Por Rodrígo Olivêira

Mãe, diretora, roteirista, produtora e sócia da Modupé, Susan Kalik é uma importante figura do cenário audiovisual baiano e brasileiro. Nascida em São Paulo, Kalik foi radicada na Bahia há 25 anos, onde fez Direção Teatral na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A cineasta tem um longo currículo no audiovisual como o curta Cassiano (2014), com o protagonismo de Flávio Bauraqui, e de sua filha Alice Kalik; Sobre Nossas Cabeças (2020), com os globais Danilo Mesquita e Danilo Ferreira, além de estar finalizando seu primeiro longa de ficção, Timidez. Tantos projetos como estes renderam e ainda rendem a Susan Kalik um lastro de sucesso e de reconhecimento para a cineasta.

Multifinalista do Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre (FRAPA), este ano ela estará em mais uma final do Festival na categoria Argumentos, junto com o cineasta baiano, Rodrigo Luna. O longa metragem finalista é Guerra das Baianas, inspirado num acontecimento real da história Soteropolitana: a disputa de duas baianas de acarajé, há 25 anos, por um ponto de venda num Largo da Capital Baiana.

“Muito além de documentar o acontecido, o filme conta uma história sobre mãe e filha, sobre como tradição e contemporaneidade dão as mãos, e sobre como um grupo de mulheres se uniu para lutar contra as opressões e buscar melhores condições e oportunidades para toda uma classe de trabalhadoras e guardiãs dos saberes ancestrais do Acarajé”, comenta a roteirista e diretora do projeto, Susan Kalik.

Para além do FRAPA, a cineasta recebeu 22 prêmios pelo curta Sobre Nossas Cabeças, uma Menção Honrosa no CinePE 2023, ainda participou de equipes de roteiro na TV Globo, Prime Amazon (onde é autora/roteirista de um longa ficcional), Disney Plus, Paramount e Universal TV. Atualmente, ela aguarda o lançamento da série sobre Anderson Silva, na Paramount+, onde foi roteirista.

 

Confira agora um pouco da entrevista que fizemos com ela:

1 – Como é estar em mais uma final do FRAPA?

Susan Kalik: É um prazer, uma felicidade. O trabalho da escrita de roteiros, muitas vezes, é um trabalho solitário, principalmente nas primeiras etapas. Então é sempre muito bom quando podemos compartilhar o que estamos escrevendo, experimentar outros olhares, trocar nas consultorias. E o FRAPA é o maior evento de roteiristas da América Latina, essa é sua 11ª edição. Estive no FRAPA pela primeira vez em 2019, na última edição presencial antes da pandemia, com o projeto LAFOND, onde fui finalista no Concurso de Longas-metragens com um roteiro sobre o ator, bailarino e empresário Jorge Lafond. Depois fui curadora do concurso de longas-metragens em 2020 e 2021.

E agora, em 2023, retorno com um projeto de longa A Guerra das Baianas, um projeto de ficção que toma como base um acontecimento real que aconteceu em Salvador, uma disputa entre baianas de acarajé por um ponto de vendas, mas que reverberou em uma maior união da classe, na profissionalização deste saber ancestral, e no tombamento do Acarajé como Patrimonio Imaterial do Brasil. Em novembro, levamos ao Frapa este projeto lindo, criado pelo roteirista e diretor Rodrigo Luna, que estamos desenvolvendo, roteirizando e dirigindo juntos.

2 – Como foi roteirizar a série do lutador Anderson Silva?

Susan Kalik: Foi uma experiência incrível. Sou muito grata por ter participado dessa sala, do Time Spider. Foi minha primeira experiência em uma sala de roteiro para streaming. Eu já havia trabalhado em projetos para o Cinema, já havia conduzido, como Head, salas de obra seriada, mas para produtoras ou pela Modupé, produtora na qual sou sócia em Salvador, com Thiago Gomes. Mas eu ainda não havia encarado a jornada da “série premium”. Foi uma sala de longa duração, oito meses de sala, isso porque eu já entrei na segunda etapa do desenvolvimento, quando a equipe já começaria as escaletas. Aprendi muito neste processo, Marton Olympio, que é o criador da série e nosso Head de sala, é um roteirista muito sensível e preciso na condução da sala. O acolhimento e a escuta no processo criativo são muito importantes. E tive colegas maravilhosos nessa sala, Eliana Alves Cruz, Raul Perez, Álvaro Campos, Luiz Guilherme Assis e Nathalia Cruz.

E sobre a história? Aí não posso dar spoilers, pois, dia 16 de novembro, Anderson Spider Silva estará no ar, pela Paramount+ Brasil, mas posso dizer que a série é linda! Durante a escrita da série, eu me emocionei, torci, chorei, fiquei indignada, comemorei, fiz amigos, afinal, como diz Anderson, “ninguém luta só!” e fiquei triste quando a sala de roteiro acabou. Foi massa!

O trailer já está no ar, olha que bacana:

3 – Você tem uma longa trajetória de sucesso com premiações em vários festivais de cinema. Qual a importância para você desses espaços? Qual a importância dos festivais de cinema para o audiovisual brasileiro?

Susan Kalik: O festival de cinema é uma vitrine, uma primeira porta para o visionamento dos filmes. E aí é importante entender como ele é atravessado por diversas questões, e como as coisas se dão de diferentes formas para curtas e longas, para novos realizadores e para realizadores já consagrados no mercado, e como as coisas se dão por raça, gênero e território.

Falando do meu lugar de realizadora independente, com uma empresa situada na Bahia, um lugar de muita e diversa produção criativa, mas que ainda luta para ter acesso aos mesmos recursos financeiros disponíveis para produções do “eixo SP-RJ” – sejam verbas de editais, produções do streaming, ou patrocinadas, os festivais têm o importante papel de introdução no mercado para os novos e novas realizadoras.

Em geral, os nossos primeiros produtos são curtas-metragens, e participar dos festivais no Brasil e no exterior, através das chamadas cada vez mais divulgadas nas redes sociais ou em plataformas especializadas como filmfreeway ou outras, é uma primeira maneira de quebrar a barreira territorial: eu posso não ter como circular com meu filme, mas através dos festivais, minha narrativa circula, meu filme circula e, muitas vezes, até me leva fisicamente com ele. Os festivais e mostras têm um importante papel de visibilizar narrativas, pessoas realizadoras, e diversidade de discursos. Além de fomentar network, formação e trocas importantes. E claro, é superimportante, quando seu talento é premiado e reconhecido por profissionais do seu meio de trabalho. Então, ser premiada em uma mostra ou festival, é um momento muito feliz.

E, ainda para os curtas-metragens, os festivais muitas vezes são porta para a sua primeira exibição em plataformas ou seu primeiro licenciamento para o streaming, por exemplo, como o Prêmio de Distribuição da Elo Company, ou o Prêmio Canal Brasil de Curtas, que sempre apoiam festivais e mostras. Estes movimentos são importantes para novos realizadores. Além disso, os Festivais e Mostras são um lugar importante para circulação de curtas, visto que nossas salas de cinema do nicho comercial não acolhem esse seguimento.

Para os filmes de pessoas realizadoras mais experientes no mercado, ou mesmo para quem já está lançando filmes em longa-metragem, os festivais muitas vezes são um primeiro termômetro para o lançamento do filme, para sua comercialização, e mesmo para sua “cauda longa”, que é a carreira do filme, que perdura por anos e anos. É sempre um momento de grande visibilidade para a obra e para seus e suas realizadoras, para artistas, produtores, técnicos e elenco. Circular seus filmes por festivais e mostras, principalmente no nosso país tão grande, diverso, atravessado por tantos marcadores culturais, políticos e sociais, é um grande privilégio, é um presentão mesmo que a vida te dá, poder trocar com tantas plateias, ver sua obra suscitar discussões e ser “completada” ali, pela plateia espectadora.

Mas claro que o “tapete vermelho” dos festivais não chega para todas, todos e todes. Primeiro porque cinema é caro, e ainda é sim, excludente. Por mais que diversos festivais e mostras se dediquem a trabalhar medidas inclusivas, com ingressos a preços populares, exibições abertas ao público, sessões em centros de cultura e cineclubes, ainda é preciso deixar o público “à vontade” com o cinema. É preciso acolher o espectador que não frequenta as salas, levando-lhe a noção de que aquele espaço é dele, aquelas narrativas são dele, e que aquele festival ou mostra de cinema, acontece para aquelas pessoas, e não somente para os “fazedores” e “apreciadores” da sétima arte. É preciso que o cinema espelhe seu povo, e isto dramaturgicamente, as narrativas contemporâneas, diversas, inclusivas, antirracistas, e em diálogo com a sociedade vêm tentando fazer, mas ainda sinto que é preciso chamar o povo, acolher o povo, fazer com que a população se sinta “em casa” dentro da sala de cinema.

