Foto: REUTERS/Murad Sezer

Por Josiane Nery, de Ottawa

Quando perguntados sobre qual sentimento a seleção do seu país e a copa do mundo desperta, dois grupos de iranianos que moram em Ottawa, Canadá, não hesitaram em responder que o sentimento que impera é aversão. “Nós não apoiamos esse time e esperamos que ele perca todos os jogos”, disse um deles. Ao contrário do que se possa imaginar, o Irã tem uma história de sucesso no futebol, com três taças de campeão asiático e uma torcida engajada. Essa história foi interrompida após a chamada Revolução de 1979, quando o regime Islâmico se estabeleceu no poder. A seleção do Irã se afastou de competições internacionais durante a década de 1980, retornando no final dos anos 1990, quando voltou a se destacar no campeonato asiático e a conseguir classificações para as edições da Copa do Mundo.

Portanto, para entender os motivos que levam a declarações de desprezo por parte dos cidadãos iranianos, é preciso olhar para o que acontece hoje. A copa do mundo de futebol de 2022 ocorre no momento em que protestos generalizados contra a brutal ditadura do regime islâmico acontecem no país. Esses protestos iniciaram com o assassinato de Mahsa Amini, uma mulher de 22 anos, que estava sob a custódia do Estado. Mahsa foi presa pela polícia moral do Irã porque andava na rua com uma mecha de cabelo fora do lenço, sendo que a lei obriga que as mulheres andem com os cabelos cobertos. O assassinato de Mahsa gerou uma comoção e indignação nacional, porém, enquanto os primeiros protestos cobravam justiça por Mahsa, hoje eles pedem desde mais liberdade para a população à derrubada do regime Islâmico.

O jogador iraniano Alireza Jahanbakhsh se irrita em coletiva ao ser questionado sobre os protestos no Irã. “Estou aqui para jogar futebol”, respondeu. Foto: Divulgação/ Iran National Team

A resposta do governo iraniano foi aumentar o nível de violência contra os manifestantes. A situação atual é de milhares de homens e mulheres presos. O Majles (a casa dos representantes do governo, no Irã), se pronunciaram dizendo que os manifestantes, em torno de 15 mil pessoas, devem ser executados. Nesse cenário de convulsão político-social, é comum que o povo espere por figuras heroicas, sentimento que direciona os olhos do público para as pessoas que ocupam posição de destaque na mídia nacional. É por isso que há uma expectativa dos iranianos de que os jogadores da seleção do Irã manifestem publicamente, aos olhos do mundo, apoio à luta do seu povo contra um governo tão cruel. Contudo, o encontro da seleção com o presidente do Irã, horas antes do embarque para o Catar, frustrou essa expectativa, o que pode explicar declarações que esta reportagem ouviu ao conversar com iranianos em Ottawa:

“O povo iraniano odeia seu time de futebol, porque o governo iraniano está matando pessoas na rua agora. Há uma revolução acontecendo no meu país e todos estão preocupados com isso. Nosso time de futebol não apoiou o povo iraniano, então acho que as pessoas também não os estão apoiando”.

Sabe-se que para impedir demonstrações de apoio às revoltas, autoridades iranianas ameaçam com punição severa atletas e celebridades em geral. Segundo o jornal “Iran International”, o regime vem fazendo uma contenção em torno da Copa do Mundo no sentido de impedir que imagens ou declarações contra o regime cheguem aos canais de mídia do país, com possibilidade de cortar as transmissões ao vivo, caso haja qualquer manifestação por parte dos atletas ou do público. Por outro lado, conforme o Iran International, o técnico da seleção do Irã afirmou que os seus jogadores têm plena liberdade de expressão política, dentro das regras da FIFA, e que não há pressão contrária por parte do governo.

A grande meta da seleção iraniana nesta Copa do Mundo é alcançar o feito histórico de se classificar para a segunda fase. Porém, independente da classificação vir ou não, o que realmente pode entrar para a história é a postura dos jogadores frente há um dos momentos mais graves que o povo iraniano atravessa. O silêncio pode doer muito mais no coração dos iranianos do que a desclassificação na primeira fase, enquanto o grito de apoio tem potencial para se cristalizar na história muito mais que qualquer gol de classificação.

O Irã estreia nesta segunda-feira (21), em uma partida contra a Inglaterra, às 10h da manhã (horário de Brasília). Aguardemos.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube.