesse sentido, a agroecologia está ganhando espaço em pequenas propriedades. A solução passa por políticas públicas que incentivem práticas agroecológicas e que quebram a lógica das monoculturas, do uso excessivo de agrotóxicos e das práticas destrutivas do meio ambiente. É necessário aliar as atividades sustentáveis às demandas sociais de trabalho justo e equidade racial e de gênero, pensando de forma solidária na produção de alimentos e no cuidado com o meio-ambiente. 

@MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!