Foto: Thathiana Gurgel /DPRJ

Texto por Laio Rocha para Mídia NINJA em especial sobre o sistema carcerário e a covid-19.

O novo coronavírus chegou ao sistema penitenciário. Superlotado, sem condições de higiene e de atendimento médico, o local é um barril de pólvora prestes a explodir. Com visitas suspensas desde o último dia 23/03 por ordem do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), as informações são mínimas e o medo grande entre familiares.

Até agora o Ministério da Justiça, gerido pelo ex-juiz Sérgio Moro, notificou 42 casos confirmados e 194 em investigação de COVID-19 nas prisões brasileiras. A falta de testes, enfermarias e de sala de lavagem e descontaminação nos presídios, no entanto, depõem contra esse número, que pode estar subnotificado.

Moro, por outro lado, minimizou os casos. O ministro determinou uma série de medidas de higiene para os presídios e afirmou que a contaminação está sob controle. Entre as determinações, estabeleceu o fim das visitas, restringindo até mesmo o contato com advogados, o fim do transporte de presos e o isolamento de casos suspeitos.

“Como o ministro Moro pode falar em fazer higienização regularmente se não há água e sabonete, se as celas estão lotadas? Como ficar há 1 ou 2 metros de distância? São providências que o Ministério da Justiça sabe que são irreais”, aponta a Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra.

“Estamos esperando a cada dia que essa bomba exploda. É um massacre programado por omissão do Estado”.

Como estão as famílias?

Distantes, sem informação e com medo, as famílias dos detentos aguardam ansiosamente qualquer notícia. Os relatos não são animadores. Questionário realizado pela Pastoral Carcerária com 1.213 pessoas, entre elas familiares, trabalhadores e ativistas ligados ao sistema carcerário, mostra que 65,9% afirmam que alimentos e produtos de higiene enviados para detentos não estão entrando nas prisões.

“A gente não tem notícias. Manda o jumbo e eles não entregam. Não está fácil. Quando a gente visitava, ainda conseguia ter alguma notícia, mas agora nada. O meu marido mandou uma carta para mim no dia 3, a carta chegou agora. Meu esposo e minha irmã tem problema de saúde e não sei como estão. É assim, tudo está na mão de Deus”, conta familiar que por questões de segurança preferiu não se identificar.

“Aplicar a lei não é favor nenhum”

O apoio jurídico restrito oferecido pelo Estado e a impossibilidade de pagar um advogado, é outro fator que contribui para a angústia dos familiares, em sua grande maioria pobres. Sem poder para buscar na justiça mecanismos que garantam os direitos dos presos, acabam alijados do que lhes é assegurado na Constituição.

“A maioria dessas pessoas tem muita dificuldade de acertar a própria defesa. Mesmo com a defensoria, tem pessoas que não tem um canal de comunicação para tirar dúvidas, consultar processo, quem é do grupo de risco, verificar qual documentação tem direito. A gente meio que se uniu para compartilhar as decisões que foram saindo, dar algum tipo de orientação para as famílias”, explica a advogada Maria Clara.

O grupo constituído por cerca de 15 advogados auxilia essa população consultando processos e, em alguns casos, pedindo Habeas Corpus. Formado espontaneamente por meio das redes sociais, o coletivo nasceu da urgência do risco do novo coronavírus se espalhar pelas prisões.

A decisão de alguns juízes sobre o tema indica que o poder judiciário não está enxergando a dimensão que esse massacre pode promover. Em São Paulo, desembargador argumentou ao recusar prisão domiciliar que “à exceção dos astronautas, todas as pessoas estão sujeitas a se infectarem pelo novo coronavírus. Assim, não há sentido alegar risco de contaminação”.

A dificuldade em conseguir documentos dos detentos nas penitenciárias também é recorrente. Em casos de presos no grupo de risco, por exemplo, juízes pedem para a defesa apresentar declarações sobre seu estado de saúde, quando a responsabilidade de disponibilizar esses dados é da penitenciária.

“Os juízes estão pedindo que já tenha anexado no processo as documentações, mas a maioria dos familiares não têm atestado que comprove o estado de saúde, porque isso está nas penitenciárias, seria obrigação delas apresentarem”, esclarece a advogada Josianne Pagliuca dos Santos.

A percepção de que mais pessoas estão sendo libertadas por causa do novo coronavírus, para ela, não é verdadeira. Isso porque o Brasil possui 31% da população carcerária em prisão provisória. “Se eles aplicarem a lei, já vai amenizar muito para quem está lá. Aplicar a lei não é nenhum favor”.

Apoio psicológico para famílias

Os movimentos sociais estão na linha de frente de apoio aos familiares neste momento. Em São Paulo, a AMPARAR (Associação de Amigos e Familiares de Presos) é uma das organizações que dá suporte por meio de grupos de advogados e de psicólogos voluntários. Além disso, organizou com outras entidades, como a UNEAFRO, a arrecadação de mantimentos.

“A gente vê a dificuldade dessas pessoas, a maioria são mulheres que trabalham fazendo faxina e foram suspensas ou demitidas. A gente conseguiu, em rede, entregar 60 cestas e vamos entregar mais 260 em breve”, comenta Railda, integrante da AMPARAR.

O atendimento psicológico das famílias veio da parceria com a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, organização da sociedade civil que aglutina profissionais de todos os campos em torno da luta contra o genocídio da população negra.

“Sempre foi uma questão o atendimento dos familiares, porque ter uma situação de você ser mãe ou mulher de um preso te impõe uma identidade que não é fácil, de culpabilização e criminalização. Você é culpada por ele estar lá, até o momento em que vai na visita e você é massacrada”, relata a pesquisadora da Rede de Proteção, Marisa Feffermann.

O grupo de psicólogos atende individualmente as famílias e tem crescido rapidamente. Em menos de uma semana, 55 pessoas já conversaram com profissionais e a demanda só aumenta. A fila de espera tem 40 nomes. Os desafios, entretanto, não são pequenos.

“Estamos aprendendo a lidar com isso, porque essas pessoas moram com outras pessoas, e tocar em questões sensíveis por telefone, dentro da casa dela, como será? São pessoas que não sabem o que é esse atendimento, mas querem uma escuta e não tem essa vivência”, elucida a pesquisadora.

Essa experiência também pode ser uma maneira para quem criminaliza ou culpabiliza familiares de pessoas encarceradas, entenderem a sua humanidade e as questões que as silenciam, escondendo a necessidade de contarem suas histórias.