A luta feminista para a conquista de um espaço no esporte mais popular do Brasil

Foto: Divulgação / CBF

Por Marilda Campbell

A Copa do Mundo de Futebol Feminino 2023 será realizada em dois países-sede, na Austrália e na Nova Zelândia, entre 20 de julho e 20 de agosto. Serão 32 seleções divididas em oito grupos.

A seleção brasileira está no Grupo F com França, Jamaica e mais um time a ser definido na repescagem entre China Taipei, Paraguai, Papua Nova Guiné e Panamá. O primeiro jogo das brasileiras será em 24 de julho e a adversária ainda não foi definida.

Foi preciso muita luta para as mulheres poderem jogar futebol e terem a chance de participar de Copa do Mundo, de Olimpíadas e de outros torneios nacionais e estrangeiros.

O Estado Novo e a proibição do futebol feminino por decreto-lei

Em 14 de abril de 1941, o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto-lei n.º 3.199 que estabelecia as bases de organização dos desportos e o artigo 54 dispunha que:

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Foi a partida preliminar entre os times femininos Casino Realengo Futebol Clube e Sport Club Brasileiro, na inauguração do Estádio do Pacaembu em abril de 1940, que levou Getúlio Vargas a publicar o decreto-lei.

A mulher era o sexo frágil que nasceu para ser mãe. Deveria cuidar do lar e da família; saber bordar e cozinhar; e para trabalhar fora de casa, apenas nas profissões vistas como femininas como enfermagem ou magistério. Assim, não poderiam praticar um esporte violento e masculino como o futebol.

Somente em abril de 1983, o Conselho Nacional de Desportos regulamentou o futebol feminino e autorizou a sua prática no país. Foram 42 anos de proibição que levaram a um atraso no desenvolvimento e na profissionalização do esporte entre as mulheres.

Neste período os times femininos seguiram jogando de forma amadora. Mesmo com a liberação legal, houve pouco interesse dos clubes em investir na modalidade. Um exemplo foi a seleção brasileira feminina que conseguiu ser organizada com atletas de times do Rio de Janeiro e de São Paulo somente cinco anos após a regulamentação.

Jornal Correio Paulistano. Foto: Acervo Fundação Biblioteca Nacional

A articulação política de Rose do Rio

O ano era 1982, em plena ditadura militar a atleta Rose do Rio em parceria com jogadores do São Paulo e do Corinthians (entre eles Sócrates) organizaram uma partida de futebol feminino no Estádio do Morumbi. Foi durante o 1º Festival Nacional das Mulheres nas Artes promovido pela atriz e produtora cultural Ruth Escobar.

Para fugir da proibição legal e de uma medida judicial promovida pela Federação Paulista de Futebol, o jogo feminino foi divulgado como preliminar com caráter beneficente. Teve seu tempo reduzido e os árbitros foram profissionais não federados. Esse jogo foi uma das iniciativas que impulsionou a regulamentação do futebol feminino em 1983.

Ruth Escobar trocando camisas com uma das jogadoras no encerramento do I Festival de Mulheres nas Artes no Morumbi em 1982 (Acervo Particular de Rose do Rio)

O preconceito sofrido pelas mulheres

Historicamente, o futebol feminino sofreu uma série de limitações devido à falta de investimento. Como na Copa do Mundo de 1999, realizada nos Estados Unidos, quando a seleção brasileira não tinha uniforme próprio e elas usaram o que restou do time masculino.

É uma situação impensável no futebol masculino que movimenta milhões com o patrocínio, a divulgação e a comercialização de camisas e chuteiras novas a cada temporada.

Outro exemplo de preconceito aconteceu no Campeonato Paulista de 2001, quando o regulamento explicitava que os clubes deveriam “enaltecer a beleza e sensualidade das jogadoras para atrair o público masculino” ao escalar suas jogadoras.

Para o então presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, era preciso “mostrar uma nova roupagem no futebol feminino, que está reprimido por causa do machismo. Temos que tentar unir a imagem do futebol à feminilidade. Vamos ter um campeonato tecnicamente bom e bonito”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.

Nem é preciso dizer o quão absurda e machista foi essa determinação que escancarou o total desprezo da organização do Campeonato pelo talento, habilidade e técnica das atletas de futebol.

Mulheres como Rose do Rio, Aline Pellegrino, Sissi, Marta e Formiga são exemplos de atletas que se posicionaram politicamente ao lutar pela valorização do futebol feminino nos clubes e na mídia; pelo respeito à participação da mulher no esporte; e pela equidade nos investimentos entre os times masculino e feminino. Ainda há um longo caminho a ser percorrido e as mulheres seguem firmes.