E ainda falando sobre acessar os festivais e mostras, o caminho da exibição de um filme nestes eventos é, por vezes, caro, muito caro. Por vezes, há custos com inscrições, com cópias em DCP, que é o formato de exibição de alguns cinemas, envio de materiais. Por vezes, não há cachê para a exibição da obra, ou o festival só pode custear a ida de 1 participante, e acabamos investindo nessa logística para levar mais alguém, a outra diretora, ou alguém do elenco, uma roteirista, por entendermos a importância de estarmos ocupando presencialmente estes lugares. Não é uma jornada fácil… Se você desejar participar dos internacionais então, haja dim-dim, para inscrições em dólar e euros (risos).

E não tem como não olharmos para os atravessamentos temáticos, inclusivos e regionais dos festivais. O Brasil é extremamente plural e, para que os festivais e mostras assim também sejam, é preciso que as curadorias trabalhem nessa direção, nessa construção. Somos um país atravessado por raça, gênero, questões identitárias, políticas e religiosas, somos pessoas, corpas e corpos diversos que produzimos narrativa, e se os festivais e mostras não forem um espelho disso, cada vez menos pessoas olharão para espelhos que não as refletem. É como no ítan do espelho da verdade, que se quebra, porque não há “uma verdade”, são muitas verdades, assim como seus pedacinhos de espelho, que espelham “várias verdades”.

Mas só para fechar “feliz” novamente, não que precise, mas porque a realidade anda tão dura que eu gosto de pensar que pode ser bom fechar feliz. Festivais e mostras são momentos únicos na carreira de quem faz audiovisual, é onde mostramos nossas obras, que escondemos desde a sementinha, é onde encontramos nossos e nossas pares e nos fortalecemos, é onde nos afirmamos e nos colocamos como pessoas realizadoras, artistas, provocadoras, é onde espelhamos quem fomos, quem somos e quem seremos como povo. E onde também conhecemos e nos mostramos para outras e outros povos e culturas por aí. Festival e Mostra é tudo de bom!

4 –  E complementando a pergunta: e os festivais universitários de cinema? Como você vê o cenário atual desses festivais que são voltados para os estudantes, para a formação de uma nova geração de profissionais do audiovisual?

Acho que vou só complementar a resposta anterior, porque muito do que eu disse lá já contempla o que eu diria aqui. Mas especificamente sobre os Festivais Universitários, eu acho que são um momento importantíssimo para troca, formação, circulação de obras destes novos realizadores. E acredito que este possa ser um movimento de grande pulsão para estes novos olhares que adentram a profissão e o mercado audiovisual.

Não tenho experiência na gestão de festivais universitários de audiovisual, mas minha empresa produtora realizou três edições de uma Mostra Universitária de Teatro, e foi fantástico dialogar com tantos estudantes e recém-formados, com suas obras, com suas visões de mundo. Fica aqui meu desejo por mais mostras de Cinema Universitário na Bahia. E ainda uma provocação: não acho que este seja um nicho de responsabilidade somente das Universidades, Faculdades ou Cursos de audiovisual. Acho que mostras universitárias podem e devem ter espaço nos nossos importantes festivais de cinema de maneira geral. Seria uma delícia se mais festivais de repercussão acomodassem mostras “novos olhares” para estudantes em formação, fica aí a provocação (risos).

E, para fechar, sobre Festivais de Cinema e Mostras, é aquilo: participe, ocupe! Se o seu filme ainda não está entre os selecionados para exibição, participe como público. Assista aos filmes, às mesas, faça as oficinas, conheça pessoas. Se você tem como levar alguém que “não tem costume” de frequentar, convide! Se você puder fazer ações formativas na sua comunidade, escola, faça! Os festivais e mostras não são para a “classe”, são para todas, todos e todes.